Como condição para o restabelecimento da Iniciativa para o Mar Negro, a Rússia exigiu que o Rosselkhozbank voltasse a ligar-se ao SWIFT, que está sob a jurisdição da UE.
O secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, passou as últimas semanas a dizer aos europeus, irritados com a sua exclusão das negociações em curso para pôr fim à guerra da Rússia na Ucrânia, que seriam convidados a sentar-se à mesa quando chegasse a altura de discutir o futuro das sanções.
Esse convite poderá chegar mais cedo do que Bruxelas esperava.
Após uma nova ronda de conversações na Arábia Saudita, os EUA anunciaram que a Rússia e a Ucrânia se tinham comprometido a implementar um cessar-fogo parcial nas "instalações energéticas", ficando muito aquém daquele que Donald Trump tinha defendido.
As partes também concordaram em "garantir uma navegação segura, eliminar o uso da força e impedir o uso de navios comerciais para fins militares no Mar Negro", de acordo com a leitura dos EUA.
Outros comunicados de imprensa publicados pela Casa Branca enumeraram os principais pontos do acordo em termos gerais, sem quaisquer notas de rodapé ou pormenores técnicos.
Mas Moscovo não tardou a enunciar a sua lista de exigências.
Na sua própria leitura, o Kremlin acrescentou cinco parágrafos de condições a cumprir antes do restabelecimento da chamada "Iniciativa do Mar Negro". As condições exigem o levantamento das "sanções" e das "restrições" que, segundo a Rússia, estão a limitar as suas exportações de produtos alimentares e fertilizantes para todo o mundo, incluindo no que se refere à maquinaria agrícola e ao seguro das cargas.
A exigência mais notável é a de que o Banco Agrícola Russo, também conhecido como Rosselkhozbank, e "outras organizações financeiras" envolvidas no comércio agrícola sejam reconetadas ao SWIFT, um sistema de alta segurança para transferências rápidas de dinheiro.
Fundado em 1973, o SWIFT é atualmente considerado o sistema mais utilizado do seu género, ligando mais de 11.000 instituições em mais de 200 países. Todos os dias são enviadas cerca de 50 milhões de mensagens financeiras através do software.
É aqui que a UE entra em ação: o SWIFT é uma cooperativa com sede em La Hulpe, na Bélgica, e, por conseguinte, está sujeita à legislação da UE e, sobretudo, às sanções da UE.
Um grito de guerra
Até 24 de fevereiro de 2022, o SWIFT permaneceu em grande parte na obscuridade, exceto para os profissionais do setor financeiro. Mas, depois de os tanques russos terem entrado na Ucrânia, o nome foi, de um dia para o outro, impulsionado para a proeminência internacional.
O governo de Kiev rapidamente começou a pedir que os bancos russos fossem expulsos do SWIFT, ou de-SWIFT-ed, para reduzir a capacidade de Moscovo de financiar a sua máquina de guerra. O acrónimo foi espalhado em faixas e cartazes de protesto, pressionando os políticos a agir.
A UE respondeu em 2 de março de 2022, quando decidiu expulsar sete bancos russos do SWIFT. A medida fez manchetes internacionais e foi celebrada como uma quebra de tabu.
Meses depois, em junho, a UE concordou em retirar do SWIFT mais três bancos: o Sberbank (o maior banco da Rússia), o Credit Bank of Moscow e o Rosselkhozbank.
"Estes bancos são fundamentais para o sistema financeiro russo e para a capacidade de Putin de continuar a fazer a guerra. Esta decisão solidificará o isolamento do setor financeiro russo do sistema mundial", declarou na altura a Comissão Europeia, explicando a decisão.
O Rosselkhozbank é um banco estatal que fornece uma vasta gama de serviços e produtos financeiros a empresas agro-alimentares, que constituem uma fonte essencial de receitas para Moscovo através da venda a nível mundial de produtos de base como o trigo, a cevada e o milho.
Embora a UE nunca tenha sancionado as exportações agrícolas da Rússia, optando antes por tarifas elevadas, as sanções impostas ao Rosselkhozbank criaram obstáculos aos pagamentos entre exportadores e importadores e provocaram a ira do Kremlin, levando ao colapso da Iniciativa para o Mar Negro, inicialmente promovida pela Turquia e pelas Nações Unidas.
Isto explica porque é que Vladimir Putin, confiante em ter o ouvido de Trump, aproveitou a oportunidade para pedir, mais uma vez, que o Rosselkhozbank fosse ligado de novo ao SWIFT.
A leitura da Casa Branca não fez eco desta condição, pelo menos não de forma explícita. Dizia apenas que os EUA ajudariam a Rússia a restabelecer o seu "acesso ao mercado mundial das exportações agrícolas e de fertilizantes, a reduzir os custos dos seguros marítimos e a melhorar o acesso aos portos e aos sistemas de pagamento para essas transações".
