Representantes de 60 países deslocaram-se, segunda-feira, a Bruxelas, para abrir um novo capítulo nas relações entre a União Europeia, a América Latina e os países das Caraíbas, que há quase uma década não se reuniam em cimeira. Mas as suas visões geopolíticas são difíceis de conciliar.
A União Europeia (UE) quer recuperar a influência na América Latina e Caraíbas face aos desafios geopolíticos que puseram o bloco de relaçõe cortadas com a Rússia e em tensa concorrência com a China. Algo que poderá ser facilitado por antigos laços históricos, embora seja necessário nutriar a confiança mútua, reconheceu o chefe da diplomacia comunitária.
"Como éramos parceiros naturais, não prestámos a devida atenção. Os europeus não prestaram atenção suficiente aos latino-americanos. E agora temos de reagir e ter em conta o novo cenário geopolítico, com a emergência da China e o novo papel da Rússia, temos de expressar e mostrar, não só preocupação, mas também empenhamento", disse Josep Borrell, alto representante da UE para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, antes da cimeira começar.
Desculpas sobre escravatura
O mea culpa da UE poderá ir ao ponto de incluir na declaração política o reconhecimento das feridas causadas pelo passado colonial de alguns Estados-membros.
Uma delas é o sofrimento causado pelo tráfico transatlântico de escravos, mas talvez sem chegar ao ponto de oferecer compensação financeira por ele, como pedem alguns dos países da Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos (CELAC).
"Estou muito esperançoso de que veremos um parágrafo na declaração abordando os legados históricos do genocídio nativo e da escravização de corpos africanos... e algo em direção à justiça reparatória", referiu Ralph Gonsalves, primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, país que detém a presidência rotativa da CELAC.
O que dizer sobre a guerra na Ucrânia
Há também controvérsia sobre como redigir um parágrafo em relação à guerra na Ucrânia na declaração política final.
Há diferentes sensibilidades em ambos os lados do Atlântico, mas também entre os países latino-americanos.
"Queremos um texto ambicioso de ambos os lados e é por isso que ainda estão a decorrer algumas discussões sobre o projeto de comunicado. Relativamente à Ucrânia, uma coisa é clara: a grande maioria dos países latino-americanos decidiu condenar a Rússia e isso traduziu-se em várias votações na Assembleia Geral das Nações Unidas", referiu Charles Michel, presidente do Conselho Europeu.
Entre os países da CELAC, houve quem condenasse a invasão, quem mantivesse uma posição mais neutral e quem se alinhasse com a Rússia, durante as votações na ONU. Encontrar uma linguagem comum que inclua todos estes pontos de vista será difícil, mas a cimeira só termina na terça-feira.
A terceira cimeira da UE com a CELAC também tem na agenda acordos comerciais e estratégias para lidar com as transições ecológica e digital, bem como a retoma da ordem internacional baseada em regras e fortalecimento do multilateralismo.
A gerar consenso entre os dois blocos está a intenção de fazer cimeiras com mais regularidade, de dois em dois anos, estando a próxima prevista para a Colômbia, em 2025, e de criar um mecanismo de cooperação permanente para reuniões regulares.
Em termos mundiais, a UE e a CELAC representam quase 60 países, cerca de um terço do território, 14% da população (mil milhões de pessoas) e 21% do Produto Interno Bruto.