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Presidenciais em Portugal: "Há mais de 20 anos que estamos estagnados", alerta Gouveia e Melo

Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, 24 de novembro de 2025
Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, 24 de novembro de 2025 Direitos de autor  Inês Cardosos - Euronews
Direitos de autor Inês Cardosos - Euronews
De João Azevedo
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Em exclusivo à Euronews, o almirante na reserva diz que rivais são mais do mesmo e assume-se como alternativa para um "salto transformador". Concorda com lei para abater drones ameaçadores não tripulados e, sobre o conflito na Ucrânia, pede firmeza: "Paz que adia problema é perigosa para a Europa".

Henrique Gouveia e Melo chegou sorridente, de semblante sereno, ao hotel na baixa lisboeta onde decorreu a entrevista com a Euronews. Mas assim que o candidato presidencial começou a desfiar ideias e argumentos, logo se fizeram notar o método e a disciplina que lhe permitiram reforçar a posição de vanguarda da mais antiga Marinha do mundo.

Com mais de 20 mil horas acumuladas debaixo de água, o almirante na reserva, especialista em submarinos, está habituado a provações e já deu mostras de eficácia em missões civis de elevada exigência.

Em 2017, liderou as operações de um grupo de fuzileiros que trocaram os mares pela floresta para prestar apoio às populações na linha da frente dos violentos incêndios em Pedrógão Grande.

Mas foi em 2021 que ganhou o estatuto de herói nacional. Com mais de quatro décadas de carreira militar e, à época ainda vice-almirante, foi chamado pelo governo para coordenar a megaoperação de vacinação contra a Covid-19, colocando ordem num processo até então marcado por sucessivos casos de irregularidades.

Gouveia e Melo fez de Portugal líder mundial em percentagem da população inoculada e conquistou o respeito da sociedade portuguesa. Navegando esta onda de popularidade, o homem viciado em matemática, física e computação, que dizia ser avesso à política, acolheu os apelos para avançar com uma candidatura ao cargo mais alto da nação.

O tabu foi quebrado em maio, quando anunciou que levantava âncora rumo a Belém para "Unir Portugal". Lema reiterado numa conversa de meia-hora em que volta a colocar ênfase na sua candidatura "suprapartidária", explorando as diferenças em relação aos seus opositores, a visão para o país e os desafios externos numa Europa a braços com o maior confronto militar desde a Segunda Guerra Mundial e constantes ataques híbridos.

Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, Altis Avenida Hotel, Lisboa, 24 de novembro de 2025
Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, Altis Avenida Hotel, Lisboa, 24 de novembro de 2025 Inês dos Santos Cardoso

Depois de já ter liderado folgadamente, tem estado a descer nas sondagens desde o verão. Consegue encontrar alguma explicação para este abrandamento numa altura em que estamos a menos de dois meses das eleições?

A única explicação é que entrou na competição um conjunto muito elevado de candidatos que foram buscar as faixas eleitorais de todos os partidos. Eu sou o único que, não tendo partido, estou a competir com candidatos que tentam agarrar as suas faixas eleitorais. Claro que, no início desse processo, naturalmente, eu desci alguma coisa nas sondagens, mas não estou preocupado. Muitas destas empresas de sondagens enganaram-se também um, dois dias antes de grandes eventos políticos portugueses. O que sinto na rua é uma coisa completamente diferente e, portanto, estou muito confiante de que os portugueses me vão apoiar no dia 18 de janeiro de 2026. E essa, sim, é a verdadeira sondagem.

Os outros candidatos vêm das práticas e partidos que ainda não encontraram uma saída para essas águas estagnadas. São uma continuidade do mesmo
Gouveia e Melo

Rejeita pertencer ao que qualifica como o “centrão de interesses”, mas a sua candidatura é apoiada por várias figuras de relevo dos dois partidos que têm alternado no poder na Terceira República. Não há aqui uma contradição?

Eu tenho apoiantes que vão de uma direita mais à direita até uma esquerda mais à esquerda. Chego a ter apoiantes do Partido Comunista, mas são apoiantes individuais. Apoiam-me enquanto pessoas, não enquanto organizações ou partidos. Eu tenho uma candidatura suprapartidária. Aceito todos os apoios individuais e não lhes pergunto: “O senhor é de direita ou de esquerda?". Andam a tentar posicionar-me à volta de um rio fino que divide a direita e a esquerda. Estando ao centro, naturalmente, eu cubro ambas as margens desse rio, pelo menos as margens mais próximas desse rio.

