Diretiva da UE sobre ingerência estrangeira preocupa defensores dos direitos humanos

Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, diz que é preciso monitorizar interesses pagos ou dirigidos a partir do exterior da UE
Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, diz que é preciso monitorizar interesses pagos ou dirigidos a partir do exterior da UE Direitos de autor AP Photo/Andy Wong
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De  Alice TideyIsabel Marques da Silva
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Mais de 200 organizações não-governamentais (ONG) alertam para o facto da legislação poder prejudicar a credibilidade da União Europeia (UE) na defesa dos direitos humanos no estrangeiro e encorajar os dirigentes repressivos.

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Uma diretiva da União Europeia destinada a criar um registo de organizações financiadas por fundos estrangeiros poderá ter "consequências indesejadas" e limitar a capacidade do bloco para apoiar os defensores dos direitos humanos a nível mundial, alertaram várias ONG, numa declaração conjunta dirigida à Comissão Europeia.

Cerca de 230 organizações da sociedade civil, incluindo a Transparency International EU, a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional, assinaram a declaração enviada, na quarta-feira, à Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na qual criticam os planos para uma Lei de Interferência Estrangeira.

A legislação deverá fazer parte de um pacote de medidas de Defesa da Democracia anunciado por Ursula von der Leyen, no discurso sobre o Estado da União, perante o Parlamento Europeu, em setembro passado. O executivo comunitário ainda não divulgou a proposta de lei, mas tem contactado as organizações da sociedade civil, nos últimos meses, com um pedido de contributos.

De acordo com as ONG contactadas pela UE, a Comissão argumenta que é necessário um novo instrumento jurídico "para introduzir normas comuns de transparência e de responsabilidade para os serviços de representação de interesses pagos ou dirigidos a partir do exterior da UE, para contribuir para o bom funcionamento do mercado interno e para proteger a esfera democrática da UE de interferências externas encobertas".

Incompatível com o direito comunitário

Estas ONG alertam, no entanto, para o facto de poder encorajar líderes repressivos em todo o mundo e minar a credibilidade da UE ao pronunciar-se sobre leis restritivas em países terceiros.

Alegam, por exemplo, que essas leis, já implementadas noutros países, reduziram significativamente o espaço para a sociedade civil independente e "foram utilizadas como uma ferramenta para silenciar vozes críticas".

"Há razões para a Comissão ter criticado as leis relativas aos agentes estrangeiros no estrangeiro e para ter levado a Hungria a tribunal por causa de uma lei nacional semelhante", afirmou Nick Aiossa, diretor-adjunto e responsável pela política e defesa da Transparency International EU, num comunicado.

"É simplesmente imprudente que a Comissão se recuse a fazer os seus trabalhos de casa e a avaliar plenamente os riscos reais que este tipo de legislação representa para a sociedade civil e os jornalistas", acrescentou.

A introdução pela Hungria, em 2017, de uma lei de interferência estrangeira que exige que as organizações que recebem, anualmente, pelo menos 7,2 milhões de forints (19 mil euros) de fontes estrangeiras se registem como tal no tribunal, e apresentem um relatório anual sobre o seu financiamento estrangeiro, levou a Comissão a iniciar um processo de infração contra o país.

Na altura, o primeiro vice-presidente, Frans Timmermans, afirmou que a lei não estava em conformidade com o direito comunitário, o que o Tribunal de Justiça da União Europeia confirmou num acórdão de junho de 2020.

Mais recentemente, os planos do governo da Geórgia para introduzir uma lei sobre a "influência estrangeira" foram cancelados em março, depois de terem provocado protestos generalizados em todo o país.

A lei - inspirada numa versão russa e que teria exigido que qualquer organização que recebesse mais de 20% do seu financiamento do estrangeiro se registasse como "agente estrangeiro" ou enfrentaria multas substanciais - foi denunciada como um "desenvolvimento muito mau para a Geórgia e o seu povo" pelo chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell.

Borrell afirmou que a lei, tal como foi redigida, poderia ter um "efeito inibidor na sociedade civil e nas organizações de comunicação social", que era "incompatível com os valores e normas da UE" e que poderia, por conseguinte, conduzir a "graves repercussões" nas relações UE-Geórgia.

"Não devemos ser ingénuos"

Um porta-voz da Comissão Europeia, Christian Wigand, disse à Euronews que a diretiva visa proteger "as nossas democracias, impondo obrigações de transparência sobre as atividades que procuram ter impacto na tomada de decisões públicas e no debate democrático na UE, levadas a cabo por entidades financiadas por ou com ligações a países terceiros".

"Olhando para as ações do Kremlin e de outros atores de países terceiros, não devemos ser ingénuos. É mais do que tempo de trazer à luz do dia a influência estrangeira encoberta e o financiamento obscuro", acrescentou Christian Wigand.

"A proposta não pretende reduzir as atividades, mas sim estabelecer normas comuns de transparência para os serviços de representação de interesses", acrescentou o porta-voz, e que todo o pacote "terá também como objetivo promover uma participação ampla e significativa da sociedade civil e dos cidadãos, para um espaço democrático mais resistente".

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Os eurodeputados exigem também que a Comissão Europeia efetue uma avaliação de impacto antes de apresentar qualquer proposta de lei europeia sobre interferência estrangeira. Estas avaliações são necessárias antes de a Comissão poder apresentar qualquer legislação que possa ter impactos económicos, sociais ou ambientais significativos.

Esta questão foi também levantada pelo eurodeputado alemão Sergey Lagodinsky (Verdes/ALE) no mês passado, durante uma audição com a Comissária para os Valores e a Transparência, Věra Jourová. A Comissária afirmou que não foi feita uma avaliação de impacto porque "estamos com pressa", citando em vez disso "diferentes fontes de informação" e um estudo com dados "com os quais podemos trabalhar de forma fiável".

"Mas, honestamente, não existem dados suficientes para revelar, neste momento, a dimensão do problema [da influência de países terceiros nas ONG da UE]. Sabemos apenas que o problema é grave e que devemos deixar de ser ingénuos e exigir maior transparência", acrescentou.'

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