Análise: Eleições antecipadas em Espanha enfraquecerão papel na UE?

Chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez
Chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez Direitos de autor Geert Vanden Wijngaert/Copyright 2022 The AP. All rights reserved
De  Jorge LiboreiroIsabel Marques da Silva
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A Espanha deverá exercer a presidência rotativa do Conselho da União Europeia entre 1 de julho e 31 de dezembro, mas todo o aparelho político estará empenhado nas eleições nacionais antecipadas de 23 de julho.

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A decisão do chefe do governo de Espanha, Pedro Sánchez, de antecipar as eleições nacionais para o mês em que o país assume a presidência rotativa da União Europeia (UE), em julho, está a ser visto pelos analistas como uma jogada ousada, e questionam se essa ousadia não colocará em risco o avanço de políticas a nível comunitário.

Enquanto aumentam as dúvidas sobre a capacidade da Espanha para proteger os assuntos quotidianos do Conselho da UE da contundente campanha eleitoral, os aliados de Sánchez vieram a público acalmar os receios e dissipar quaisquer rumores de que a presidência possa ser vítima de um cancelamento de última hora.

"A presidência será mantida como tal, com todas as suas atividades", disse Luis Planas, ministro espanhol da Agricultura e Pescas, numa recente visita a Bruxelas.

"Para aqueles que, de alguma forma, querem ver isto de uma forma negativa, nós tranquilizamo-los. Vamos garantir todas as nossas responsabilidades institucionais e políticas enquanto Presidência do Conselho da UE", concluiu o ministro.

Ao longo dos cinco anos em que esteve à frente do Governo espanhol, o líder socialista construiu a reputação de tomar decisões ousadas e ambiciosas, com pouca influência para além do seu próprio instinto político.

Sánchez é visto como um defensor inabalável das causas progressistas, mas os seus adversários usam o termo "sanchismo" para descrever a sua forma assertiva e personalista de governar.

Embora surpreendente à primeira vista, a decisão de Sánchez de convocar eleições gerais antecipadas, após o fraco desempenho do seu partido nas eleições locais e regionais da semana passada, enquadra-se no padrão dessa atitude política.

Ao fazê-lo, Sánchez convida os espanhóis a escolherem já entre a sua coligação de esquerda e um possível executivo conservador apoiado pela extrema-direita, um dilema binário que espera galvanizar o eleitorado.

Desta vez, porém, a sua aposta corre o risco de se repercutir em Bruxelas, com consequências para os 27 membros da UE.

Dossiês importantes para avançar a partir de Bruxelas e de Madrid

As eleições legislativas, inicialmente previstas para finais de dezembro, foram agora adiadas para 23 de Julho, apenas três semanas depois de a Espanha assumir a presidência rotativa semestral do Conselho da UE.

A presidência do Conselho da UE confere a um país a prerrogativa de definir a ordem de trabalhos, organizar reuniões ministeriais, dirigir negociações, redigir textos de compromisso, marcar votações sobre dossiês importantes e falar em nome de todos os Estados-membros perante o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia.

Estes poderes acrescidos representam, tradicionalmente, uma oportunidade para o país provar a sua destreza diplomática, influenciar o debate político e mostrar a sua riqueza cultural e natural ao resto do bloco.

Político declaradamente pró-europeu, Sánchez queria aproveitar ao máximo o grande palco europeu para exercer uma presidência produtiva e negociadora que reforçasse o perfil do seu país e, por extensão, as suas credenciais de estadista internacional.

O primeiro-ministro espanhol passou os últimos meses a viajar pela Europa e a reunir-se com os seus homólogos para lançar as bases do que, até esta segunda-feira, se previa ser um mandato de seis meses muito preenchido à frente do Conselho da UE.

As grandes expetativas não resultam apenas da digressão promocional de Sánchez, mas da própria realidade no terreno: antes do final do ano, as instituições da UE devem concluir uma série de atos legislativos importantes que se têm vindo a acumular na lista de tarefas de Bruxelas.

O catálogo inclui, entre outros, uma revisão pós-crise do mercado da eletricidade, uma primeira tentativa mundial de regulamentar a inteligência artificial, uma estratégia ambiciosa para evitar o êxodo das indústrias verdes, um plano de 500 milhões de euros para aumentar a produção de munições para a Ucrânia, um esquema sem precedentes para confiscar ativos russos congelados e a tão esperada e difícil reforma das regras fiscais da UE.

Dado o seu peso e o seu carácter abrangente, estes dossiês exigirão um impulso forte e consistente para avançar e alcançar um consenso entre as 27 capitais, uma tarefa difícil que recai, em primeiro lugar, sobre os ombros da presidência rotativa.

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O vazio político

Para a Espanha, a convergência atempada de todas estas leis cruciais - em especial nos domínios da energia e da política fiscal - constituiu uma plataforma inestimável para ampliar os seus pontos de vista internos e desempenhar um papel de primeira linha na definição dos acordos políticos.

Mas o aparecimento súbito de eleições antecipadas, logo no início da presidência, ameaça prejudicar gravemente a margem de manobra da Espanha no seio do Conselho e drenar recursos de Bruxelas para Madrid, à medida que se desenrola uma árdua campanha em plena época de verão.

Com a guerra da Rússia na Ucrânia longe da linha de chegada, a UE não se pode dar ao luxo de ter seis meses de atrofia legislativa, o que aumentaria ainda mais o atraso dos dossiês legislativos.

Montanha russa se não houver maioria clara

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Para tornar as coisas mais urgentes, a próxima presidência do Conselho da UE, exercida pela Bélgica no primeiro semestre de 2024, deverá ser invariavelmente prejudicada pelas eleições para o Parlamento Europeu, que colocarão Bruxelas em modo de campanha e reiniciarão o relógio político.

Embora esta não seja certamente a primeira vez que uma presidência rotativa coincide com uma eleição geral - no ano passado, o Presidente Emmanuel Macron, de França, manteve o mandato do seu país enquanto lutava pela reeleição -, a natureza polarizada da política espanhola aumenta a complexidade.

As anteriores eleições, que tiveram lugar em abril de 2019, tiveram de ser repetidas em novembro, depois de as conversações da coligação liderada pelo partido socialista de Sánchez terem fracassado. Este ano, as atenções voltam-se para a direita, com uma aliança entre o conservador Partido Popular (PP) e o partido de extrema-direita Vox como principal alternativa.

Isto significa que, num dos cenários mais prováveis, a presidência espanhola poderia começar sob um governo socialista, passar pela agitação de uma campanha em julho, abrandar durante a pausa de agosto e depois retomar as atividades sob um novo executivo de direita com prioridades políticas muito diferentes.

Esta montanha-russa será "particularmente problemática" para o Conselho, numa altura em que é preciso chegar a acordos fundamentais antes do fim da atual legislatura, diz Johannes Greubel, analista sénior do Centro de Política Europeia.

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"Para a UE e, em particular, para o Conselho, estas eleições chegam num momento mais do que infeliz, uma vez que vão ter um impacto fundamental no funcionamento da presidência espanhola, particularmente a nível político", disse Greubel à Euronews.

"Com o iminente vazio de liderança política em Espanha e, consequentemente, ao nível do Conselho, muitas negociações sobre estas questões políticas sensíveis correm agora o risco de falhar por falta de tempo", acrescentou.

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