O vídeo gerado por Inteligência Artificial (IA) tem sido amplamente partilhado nas redes sociais, muitas vezes com legendas que alegam que a Ucrânia é uma ditadura que espalha propaganda “russofóbica”.
Apareceu na Internet um vídeo que mostra um anúncio televisivo ucraniano que incentiva os jovens a denunciar os seus familiares se estes mostrarem interesse pela cultura russa.
O anúncio é atribuído ao canal infantil ucraniano PLUSPLUS e mostra um rapaz de desenho animado, vestindo uma t-shirt preta com um tridente ucraniano, a descobrir a sua irmã a ouvir a canção russa “Sigma Boy” com um vídeo do presidente dos EUA, Donald Trump, a dançar.
O rapaz pega então no telefone e denuncia a irmã às autoridades, enquanto uma voz-off diz: “Lembra-te: se a tua irmã adora fascistas russos, não é tua irmã”.
Aparece então um ecrã com os dados de contacto do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), pedindo aos espectadores que denunciem quem for apanhado a fazer o mesmo.
O vídeo tem sido amplamente partilhado nas redes sociais, muitas vezes com legendas que alegam que a Ucrânia é uma ditadura que espalha propaganda anti-russófona e que não quer a paz na guerra contra Moscovo.
O vídeo foi até partilhado por agências noticiosas online de língua russa, que acusam a televisão ucraniana de se transformar num “transmissor de ódio”, que incute nos “mais jovens dos telespetadores”.
Mas tudo isto é falso.
Nenhuma fonte oficial partilhou o vídeo, e o único formato que conseguimos encontrar é o de uma gravação exibindo um ecrã de televisão, em vez de um ficheiro de vídeo independente propriamente dito.
Existem também várias pistas que permitem concluir que o vídeo foi gerado por IA (Inteligência Artificial) - por exemplo, quando o rapaz pega no telefone, podemos ver que tem cinco dedos e um polegar.
O seu penteado também muda entre os diferentes planos, tal como a aparência da sua irmã.
O PLUSPLUS e o 1 PLUS 1 Media Group também publicaram um comunicado no Instagram negando a autenticidade do vídeo, referindo outros erros gráficos, como a colocação do logótipo do canal e a presença de um código QR, que, segundo o comunicado, não aparece durante os intervalos publicitários.
O comunicado acusa os atores russos de terem criado e difundido o vídeo. De facto, outros verificadores de factos afirmam que o vídeo apareceu pela primeira vez em canais russos no Telegram.
“A Rússia continua a tentar desestabilizar o campo de informação ucraniano e a criar uma imagem negativa da Ucrânia na arena internacional, especialmente à luz dos recentes acontecimentos”, afirmam a PLUSPLUS e o 1 PLUS 1 Media Group no comunicado. “E está a utilizar todos os métodos possíveis, para além do absurdo, para o fazer”.
Os dois grupos não responderam aos pedidos de comentário da Euronews.
É possível que o vídeo tenha sido inspirado numa verdadeira campanha ucraniana para combater o recrutamento de jovens pelos serviços especiais russos, mas, em última análise, o vídeo é falso.
No vídeo da campanha real, o gráfico utilizado no final com os dados de contacto da SBU é de um estilo completamente diferente do utilizado no vídeo falso.
O falso anúncio televisivo é mais um exemplo de uma longa lista de desinformação espalhada por atores pró-russos desde o início da invasão total da Ucrânia por Moscovo, em fevereiro de 2022.
A propaganda tenta repetidamente desacreditar a Ucrânia, legitimar falsamente a guerra e vitimizar a Rússia e os falantes de russo na Ucrânia.
Muitas vezes, tentou criar uma falsa noção de "russofobia" e de ódio a tudo o que é russo na Ucrânia e na Europa em geral, numa tentativa de os mostrar sob uma luz negativa.
Críticas ao Sigma Boy: Um sinal de russofobia?
A rapariga do vídeo estava a dançar ao som da canção "Sigma Boy", das bloggers russas Betsy e Maria Yankovskaya, de 12 anos, lançada em outubro de 2024.
O título refere-se ao termo popular na Internet "sigma male", que descreve um tipo de homem "lobo solitário", autossuficiente e bem sucedido.
A canção ganhou popularidade rapidamente, acumulando mais de 115 milhões de visualizações no YouTube em cinco meses, e chegou a ser tendência fora da Rússia em países como a Alemanha e a Coreia do Sul.
No entanto, a canção também foi alvo de críticas no estrangeiro, com alguns preocupados com o facto de promover narrativas prejudiciais, como a masculinidade tóxica.
Em dezembro, a eurodeputada alemã Nela Riehl disse ao Parlamento Europeu que acreditava que a canção "comunica visões patriarcais e pró-russas do mundo" e é um "exemplo da infiltração russa no discurso popular através das redes sociais".
O Centro de Combate à Desinformação da Ucrânia, um órgão de trabalho do Conselho de Segurança e Defesa Nacional da Ucrânia, também acusou a canção de ser "parte da guerra de informação da Rússia".
"O Kremlin utiliza a música como uma ferramenta de poder suave para promover as suas narrativas, tendo as crianças como alvo principal", afirmou.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia acusou, por sua vez, os comentários de demonstrarem a "loucura" da Europa e a "russofobia clínica".
No entanto, muitos em todo o continente rejeitaram as preocupações com a canção, com muito poucos políticos ou meios de comunicação a criticá-la ativamente e nenhum governo a tomar qualquer medida para a restringir.
"Esta é uma narrativa recorrente de desinformação pró-Kremlin que afirma que a russofobia é galopante nos países ocidentais", afirmou em fevereiro a base de dados de desinformação do Serviço Europeu para a Ação Externa, EUvsDisinfo. "Ao amplificar uma discussão sem importância, as vozes pró-Kremlin estão a tentar promover a narrativa da russofobia e da perseguição cultural, transformando um debate cultural sem importância num outro suposto exemplo de hostilidade e loucura ocidentais".
"Enquadrar os poucos e díspares comentários sobre Sigma Boy como uma obsessão política europeia generalizada é uma clara distorção dos factos, uma vez que apenas um político da UE e um punhado de meios de comunicação social comentaram a canção", afirmou.
*Talyta França contribuiu para esta reportagem