Representante da UE na Áustria disse que governo dá "dinheiro de sangue" à Rússia

Martin Selmayr foi Secretário-Geral da Comissão Europeia sob a direção de Jean-Claude Juncker.
Martin Selmayr foi Secretário-Geral da Comissão Europeia sob a direção de Jean-Claude Juncker. Direitos de autor Ansotte, Etienne;Shimera;EC - Audiovisual Service;/EU/Etienne Ansotte
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De  Jorge Liboreiro
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Artigo publicado originalmente em inglês

A Comissão Europeia emitiu uma severa repreensão contra o seu principal representante em Viena, Martin Selmayr, depois de este ter afirmado que a continuação da compra de gás russo pela Áustria equivalia a "dinheiro de sangue".

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"Meu Deus, 55% do gás austríaco ainda vem da Rússia. Isso surpreende-me porque todos os dias é enviado dinheiro de sangue para a Rússia com a fatura do gás", disse Martin Selmayr, na quarta-feira, enquanto participava num debate numa feira de arte, em Viena (capital da Áustria).

A declaração foi noticiada pelos meios de comunicação austríacos e suscitou uma reaçãoforte por parte do partido conservador, no poder (ÖVP), o que levou Selmayr a ser convocado para uma reunião no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Karoline Edtstadler, ministra dos Assuntos Europeus na Chancelaria austríaca, descreveu as observações sobre o "dinheiro de sangue" como "duvidosas", "contraproducentes" e "completamente unilaterais".

"É lamentável que até mesmo um funcionário da UE não pareça estar familiarizado com certos factos", disse Edtstadler, de acordo com a emissora pública ORF.

O Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), de extrema-direita, pediu a sua demissão imediata. Os Verdes e os Liberais, no entanto, manifestaram o seu acordo com a caraterização feita pelo representante.

O gabinete de Selmayr não respondeu de imediato a um pedido da Euronews.

"Desnecessário e inapropriado

Numa declaração partilhada com o jornal austríaco Die Presse, Selmayr afirmou que os seus comentários foram uma reação a uma pergunta da audiência, em que a pessoa acusou a União Europeia e, em particular, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, de "belicismo" e de ter "sangue" nas mãos.

Balazs Ujvari, porta-voz da Comissão Europeia, afirmou, sexta-feira, que a escolha de palavras de Selymayr foi "não só desnecessária como também inapropriada" e violou as normas protocolares que os seus representantes devem respeitar.

Selmayr foi chamado a consultar o seu superior hierárquico e chegará a Bruxelas "num futuro próximo", confirmou o porta-voz.

"A diplomacia não tem apenas a ver com o conteúdo correto, mas também com o tom correto. Os enviados (...) devem ponderar cuidadosamente cada palavra porque desempenham um papel importante como mensageiros de confiança entre nós e o governo anfitrião", afirmou Ujvari.

"Uma coisa é defender um ponto de vista sobre a substância, outra coisa é a forma como defendemos esse ponto de vista."

Ujvari recusou-se a entrar naquilo a que chamou "discussões linguísticas" para clarificar o que é que fez exatamente com que os comentários sobre o "dinheiro de sangue" fossem tão inadequados e em que é que diferiam de declarações anteriores feitas por outros funcionários da UE apelando ao fim dos combustíveis fósseis russos.

"As mesmas regras aplicam-se a todos os funcionários e o que esperamos dos nossos funcionários é que falem com proporcionalidade, com discrição e que seleccionem as suas palavras com o devido cuidado. Penso que isto não depende do país (onde residem)", afirmou Ujvari.

Questionada sobre se a defesa de von der Leyen justificava a linguagem utilizada, Dana Spinant, porta-voz adjunta da Comissão Europeia, interveio para fazer uma observação.

"É importante que quando defendemos a Europa ou as ações da Comissão Europeia (...) o façamos utilizando uma tonalidade e uma linguagem que mantenham abertos os canais de comunicação com os países onde os nossos enviados estão destacados. Se formos insultados, o que por vezes acontece, é importante não responder com os mesmos meios", afirmou Spinant, salientando que não se referia ao caso específico em apreço.

Os porta-vozes acrescentaram que o executivo da UE tinha encetado conversações bilaterais com o Governo austríaco antes de emitir a sua repreensão pública.

JOE KLAMAR/AFP or licensors
Austria continues to buy gas from Russia, which has not been prohibited under EU sanctions.JOE KLAMAR/AFP or licensors

Uma dependência bem documentada

Esta não é a primeira vez que a Áustria é objeto de escrutínio devido à sua dependência do gás russo, que obtém através de um gasoduto que o Kremlin mantém aberto. Ao contrário do carvão e do petróleo marítimo, as importações de gás russo não são proibidas pelas sanções da UE.

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Antes do início da invasão, a Áustria comprava cerca de 80% do seu gás à Rússia, uma percentagem que começou a diminuir no rescaldo da guerra. Nos últimos meses, porém, a percentagem aumentou, tendo atingido 60%, em junho.

O aumento da dependência foi objeto de uma extensa cobertura mediática, nomeadamente pela Euronews, Le Monde e New York Times, e fez da Áustria um dos poucos casos anómalos na União Europeia, onde a maioria dos Estados-membros tomou medidas dispendiosas para se libertar das importações de energia da Rússia.

A Comissão Europeia pôs em prática um plano, apelidado de "REPowerEU", para libertar completamente o bloco dos combustíveis fósseis russos e aumentar a implantação de sistemas renováveis.

Em setembro do ano passado, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou planos para limitar o preço das importações de gás russo, argumentando que as compras continuadas estavam a ajudar o Kremlin a amortecer o impacto das sanções. 

Os planos foram posteriormente abandonados e nunca se transformaram numa proposta legal.

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"Todos sabemos que as nossas sanções estão a afetar profundamente a economia russa, com um forte impacto negativo. Mas Putin está a amortecê-lo parcialmente através das receitas dos combustíveis fósseis. Temos de reduzir as receitas da Rússia, que Putin utiliza para financiar a sua guerra atroz na Ucrânia", afirmou von der Leyen, há um ano.

A comissária europeia para a Energia, Kadri Simson, instou os Estados-membros a eliminarem, gradualmente, todas as importações de gás da Rússia e a evitarem assinar novos contratos quando os acordos existentes expirarem.

"O fornecimento de gás tem sido utilizado como uma alavanca para chantagear e dividir os Estados-membros, para enfraquecer a determinação de se oporem a uma guerra injusta e ilegal. Estas acções tornaram muito claro que a União deveria pôr fim à enorme dependência que tínhamos da Rússia, construída ao longo de décadas", afirmou Simson.

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