Durante a pandemia, sempre que tinha de resolver um problema, eu não perguntava a mim próprio se ia resolver um problema à direita ou à esquerda. A única pergunta que eu tinha era: “Que problema é que eu tenho para resolver?”. E procurava saber o que tinha de fazer, de forma pragmática, para resolver esse problema. Eu sou, essencialmente, um indivíduo moderado e equilibrado do centro político. Mas sou um pragmático. Eu quero é resolver problemas que há muito tempo afetam a vida dos portugueses. Há mais de 20 anos que estamos praticamente estagnados e a perder a oportunidade de progredir. É isso que eu quero alterar com a minha candidatura. Eu quero ajudar Portugal a dar um salto, que é um salto transformador para o futuro, e não um pequeno salto ao manter o país nestas águas estagnadas em que estamos.

Por que é que eu acho que sou uma alternativa hoje aos outros candidatos? Porque os outros candidatos vêm precisamente das práticas e dos partidos que ainda não encontraram uma saída para essas águas estagnadas, são uma continuidade do mesmo. Eu quero, pelo menos, dar à população portuguesa uma alternativa de um salto para a frente, de uma forma diferente de fazer política e de uma forma diferente de estar na política.

Estou completamente livre de dependências partidárias
Gouveia e Melo

Tem insistido que é importante ser independente de “lógicas partidárias”, mas admite aceitar o apoio de partidos numa segunda volta das eleições. Imaginemos um cenário em que disputaria um segundo turno com Marques Mendes ou André Ventura e o PS lhe dava apoio de forma oficial, acabando por ter forte peso na sua vitória. Não se sentiria conotado com o PS e, em consequência disso, condicionado no exercício do seu mandato?

Há três formas de estar condicionado pelo apoio do partido. A primeira forma é ideológica: o partido quer meter na presidência alguém de uma determinada ideologia para fazer uma política pró-partido quando houver uma oportunidade. Essa é uma primeira dependência.

Uma segunda dependência está em todos os interesses que andam à volta dos partidos, e eu, estando envolvido na vida partidária, naturalmente também faço parte desses interesses. E podia cair na tentação de promover esses interesses. Mas há uma terceira lógica, de que as pessoas não têm muita noção. É que, durante esta campanha, os outros candidatos foram apoiados financeiramente pelos partidos e com a estrutura e as pessoas dos partidos, o que cria dependências. Eu não tenho nenhum desses apoios.

Eu sou o único que paga os próprios cartazes porque não tenho os cartazes pagos pelos partidos. Sou o único que tem de criar uma estrutura própria, com independentes e pessoas dos partidos, mas que são independentes, e, portanto, estou completamente livre dessas dependências. Se a presidência é um sítio de moderação e de equilíbrio, em termos do que é a política do futuro, eu estou mais livre para fazer essa moderação porque tenho menos prisões. Claro que, se um partido depois me quiser apoiar na segunda volta, acha que eu vou trocar a minha independência por 15 dias de apoio só porque o partido veio dizer à comunicação social, “nós apoiamos o fulano X”? Não, o partido não me apoiou, o partido acabou por ter de escolher entre dois candidatos e escolhe-me a mim. Se decidem apoiar-me, eu aceito o apoio de todos os portugueses porque eu quero unir os portugueses, não quero dividir.

Já desmentiu a notícia segundo a qual a sua motivação para avançar com esta candidatura foi a alegada tentativa de Marcelo Rebelo de Sousa de o manter amarrado às chefias das Forças Armadas. Independentemente desta polémica, alguma vez teve a perceção de que Marcelo Rebelo de Sousa não está interessado em vê-lo como presidente da República?

Essa pergunta só pode ser feita ao atual Presidente da República. Eu não vou responder por ele porque não consigo estar na cabeça dele. Perguntem-lhe isso a ele ou às pessoas próximas dele, não me perguntem isso a mim. As perceções podem estar erradas, mas a minha perceção, na altura, foi que me estavam a prolongar uma função sem me darem os meios para eu ser significativo e fazer as reformas que achava importantes. Quando iniciei as funções, não havia um conflito na Ucrânia e depois surgiu esse conflito, com um conjunto de coisas que tiveram de ser aceleradas e que tinham de ser feitas. Desse conjunto de coisas, a única que foi feita no meu tempo foi o aumento dos ordenados dos militares porque eles estavam muito insatisfeitos. E o governo adiava sempre esses investimentos. Hoje, curiosamente, o governo diz que pode ir até aos 5%, mas na altura em que as minhas decisões tiveram de ser tomadas não era nada disso que estava em cima da mesa. Nós temos de situar as decisões no momento em que tive de as tomar.

Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, Altis Avenida Hotel, Lisboa, 24 de novembro de 2025
Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, Altis Avenida Hotel, Lisboa, 24 de novembro de 2025 Inês dos Santos Cardoso

O que é que me diminui? O meu passado? Eu pergunto se ser corajoso, ter lealdade, ter servido a pátria sem reservas e ser honesto me diminui
Gouveia e Melo

Portugal teve apenas um militar como chefe de Estado no pós-25 de Abril. Como é que responde a quem defende que o país não precisa de militares na Presidência e que há o risco dos militares terem uma liderança autoritária e politizarem as Forças Armadas?

Vou responder de forma irónica. Nós também não precisamos de advogados ou de juristas na Presidência porque eles constituem um lóbi e podem ser perigosos para a Presidência. Também não precisamos de engenheiros na Presidência porque eles podem ter uma visão demasiado mecanicista da política. O que está aqui em causa, verdadeiramente, é um complexo antidemocrático. Eu sou um ser humano, um cidadão português com mais de 35 anos e não cometi crimes. Portanto, de acordo com a Constituição, sou elegível para concorrer à Presidência da República.

O que é que me diminui? O meu passado? Se o meu passado me vai diminuir, então eu pergunto se ser corajoso, ter lealdade, ter servido a pátria sem reservas e ser honesto me diminui. O militar não é autoritário. O militar exerce a disciplina enquanto está nas Forças Armadas. Fora das Forças Armadas, tem de ser flexível como qualquer outro cidadão.

E eu já mostrei essa flexibilidade. Tive a oportunidade de mostrar em direto a minha capacidade não só de ser flexível, mas de reunir um conjunto de pessoas, de forma política e politizada, para o objetivo que era um objetivo comum e, ainda por cima, de urgência. E consegui. Vacinámos a população portuguesa… todos nós juntos, os portugueses… os enfermeiros, os médicos, os auxiliares, os bombeiros, toda a gente. Sob a minha coordenação, fomos aqueles que acabámos o processo de vacinação mais rápido do mundo.

Se fosse Presidente da República, enviaria para o Tribunal Constitucional o diploma que prevê que seja decretada como pena acessória a perda de nacionalidade para quem cometer crimes com moldura penal igual ou superior a quatro anos?

A mim não me parece legal.

Porquê?

Basta ler o artigo 13.º da Constituição. Nós concedemos a nacionalidade a um estrangeiro e, nesse dia, ele passa a ser português perante a lei, com todos os direitos e todas as garantias. Mas, afinal, não tem todos os direitos nem todas as garantias. Porquê? Porque ganhou a nacionalidade? Porque não nasceu com a nacionalidade? O artigo 13.º da Constituição não diz isso. Se a Assembleia da República achar que deve ser assim, tem o poder de mudar a Constituição. Mas, neste momento, parece que há um problema de constitucionalidade.

Olhando agora para a parte cultural, são feitas muitas críticas à CPLP, inclusive por diplomatas portugueses, que se referem a uma organização que, na prática, não funciona. O Gouveia e Melo é alguém com especial sensibilidade para a lusofonia… nasceu em Moçambique, passou boa parte da adolescência no Brasil. O que faria para ajudar a capitalizar as oportunidades geradas pela CPLP e a aumentar a relevância da organização nos fóruns internacionais?

O princípio de todas as alianças ou organizações internacionais é que só progridem e prosperam se as pessoas envolvidas obtiverem benefícios delas. Ainda não se encontrou o modelo certo. Nós, muitas vezes, somos muito românticos. Andamos aos abraços a falar da língua e da cultura, mas depois não transformamos isso numa coisa mais realista com economia, com acordos preferenciais dentro da comunidade. É isso que falta fazer. Temos de transformar o idealismo em realismo. Só o triângulo Portugal, Brasil e Angola tem um potencial gigantesco e ainda há todos os outros países que se podem juntar a este triângulo.

Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, Altis Avenida Hotel, Lisboa, 24 de novembro de 2025
Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, Altis Avenida Hotel, Lisboa, 24 de novembro de 2025 Inês dos Santos Cardoso

Eu quero mobilizar para transformar. E mobilizar não é fazer oposição ao Governo
Gouveia e Melo

Marcelo Rebelo de Sousa introduziu a celebração do Dia de Portugal junto das comunidades portuguesas no estrangeiro, enquanto Mário Soares lançou as chamadas “Presidências Abertas”. Há alguma marca distintiva que gostaria de conferir à sua Presidência?

Essas situações foram importantes em determinado contexto. A proximidade das comunidades portuguesas no estrangeiro é algo que faria sentido manter, por exemplo. Mas o que eu quero é ajudar a resolver problemas. Ajudar a resolver problemas é promover um conjunto de causas e temas com a mobilização da Presidência. Eu quero mobilizar para transformar. E mobilizar não é fazer oposição ao governo; é muitas vezes até ajudar a própria governação, mas, sendo exigente com essa governação, ou seja, não é mobilizar para uma agenda mediática para ganhar eleições no dia seguinte. É mobilizar para resolver problemas estruturantes que nos afetam há muito tempo e impedem o nosso desenvolvimento.

