A Cláusula de Defesa da UE 'abafada' pela NATO

Soldados alemães de Bundeswehr da NATO em Pabrade, Lituânia, junho de 2022
Soldados alemães de Bundeswehr da NATO em Pabrade, Lituânia, junho de 2022 Direitos de autor Mindaugas Kulbis/AP Photo
De  Euronews
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A União Europeia tem um mecanismo de defesa militar muito semelhante à Aliança Militar. Especialistas consideram cláusula do bloco é "politicamente mais fraca"

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Assim como a NATO, a União Europeia tem sua própria cláusula de defesa mútua. No entanto, a decisão da Suécia e da Finlândia de aderirem à aliança transatlântica, após o inicio do conflito na Ucrânia, parece mostrar que a confiança na versão do bloco é frágil.

A Cláusula de Defesa Mútua da UE — Artigo 42.7 do Tratado de Lisboa — foi aprovada em 2007 e está em vigor desde 2009.

Afirma que "se um país da UE for vítima de agressão armada no seu território, os outros países da UE têm a obrigação de ajudá-lo e ajudá-lo por todos os meios ao seu alcance".

Foi criada 60 anos após a criação da NATO e estabelece que "um ataque contra um Aliado é considerado um ataque contra todos os Aliados", de acordo com a cláusula de defesa coletiva - Artigo 5.

Ambos foram acionados apenas uma vez em reação a ataques terroristas de 11 de setembro. O Artigo 42.7 foi acionado uma segunda vez depois dos ataques de 13 de novembro de 2015, em Paris.

Será a cláusula da UE mais forte?

"À primeira vista, eles parecem muito semelhantes", disse Aylin Matlé à Euronews, investigador do Programa de Segurança e Defesa do Conselho Alemão de Negócios Estrangeiros. "Mas, na verdade, a redação do artigo 42.7 é muito mais forte, na minha opinião, em comparação com o artigo 5 da NATO.", assegurou. 

A razão é a palavra "obrigação", que implica que outros estados membros da UE devem fornecer algum tipo de assistência. No entanto, "isso não significa que algo deva acontecer, que a ação militar deva seguir automaticamente", destacou Matlé.

O Artigo 42.7 estipula que a defesa mútua, embora seja obrigatória para todos os países da UE, "não afeta a neutralidade de alguns países da UE e é consistente com os compromissos dos países da UE que são membros da NATO".

Isso significa que o tipo de assistência prestada, se houver, ainda depende da liderança política de cada estado membro. E esse é também uma semelhança à NATO.

O artigo 5 afirma que qualquer aliado “no exercício do direito de legítima defesa individual ou coletiva” tomará “individualmente ou em conjunto com outras partes, as ações que julgar necessárias, incluindo o uso da força armada”.

Cláusula da UE vista como "politicamente mais fraca"

Vinte e um estados membros da UE fazem parte da NATO e um terço deles – Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Luxemburgo, Holanda e Portugal – são membros fundadores da aliança militar transatlântica.

"É considerado (...) como politicamente um pouco mais fraco."
Rafael Loss
Conselho Europeu dos Negócios Estrangeiros

Os restantes aderiram nas décadas seguintes com a última, a Croácia, tornando-se oficialmente membro meses antes da entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

A Suécia e a Finlândia podem em breve juntar-se ao grupo. Os pedidos foram feitos, de forma oficial. A Finlândia tem uma fronteira de 1.340 quilómetros com a Rússia. A opinião pública sobre a adesão à aliança militar mudou drasticamente nos dois países tradicionalmente neutros, logo após a Rússia iniciar a guerra na Ucrânia.

Ambos são estados membros da UE e, portanto, são teoricamente cobertos pelo Artigo 42.7.

De acordo com Rafael Loss, coordenador de Projetos de Dados Pan-Europeus do Conselho Europeu Negócios Estrangeiros (ECFR), apesar da sua forte retórica, o artigo 42.7 "é considerado pela maioria dos estados membros da UE, e muitos deles são membros da aliança da NATO, como politicamente um pouco mais fraco.", disse à Euronews.

