Bruno Pereira, líder do sindicato dos oficiais da PSP, e Rui Paiva, presidente do SPIC-PJ, estão em guerra aberta por causa das competências da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras da PSP. Principal sindicato da PSP diz que populações vão sofrer com falta de polícias deslocados para os aeroportos.
A manta é curta e quando se cobre a cabeça destapa-se os pés, é um ditado português que pode ser aplicado na perfeição ao anúncio do Governo da criação da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) na PSP. Mas antes de irmos à história da manta – e há pano para mangas, desculpem-me os trocadilhos –, diga-se que há uma verdadeira ‘guerra’ de palavras entre Rui Paiva, ex-inspetor do SEF e atual presidente do Sindicato do Pessoal de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (SPIC-PJ), e Bruno Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia da PSP. Se fosse no tempo de Eça de Queiroz, a coisa acabava à bengalada, no mínimo, ou até mesmo num duelo.
Voltemos então à proposta de lei do Governo, que terá que ser aprovada no Parlamento. No fundo, o Executivo de Luís Montenegro pretende criar uma nova unidade na PSP, a UNEF, à semelhança, por exemplo, da Unidade Especial de Polícia, que será uma "unidade especializada no âmbito das missões da PSP, em matéria de estrangeiros, fronteiras e segurança aeroportuária, composta por serviços centrais e serviços desconcentrados", a quem competirá "vigiar, fiscalizar e controlar as fronteiras aeroportuárias, assim como a circulação de pessoas nestes postos de fronteira; Fiscalizar a permanência de cidadãos estrangeiros em território nacional, na área de jurisdição da PSP", além de "instruir e gerir os processos de afastamento coercivo, expulsão, readmissão e retorno voluntário de cidadãos estrangeiros, bem como elaborar normas técnicas com vista à uniformização de procedimentos", entre outros.
Trocando por miúdos, a UNEF ficará com todas as competências do antigo SEF, com exceção das questões administrativas, que competem à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), bem como da investigação criminal no que diz respeito à imigração ilegal, que fica a cargo da Polícia Judiciária.
Sem polícias não há policiamento
Quando questionado pelo Nascer do SOL sobre a falta de efetivos na PSP e a necessidade de os ‘recrutar’ para a UNEF, isto em ano de eleições autárquicas – com as devidas pressões do poder autárquico, que quer mais agentes para as suas polícias municipais –, Paulo Santos, líder do maior sindicato da PSP, a ASPP, não tem dúvidas: "O envio de agentes para esta divisão vai afetar as esquadras, logo as populações" que ficarão mais desprotegidas. "Esta ideia não é nova, já tinha sido lançada por José Luís Carneiro e nós fizemos os devidos reparos na altura. O que sabemos é que, neste momento, as divisões de segurança aeroportuária, onde a PSP está, estão muito desfalcadas, ou seja, para fazer o serviço de polícia nos aeroportos já é muito difícil, porque não há efetivos".
Com a criação da UNEF, "estão a ser formados polícias, mas esses agentes estavam nas esquadras e nos aeroportos. Agora, quer-se criar esta unidade? Nós não temos nada contra a unidade. Até achamos por bem que a PSP alargue as suas missões. A questão é que, mais uma vez, avança-se sem que haja o reforço de meios humanos, sem que haja a formação necessária, sem que haja a valorização por esse serviço. Neste caso concreto estou a falar de um suplemento que também abranja o pessoal que faz o serviço dos estrangeiros e fronteiras".
Esvaziar esquadras, a bem dos aeroportos
Para Paulo Santos tudo se irá agravar pois "aproxima-se o mês de julho e agosto e a relevância que estão a dar hoje aos aeroportos é muito maior do que aquela que estão a dar às esquadras. Porquê? Porque está-se a aproximar o verão e aquilo que vai acontecer nos aeroportos é que vai ser determinante para a imagem da PSP e do país", adianta. O líder da ASPP diz que nos aeroportos já há colegas com um quadro de esgotamento e que muitos querem sair. Além disso, diz que os agentes que estão a ser destacados para os aeroportos estão a ser obrigados, ao contrário de antes que iam os voluntários.
Bruno Pereira é ainda mais crítico. "O Governo vai ter que tomar decisões, e vai ter que fazer reajustamentos internos. Porque se não entrarem polícias, eu não os parto ao meio, eles não caem das árvores, não vêm de Marte, diria grosso modo que vão ter que ser feitas opções. E essas opções passarão por retirar ainda mais polícias de outros serviços. Portanto, depauperar esses mesmos serviços. Não tenho a mínima dúvida que o policiamento de rua vai ser prejudicado".
