Ativistas alertam para riscos da nova versão do Pacto de Migração da UE

Os Estados-Membros e o Parlamento Europeu chegaram a um acordo preliminar sobre o Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo.
Os Estados-Membros e o Parlamento Europeu chegaram a um acordo preliminar sobre o Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo. Direitos de autor Santi Palacios/Copyright 2021 The AP. All rights reserved.
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De  Jorge LiboreiroEuronews
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Artigo publicado originalmente em inglês

Os Estados-membros da UE e o Parlamento Europeu chegaram, na terça-feira, a um importante acordo para reformar a política de migração do bloco, num processo que se arrastou por três anos, mas a nova versão não agrada a ativistas dos direitos humanos.

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O acordo sobre o Pacto de Migração e Asilo da UE, que ainda tem de ser objeto de ratificação formal, foi selado após uma maratona de conversações que teve início na tarde de segunda-feira e terminou na manhã de quarta-feira, centrando-se num vasto e complexo leque de questões tais como os períodos de detenção, o perfil racial, os menores não acompanhados, as operações de busca e salvamento e a vigilância das fronteiras.

O Conselho Europeu, liderado pela presidência espanhola, defendeu uma posição rígida para dar aos Estados-membros a maior margem de manobra possível para lidar com a migração, nomeadamente através do alargamento de um procedimento de asilo acelerado ao maior número possível de requerentes, enquanto que o Parlamento Europeu insistiu em disposições mais rigorosas para respeitar os direitos fundamentais.

Com esta versão consensual, o bloco vai poder avançar com cinco atos legislativos interligados que redefinem as regras para receber, gerir e relocalizar coletivamente a chegada irregular de migrantes.

A poposta inicial partiu da Comissão Europeia, em setembro de 2020, numa tentativa de virar a página de décadas de gestão ad-hoc de crises, em que os governos tomaram medidas unilaterais e descoordenadas para lidar com um aumento acentuado dos requerentes de asilo.

Na sua essência, o Pacto destina-se a estabelecer normas previsíveis e claras que vinculem todos os Estados-membros, independentemente da sua localização geográfica e peso económico. O objetivo final é encontrar um equilíbrio entre a responsabilidade dos países da linha da frente, como a Itália, a Grécia e a Espanha, que recebem a maior parte dos requerentes de asilo, e o princípio da solidariedade que os outros países devem defender.

"É um momento histórico", disse Ylva Johansson, a comissária europeia para os Assuntos Internos, celebrando a notícia.

O acordo será agora traduzido em textos legais alterados, que terão de ser aprovados primeiro pelo Parlamento e, mais tarde, pelo Conselho. Dada a extrema sensibilidade da questão em causa, não são de excluir pedidos de última hora por parte dos governos. No entanto, a aprovação no Conselho será feita por maioria qualificada, o que significa que os países não poderão vetar.

O ciclo tem de ser concluído antes que Bruxelas entre num impasse total antes das próximas eleições para o Parlamento Europeu, previstas para o início de junho.

O Pacto não resolve os problemas de asilo da UE; na realidade, limita o acesso ao asilo e os direitos dos que procuram proteção.
Caritas Europa

Críticas dos ativistas que lidam com migrantes e refugiados

As organizações humanitárias intensificaram, nos últimos meses, uma campanha pública para alertar para o risco de o Pacto normalizar a detenção em larga escala e enviar os migrantes de volta para países onde enfrentam violência e perseguição. As preocupações foram repetidas na manhã de quarta-feira, à medida que os pormenores do acordo foram surgindo.

"O Pacto não resolve os problemas de asilo da UE; na realidade, limita o acesso ao asilo e os direitos dos que procuram proteção", afirmou a Caritas Europa num comunicado, alertando para o risco de "detenções generalizadas e padrões de acolhimento deficientes" e de "procedimentos de asilo apressados com salvaguardas e recursos restritos".

Já a Amnistia Internacional previu um "aumento do sofrimento em todas as etapas" da viagem dos requerentes de asilo e denunciou o procedimento de fronteira de 12 semanas como "deficiente". As disposições do pacto em matéria de gestão de crises podem "violar o direito internacional" e criar um "precedente perigoso para o direito de asilo a nível mundial", afirmou a organização.

Em reação às críticas, Ylva Johansson, Comissária Europeia para os Assuntos Internos, que participou na maratona de negociações, afirmou que o acordo inclui um "limite" para o número de requerentes de asilo que podem passar pelo procedimento acelerado para evitar "qualquer sobrelotação". 

A migração é algo normal. A migração sempre existiu e continuará a existir. A nossa tarefa (é) gerir a migração de uma forma ordenada - em conjunto.
Ylva Johansson
Comissária europeia para Assuntos Internos

Se o limite for atingido, os imigrantes serão reencaminhados para o procedimento de asilo tradicional, que permite a livre circulação no território nacional. O aconselhamento jurídico será fornecido gratuitamente durante "todo o processo", disse Johansson.

"A migração é algo normal. A migração sempre existiu e continuará a existir. A nossa tarefa (é) gerir a migração de uma forma ordenada - em conjunto", afirmou a comissária.

