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Estará o Espaço Schengen sem fronteiras prestes a desmoronar-se?

O Espaço Schengen aboliu os controlos nas fronteiras internas. Mas continuam a existir obstáculos.
O Espaço Schengen aboliu os controlos nas fronteiras internas. Mas continuam a existir obstáculos. Direitos de autor European Union, 2011.
Direitos de autor European Union, 2011.
De  Jorge Liboreiro
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Artigo publicado originalmente em inglês

Os recentes acontecimentos na Alemanha e na Hungria relacionados com a migração irregular lançaram sérias dúvidas sobre o futuro do Espaço Schengen.

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Estará o Espaço Schengen, a zona sem passaportes que reúne 420 milhões de pessoas e representa uma das realizações mais tangíveis e reconhecíveis da integração europeia, a morrer?

A pergunta teria parecido radical há uma década, quando a União Europeia estava mergulhada numa crise financeira que a obrigava a fazer tudo para salvar outro dos seus maiores feitos, a zona euro. Nessa altura, Schengen era, quando muito, uma almofada valiosa para manter o comércio ininterrupto.

Mas a chegada maciça de requerentes de asilo em 2015 virou a agenda política de pernas para o ar e colocou a migração em primeiro plano, abrindo uma conversa volátil e amarga em que os governos deram prioridade a medidas de curto prazo para apaziguar um eleitorado furioso. A Áustria, a Hungria, a Eslovénia, a Suécia e a Dinamarca foram alguns dos países que citaram o afluxo sem precedentes de migrantes como motivo para reintroduzir controlos temporários nas suas fronteiras, quebrando a ilusão de que Schengen era intocável.

A pandemia de COVID-19 desferiu outro golpe em Schengen, com os países a apressarem-se a fechar as fronteiras numa tentativa de conter a propagação do vírus. Bruxelas pensou que, assim que a vacinação começasse e as infeções diminuíssem, a circulação em todo o bloco voltaria ao seu estado normal de perfeição. A esperança concretizou-se, mas não por muito tempo.

O fim da crise sanitária provocou um aumento constante dos fluxos migratórios para a UE, colocando de novo o tema em suspenso. Os pedidos de asilo atingiram 1,12 milhões em 2023, o valor mais elevado desde 2016, e as autoridades locais, dos Países Baixos a Itália, queixaram-se de que os centros de acolhimento estavam a ficar sobrecarregados. O apoio aos partidos de extrema-direita e de direita cresceu nas urnas e a ideia, outrora impensável, de deslocalizar os procedimentos de asilo para destinos longínquos tornou-se corrente.

Foi neste contexto que a cidade alemã de Solingen foi vítima de um ataque à faca que fez três mortos no final de agosto. O esfaqueamento, reivindicado pelo chamado Estado Islâmico, foi levado a cabo por um cidadão sírio cujo pedido de asilo tinha sido anteriormente rejeitado com uma ordem de regresso à Bulgária, o primeiro país de entrada na UE.

O fracasso da deportação reacendeu imediatamente o debate sobre migração: os conservadores criticaram o governo federal do chanceler Olaf Scholz e exigiram soluções para além dos padrões convencionais. Sob pressão, Scholz prometeu uma linha de ação mais dura e ordenou o reforço dos controlos em todas as nove fronteiras terrestres do país.

"Queremos reduzir ainda mais a migração irregular", declarouesta semana Nancy Faeser, ministra do Interior da Alemanha. "Para isso, estamos agora a tomar novas medidas que vão além das medidas abrangentes atualmente em vigor".

Ataque de Solingen inflamou o debate sobre migração na Alemanha
Ataque de Solingen inflamou o debate sobre migração na AlemanhaThomas Banneyer/(c) Copyright 2024, dpa (www.dpa.de). Alle Rechte vorbehalten

O primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, denunciou o anúncio como "inaceitável", classificando-o como uma "suspensão de facto do acordo de Schengen em grande escala", enquanto a Áustria sublinhou que não aceitaria nenhum migrante recusado pela Alemanha.

Em Bruxelas, a Comissão Europeia foi extremamente cautelosa para evitar antagonizar Berlim, a capital mais influente do bloco, e limitou-se a uma resposta legalista: nos termos do Código das Fronteiras Schengen, os Estados-membros têm o direito de implementar controlos nas fronteiras internas para fazer face a uma "ameaça grave, seja para a ordem pública ou para a segurança interna, quando tal for necessário e proporcionado".

A resposta foi correta, mas pouco contribuiu para dissipar os receios de que Schengen pudesse em breve desmoronar-se.

O sentimento sombrio foi ainda agravado pela ameaça provocadora da Hungria de transportar migrantes irregulares para a Bélgica, em retaliação a uma multa de 200 milhões de euros imposta pelo Tribunal de Justiça Europeu (TJE), um plano que, a ser levado a cabo, constituiria um caso sem precedentes de migração instrumentalizada por um país da UE contra outro.