Era para serem 600 e já só são 454
A PSP, bem como as outras forças de segurança, com exceção da PJ, debate-se com a falta de candidatos. Para se ter uma ideia, o curso de agentes que decorre na Escola Prática de Polícia, e que começou há seis meses, era suposto começar com 600 candidatos, mas apenas conseguiu 500. A poucos dias de terminar, já só restam 454. "Muitos foram desistindo", diz Paulo Santos.
Já para um superintendente-chefe, que prefere o anonimato, a história é simples: "Se os agentes da PSP ganharem o mesmo que os do SEF, certamente que não faltarão voluntários. O Estado português, a seguir à troika, praticamente destruiu as carreiras, já que houve um grande rebaixamento salarial. Passados 13 anos, a situação torna-se insustentável, e poucos querem ir trabalhar para o Estado. Duvido que os inspetores do SEF que ainda estão nos aeroportos possam sair em outubro, devido à falta de quem os substitua".
O mesmo oficial acrescenta que "as dificuldades são agravadas com o ambiente mediático e social desfavorável ao exercício da função policial. Qualquer coisa que a Polícia faça é objeto de uma crítica feroz, quando um polícia erra dá-se quase o assassinato psicológico da personalidade, como se todos não fôssemos humanos e não errássemos".
Cirurgiões, enfermeiros e mecânicos
Voltemos à guerra entre a PJ e a PSP. Bruno Pereira escreveu um texto na edição online do Expresso onde afirmava que "Portugal é, neste momento, o único país da Europa em que as polícias que fazem o controlo de fronteiras não investigam também estes crimes, apesar de terem competência para investigação criminal, estrutura montada e provas dadas nesta área. Não se compreende, pois, o fundamento, ou falta dele, que esteve na génese da criação deste modelo, pouco funcional e contrastante com o referencial europeu". Bruno Pereira entende que, nesta área, à semelhança da droga, todos, PSP, GNR e PJ, deviam investigar, por exemplo, o tráfico de seres humanos.
Uma semana depois, no mesmo jornal, Rui Paiva, ex-inspetor do SEF e atual presidente do SPIC-PJ, não foi de modas e começou por ironizar. "Achar que toda a criminalidade é igual e se investiga, por qualquer um, de igual forma e à mesma escala, é, não só falta de noção, mas também querer negar a justiça e a segurança que cabe ao Estado assegurar a todos. Imagine-se o leitor a entrar num bloco operatório para uma cirurgia cardiotorácica. Ao invés de um cirurgião especializado, encontra um médico dentista e um enfermeiro veterinário, ambos sustentando que estudaram o procedimento e que, como profissionais de saúde, estão aptos a realizá-lo. Imagine ainda deixar o seu carro numa oficina para corrigir um defeito no motor e, estando o mecânico de férias, descobre que o trabalho será feito pelo pintor e pelo eletricista da oficina, que garantem estarem habilitados para a tarefa".
Vindo de quem tem no seu currículo uma passagem pela Força Aérea, onde foi oficial miliciano com a especialidade de mecânico de material terrestre, não deixa de ser irónico. Passemos a palavra, de novo, a Bruno Pereira. "Tem de se perguntar qual é então a formação mais habilitante que o senhor cirurgião tem a mais do que os oficiais de Polícia e que os policiais da PSP da área de investigação criminal. É incrível como é que se põe em causa a competência da PSP e da GNR para investigar, quando o fazem em quase 90% dos crimes em Portugal. Como é que alguém consegue pôr em causa não só a formação como a experiência de 30 anos que a PSP e a GNR têm em investigar crimes?", questiona o líder dos oficiais da PSP.
Para rematar, Bruno Pereira diz: "Os estudos superiores dos oficiais de polícia mostram bem a diferença que existe para a formação genérica que a maior parte dos outros tem. Acho que a afirmação é claramente de quem ou não vive neste mundo ou não sabe o que está a dizer. E mais do que isso, é preciso termos elevação e respeito pelas instituições. Coisa que ele não tem e não sabe ter".
Direção nacional diz-se preparada para o desafio
A direção nacional da PSP foi confrontada com as queixas dos sindicatos de que não há novos polícias para a UNEF, e que os agentes que serão deslocados das esquadras irão ‘enfraquecer’ o policiamento de rua.
Fonte oficial da PSP respondeu desta forma às várias questões colocadas:"O projeto de lei referente à criação da nova UNEF da PSP foi aprovado em Conselho de Ministros e seguirá agora os trâmites legislativos próprios na Assembleia da República. Nesta fase, não nos cabe antecipar ou comentar o conteúdo específico da proposta antes da sua apreciação parlamentar. A PSP reafirma, no entanto, que está preparada para assumir, com o habitual profissionalismo e sentido de missão, todas as competências que democraticamente lhe venham a ser atribuídas no quadro legal que vier a ser definido".