A última parte - "sistemas de pagamento para essas transacções" - poderia referir-se ao SWIFT.
O departamento de Estado norte-americano recusou-se a comentar o texto.
Em declarações aos jornalistas, Trump disse que a sua equipa iria "analisar" as condições apresentadas pelo Kremlin. "Estamos a pensar em todas elas neste momento. Há cerca de cinco ou seis condições. Estamos a analisá-las todas", disse.
Uma escolha difícil
As exigências de Putin colocam a UE numa situação difícil.
Se o bloco rejeitar o apelo, arrisca-se a enfurecer Trump, que está interessado em garantir um cessar-fogo, mesmo que parcial, para fazer avançar a sua ação diplomática. Se, por outro lado, o bloco aprovar o apelo e conceder alívio das sanções, arrisca-se a parecer brando e recetivo, uma atitude que Moscovo poderia facilmente explorar para pressionar por mais concessões.
O alívio das sanções seria também contrário à posição do presidente Volodymyr Zelenskyy, que insiste na manutenção das restrições duras enquanto durar a guerra.
O presidente Zelenskyy insiste na manutenção das restrições duras enquanto durar a guerra: "É necessário que o mundo exerça uma pressão clara e uma ação forte sobre a Rússia - mais pressão, mais sanções por parte dos Estados Unidos - para pôr termo aos ataques russos".
A Comissão Europeia não respondeu de imediato a um pedido de comentário.
Durante uma visita a Kiev, para assinalar o terceiro aniversário da guerra, a presidente Ursula von der Leyen afirmou que o bloco só começaria a reverter as sanções depois de ver Moscovo dar "passos concretos" para uma resolução duradoura.
"O que vemos é que as sanções já têm um efeito maciço na economia russa", disse, citando a "disparada da inflação" e as "taxas de juro em espiral".
O apetite por um alívio das sanções é baixo entre os diplomatas, que apontam os contínuos ataques da Rússia contra a Ucrânia como prova de que Putin não está a falar a sério sobre a paz. O regime de sanções foi cuidadosamente construído ao longo de um recorde de 16 pacotes. Desfazer uma estrutura tão complexa com o toque de uma caneta não é encarado com ligeireza em Bruxelas.
Antes de uma cimeira em Paris, o Palácio do Eliseu disse que a questão em torno das sanções não era "certamente" sobre o seu levantamento, mas sim sobre o seu reforço, caso a Rússia não concordasse com o cessar-fogo incondicional que a Ucrânia aceitou nas suas conversações com os EUA.
"É claro que os russos podem sempre associar, de forma oportunista, os progressos parciais no sentido de um cessar-fogo ao levantamento de determinadas sanções", afirmou o Palácio do Eliseu. "Mas, para nós, enquanto a Rússia não tiver parado a guerra, porque não foi alcançado um acordo de paz, não foram dadas garantias à Ucrânia e não foram pagas as indemnizações de guerra, as sanções continuarão a ser sempre um instrumento necessário para exercermos pressão sobre a Rússia".
A questão está agora em cima da mesa e poderá ser difícil de ignorar.
De acordo com as regras da UE, as sanções têm de ser renovadas de seis em seis meses por unanimidade, o que significa que um único Estado-membro pode fazer descarrilar o delicado processo. Desde a tomada de posse de Trump, a Hungria, um crítico de longa data das sanções, ameaçou por duas vezes bloquear a prorrogação e poderá fazê-lo novamente quando as restrições sectoriais forem debatidas a 31 de julho.
"As últimas sanções da UE contra indivíduos foram mantidas porque (Marco) Rubio pressionou a Hungria a manter as medidas em vigor. Se não houver essa pressão, o regime de sanções da UE corre um grande perigo", afirmou Maria Shagina, membro sénior do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS).
Embora seja necessária a aprovação da UE para que o Rosselkhozbank volte a fazer parte do SWIFT, os EUA podem optar, em alternativa, por enviar um "sinal" de que as pessoas que efetuam transações com o banco serão poupadas às consequências legais, explicou Shagina.
Jan Dunin-Wasowicz, sócio da Bennink Dunin-Wasowicz, que presta consultoria em matéria de cumprimento de sanções económicas, afirmou que o pedido da Rússia ao SWIFT parece ter sido concebido para testar Washington e Bruxelas ao mesmo tempo.
"Se esse pedido específico foi feito à UE é precisamente a questão. Não parece que a UE faça parte dessa discussão, para já", disse Dunin-Wasowicz à Euronews.
"O pedido à administração Trump pode ser uma tentativa de alavancar os EUA para pressionar a UE a flexibilizar as suas medidas. Em última análise, pode estar a testar a determinação da UE em manter o rumo e continuar a sua política de sanções".