Budapeste também está a ser alvo de críticas por ter alargado o seu sistema de Cartão Nacional a cidadãos russos e bielorrussos, o que, segundo a Comissão, pode permitir contornar sanções e ameaçar a segurança de "todo" o Espaço Schengen.

De excecional a comum

Os controlos nas fronteiras internas são, por natureza, contrários ao espírito de Schengen, que pretende ser um espaço alargado onde os controlos foram abolidos e os cidadãos podem viajar sem problemas através de 29 países - em muitos casos, sem nunca mostrar o passaporte.

O projeto inovador baseia-se num esforço coletivo para controlar as fronteiras externas e garantir uma gestão justa e diligente dos requerentes de asilo. Os Estados-Membros confiam uns nos outros para fazerem o seu trabalho e aplicarem as leis adequadas antes de deixarem entrar alguém.

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Esta lógica tem sido publicamente questionada por vários Estados-Membros, como a Áustria e a Hungria, que argumentam que a UE, no seu conjunto, não tem conseguido cuidar das suas fronteiras externas e que, consequentemente, se tornou incapaz de lidar com a migração irregular.

Os registos da Comissão mostram que, desde 2006, os Estados-Membros apresentaram 441 notificações para reintroduzir os controlos nas fronteiras. Apenas 35 delas foram apresentadas antes de 2015. Atualmente, oito países do espaço Schengen, incluindo a Alemanha, têm controlos em vigor.

Os números desafiam o pressuposto de que o controlo fronteiriço "deve ser excecional e utilizado apenas como último recurso", como diz o Código das Fronteiras Schengen, e mostram a vasta extensão em que a opção foi invocada para além do seu limite legal de seis meses.

Num relatório publicado em abril, a Comissão identificou o fenómeno como uma "questão de preocupação específica" e apelou aos países para que eliminassem gradualmente os controlos temporários "com vista a uma gestão conjunta mais sustentável dos desafios comuns".

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Tradicionalmente, os Estados-Membros têm-se mostrado relutantes em atender ao apelo da Comissão em questões que guardam zelosamente como competência nacional. A resistência à abolição dos controlos nas fronteiras está bem documentada: em 2022, o Tribunal de Justiça Europeu decidiu que a Áustria tinha alargado ilegalmente os seus controlos com a Hungria e a Eslovénia. No entanto, a Áustria continua a aplicá-los, utilizando várias razões para justificar a extensão.

Os países do espaço Schengen têm o direito de introduzir controlos temporários nas fronteiras internas.
Os países do espaço Schengen têm o direito de introduzir controlos temporários nas fronteiras internas.Armin Durgut/Armin Durgut

Mas a legalidade dos controlos fronteiriços não é o único elemento sob escrutínio - a sua eficácia na contenção da migração irregular também é discutível. Apesar das manchetes que fazem, estes controlos são aplicados com diferentes graus de intensidade e rigor.

"Duvido que estes países (Schengen) estejam dispostos a eliminar o seu controlo fronteiriço num futuro próximo, devido ao sinal que isso enviaria", disse à Euronews Saila Heinikoski, investigadora sénior do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais (FIIA).

"Os controlos são muitas vezes aleatórios e não muito invasivos, e penso que são mantidos também para fins simbólicos: mostrar aos cidadãos, aos outros países da UE e aos potenciais migrantes que existe uma situação excecional na Europa que o governo está a resolver", acrescentou.

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Ainda assim, os Estados-Membros agarram-se a este "último recurso". No início deste ano, deram a aprovação final a uma reforma do Código das Fronteiras Schengen que alargou o limite legal dos controlos fronteiriços de seis meses para dois anos, que podem ser prolongados duas vezes por mais seis meses se o país argumentar que a ameaça à segurança persiste.

As alterações contêm igualmente disposições para fazer face a emergências sanitárias e combater a migração instrumentalizada, que alargam ainda mais os poderes nacionais de controlo dos movimentos, nomeadamente através da redução do número de pontos de passagem. Em particular, os países são encorajados (mas não obrigados) a recorrer a "medidas alternativas" antes de optarem por controlos nas fronteiras.

A decisão alemã, tomada depois de a revisão ter entrado em vigor, demonstra que a apetência por estas "medidas alternativas" continua a ser reduzida e que as abordagens "go-it-alone" continuarão, muito provavelmente, a imperar. Afinal, o Espaço Schengen é uma construção inventada que foi construída por vontade política e que pode ser distorcida e transformada da mesma forma.

"Não devemos esquecer que Schengen teve origem num acordo intergovernamental e que a história de Schengen está intimamente ligada à do sistema de asilo da UE, estando, por isso, centrada numa lógica de controlos fronteiriços orientados para a segurança", afirmou Alberto-Horst Neidhardt, analista político sénior do Centro de Política Europeia (CPE).

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"Schengen não está à beira da morte", acrescentou. "Mas os acontecimentos recentes também mostram que a ideia de que as reformas recentemente introduzidas poderiam preservar o espaço sem fronteiras enquanto tal era uma ilusão. O futuro de Schengen continuará provavelmente a ser marcado por um elevado grau de mal-estar e incerteza".

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