A aplicação do novo pacto, que demorará meses após a aprovação dos textos finais, será inevitavelmente dificultada pela questão das deportações. Durante anos, a UE tem-se esforçado por convencer os países de origem a aceitar os requerentes de asilo cujos pedidos não são aceites, deixando muitos deles presos num limbo jurídico. 

Bruxelas está agora a tentar uma combinação de instrumentos para corrigir a situação, como a nomeação de um Coordenador para o Regresso para coordenar as políticas nacionais e a ameaça de restrições de vistos para os países que se recusem a cooperar.

"É claro que é preciso fazer mais, mas estamos a fazer progressos nesta área", disse Johansson.

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Cinco alterações

O objetivo é ter uma abordagem global que pretende reunir todos os aspetos da gestão da migração, desde o momento em que os migrantes chegam ao território do bloco até à resolução dos seus pedidos de proteção internacional.

Em termos gerais, pretende-se cobrir a "dimensão interna" da migração, enquanto a "dimensão externa" é abordada através de acordos específicos com países vizinhos, como a Turquia, a Tunísia e o Egipto.

As cinco leis incluídas no novo pacto são as seguintes

  • O regulamento relativo ao rastreio, que prevê um procedimento de pré-entrada para examinar rapidamente o perfil de um requerente de asilo e recolher informações básicas como a nacionalidade, a idade, as impressões digitais e a imagem facial. Serão igualmente efectuados controlos sanitários e de segurança.
  • O Regulamento Eurodac alterado, que actualiza o Eurodac, a base de dados de grande escala que armazenará os dados biométricos recolhidos durante o processo de triagem. A base de dados passará da contagem dos pedidos para a contagem dos requerentes, a fim de evitar pedidos múltiplos com o mesmo nome.
  • O Regulamento relativo aos procedimentos de asilo (RPA) alterado, que estabelece duas etapas possíveis para os requerentes de asilo: um procedimento acelerado nas fronteiras, que deve durar, no máximo, 12 semanas, e o procedimento de asilo tradicional, que é mais longo e pode demorar vários meses até chegar a uma conclusão definitiva.
  • O Regulamento relativo à gestão do asilo e da migração (AMMR), que estabelece um sistema de "solidariedade obrigatória" que será acionado quando um ou mais Estados-membros se encontrarem sob "pressão migratória". O sistema oferecerá aos países três opções de ajuda: recolocar um determinado número de requerentes de asilo (até 30 mi pessoas, por ano), pagar uma contribuição por cada requerente (20 mil euros por pessoa) que recusem recolocar no seu país e que servirá para financiar apoio operacional.
  • O Regulamento de Crise, que prevê regras excecionais que serão aplicadas apenas quando o sistema de asilo do bloco for ameaçado por uma chegada súbita e maciça de refugiados, como foi o caso durante a crise migratória de 2015-2016, ou por uma situação de força maior, como a pandemia da Covid-19. Nestas circunstâncias, as autoridades nacionais serão autorizadas a aplicar medidas mais rigorosas, incluindo períodos de detenção mais longos.

As negociações entre o Conselho e o Parlamento decorreram durante meses, primeiro em conversações separadas sobre cada dossiê legislativo e, mais recentemente, no chamado formato "jumbo", em que os cinco projetos de lei foram analisados de uma só vez sob o lema "nada está acordado até que tudo esteja acordado".

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 Juan Fernando López Aguilar, eurodeputado espanhol em terceiro mandato e relator do regulamento relativo à crise, descreveu o processo como "o mais difícil que já vivi".

Os Estados-membros estavam empenhados em preservar o compromisso difícil que tinham alcançado entre si após anos de debates infrutíferos para reformar a política de migração do bloco. O compromisso era particularmente delicado no que se refere ao sistema de "solidariedade obrigatória" previsto na AMMR: os países tinham acordado uma quota anual de 30 mil recolocações e uma contribuição de 20 mil euros por cada requerente de asilo que rejeitassem.

Mas os legisladores ressentiram-se da posição inflexível do Conselho e apelaram à flexibilidade para chegar a um meio-termo. Algumas das últimas divergências que subsistem são o âmbito do procedimento de fronteira de 12 semanas, a detenção de requerentes em situação irregular, um mecanismo de controlo dos direitos fundamentais e o conceito de países terceiros seguros.

A Polónia e os países bálticos insistiram em regras especiais para lidar com a instrumentalização dos migrantes, um fenómeno que sofreram em primeira mão, em 2021, quando a Bielorrússia orquestrou um afluxo de requerentes de asilo em retaliação às sanções internacionais.

O acordo de quarta-feira surge poucos dias depois de a Frontex, a agência de fronteiras e guarda costeira do bloco, ter dito que as travessias irregulares de fronteiras ultrapassaram os 355 mil incidentes nos primeiros 11 meses do ano, o número mais elevado para esse período desde 2016.

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O aumento contínuo dos incidentes de travessia de fronteiras injetou ímpeto nas negociações e tirou o Novo Pacto do limbo político em que se encontrava desde 2020.

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