"Existe um tipo de acordo geral, pelo menos implícito, de que a NATO é responsável pela defesa territorial na Europa e a UE faz gestão de crises até certo ponto e isso não é exclusivo, é claro", acrescentou. O medo de Estocolmo e de Helsínquia, acredita Loss, é que, se a Rússia atacar, a resposta da UE seria simplesmente "muito menor do que a da NATO.”

Qual a diferença entra a NATO e a Cláusula de Dedesa da UE?

A diferença entre as duas políticas é que a NATO é uma aliança militar apenas com exercícios conjuntos regulares, bem como grupos de batalha multinacionais e capacidades importantes, incluindo caças e navios de guerra sob comando direto da NATO já implementados em toda a Europa.

A UE, no entanto, foi criada como uma aliança política e económica e está apenas a começar a esboçar infraestruturas comuns de segurança e de defesa.

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Este processo foi acelerado pela guerra na Ucrânia, com os líderes a apoiar a política da Bússola Estratégica no final de março, que prevê o estabelecimento de uma Capacidade de Desdobramento Rápido da UE de até 5.000 soldados, exercícios mais regulares ao vivo em terra e no mar e a possibilidade de estados membros investirem conjuntamente no desenvolvimento de capacidades militares.

A Comissão também divulgou no mês passado propostas para uma estrutura da UE para compras conjuntas de defesa para permitir que os Estados membros reabasteçam de forma rápida e mais barata os stocks enviados às autoridades ucranianas, que substituam equipamentos da era soviética ou preencham lacunas de capacidade militar, especialmente sistemas de defesa aérea e antimísseis.

De acordo com Matlé, a Suécia e a Finlândia usaram a invocação do Artigo 42.7 da França em 2015 como um caso de teste, especialmente porque nenhum deles estava a considerar seriamente a adesão à NATO na época.

"Aqueles dois países estavam realmente muito interessados​ não apenas a invocar o Artigo, mas também em avançar a política de segurança e defesa comum da UE. A política de defesa é séria", acrescentou, destacando a falta de uma estrutura de comando comum e a falta de capacidades militares à disposição da UE.

"Isso é exatamente o que está a afundar o apoio europeu para qualquer ideia de soberania de defesa europeia (...)"
Rafael Loss
Conselho Europeu de Negócios Estrangeiros

Quem senão a França e a Alemanha?

A outra questão é a liderança. A NATO é dominada pelos EUA, que têm dezenas de milhares de soldados - alguns sob o comando da NATO, alguns sob acordos bilaterais com estados membros individuais da UE - espalhados por toda a Europa, bem como capacidades significativas.

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Alguns países do leste têm sido cautelosos em dar à UE um forte mandato de defesa, porque temem que isso possa levar a um recuo de Washington, especialmente porque a União Europeia tende a ser lenta para responder à crise devido à exigência de unanimidade.

Demora da UE nas sanções à Rússia

A UE impôs uma sexta ronda de sanções à Rússia desde a invasão que começou a 24 de fevereiro, altura em que começaram a aparecer grandes divergências dentro do bloco, durante as negociações para o último pacote. Negociações que levaram quase quatro semanas.

A NATO promete mais militares e exercícios para enfrentar a 'nova realidade' da agressão russa. A quantidade de ajuda militar que cada estado-membro forneceu à Ucrânia variou consideravelmente, com a Alemanha a ser fortemente criticada pela resposta inicial lenta, enquanto que o presidente francês Emmanuel Macron irritou profundamente o leste com seu apelo para não humilhar a Rússia.

"A grande questão que estamos a enfrentar no contexto da UE é que houve uma queda significativa na confiança em relação aos governos alemão e francês porque eles não estão a liderar a resposta ocidental a esta guerra e, de facto, estão a hesitar", ao contrário dos EUA e de outros países fora do bloco europeu, disse Loss.

"Isso é exatamente o que está a afundar o apoio europeu para qualquer ideia de soberania de defesa europeia, porque quem lideraria tal esforço se não fosse a França e a Alemanha que neste momento não estão a conseguir carregar essa responsabilidade?", concluiu.

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