Pode avançar com o nome de uma das cinco personalidades que nomeará para o Conselho de Estado, caso seja eleito?

É ainda muito cedo para isso.

Esse tipo de iniciativas legislativas [lei para abater drones] faz todo o sentido de forma a robustecer a nossa capacidade de autodefesa
Gouveia e Melo

Lá por fora, desde outubro, está em vigor, na Lituânia, uma lei aprovada no parlamento que permite às Forças Armadas daquele país abater qualquer drone não tripulado que viole o espaço aéreo lituano. O governo federal alemão já aprovou um diploma no mesmo sentido e o governo francês está a estudar essa possibilidade. Via com bons olhos uma iniciativa legislativa destas em Portugal?

Claro que sim. No nosso caso, é mais difícil de acontecer, mas imagine que há um navio qualquer num determinado país que coloca dez drones a sobrevoar Lisboa, um navio que está aqui a uma ou duas milhas de Lisboa. O que é que nós fazemos? Deixamos que os drones façam o que vão fazer sem nós sabermos exatamente qual é a intenção? Esse tipo de iniciativas legislativas faz todo o sentido de forma a robustecer a nossa capacidade de autodefesa.

É difícil eu usar um antimíssil de um milhão de euros para abater um drone de 20 mil euros. Depois de 100 drones, o meu país estava falido. 
Gouveia e Melo

Tem-se discutido na União Europeia a construção da chamada barreira antidrones, que parece ser do interesse, sobretudo, dos países mais próximos da Rússia e que tem levantado vários desafios técnicos e financeiros. É um projeto realista?

O problema é como defendemos o nosso espaço aéreo. E este problema tem alguma complexidade porque os sistemas existentes, que são muito caros, servem para defender o espaço aéreo de objetos a voar com velocidades elevadas ou de grande dimensão. Nós agora estamos a falar de drones que muitas vezes têm 30 a 40 centímetros de comprimento, o que requer toda uma nova panóplia de equipamentos. Não basta dizer que precisamos de ter uma defesa aérea. O que precisamos é de mudar os sistemas e os equipamentos, e temos de fazer esse investimento. É difícil eu usar um antimíssil de um milhão de euros para abater um drone de 20 mil euros. Depois de 100 drones, o meu país estava falido. Por isso, há aqui necessidade de criar sistemas completamente novos. Disso eu não tenho qualquer dúvida.

Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, Altis Avenida Hotel, Lisboa, 24 de novembro de 2025
Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, Altis Avenida Hotel, Lisboa, 24 de novembro de 2025 Inês dos Santos Cardoso

E há a ameaça dos drones marítimos…

Enquanto chefe da Marinha, puxei outros países da NATO ao máximo para este assunto. Nós estamos preocupados com isso há bastante tempo e a fazer testes muito sofisticados. Nós próprios temos drones desse tipo também. Eu fui o grande incentivador da guerra robotizada na Marinha portuguesa e nós estamos mesmo muito avançados. Estamos na fronteira mais avançada do desenvolvimento desses objetos.

O primeiro-ministro da Suécia declarou que o país não está em guerra, mas também não está propriamente em paz, referindo-se aos constantes ataques híbridos no Báltico. Podemos dizer que já está em curso uma segunda Guerra Fria?

O que está em curso é uma guerra híbrida e há já muito tempo. A guerra híbrida é um conceito do atual chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas da Federação Russa, o general Gerasimov: utilizam-se todos os instrumentos do Estado, incluindo ciberataques, diplomacia, fake news e até a contratação de criminosos em território inimigo. Vale tudo. Por que é que a Federação Russa está na guerra híbrida? Porque a guerra híbrida tem um princípio que é a possibilidade de não atribuição. Pode levar-se a cabo uma ação de forma contínua sem que alguém consiga fazer prova dela, apesar de todas as suspeitas. Essa é a vantagem para a Federação Russa deste combate híbrido. Já o fazem há muito, agora intensificou-se.

Após a Guerra do Vietname, foram necessários três ou quatro anos para se negociar a paz. Uma negociação de paz não se faz em um ou dois meses
Gouveia e Melo

Embora Trump tenha ressalvado que não se trata de uma versão final, o plano de paz acordado entre os EUA e a Rússia para acabar com a guerra na Ucrânia contempla boa parte das exigências de Moscovo. O que é que seria um plano de paz aceitável para Kiev?

Numa perspetiva internacional, é a integridade territorial da Ucrânia e a capacidade da Ucrânia de poder determinar o seu futuro sem condicionamentos. Isso seria o ideal. Muitas vezes, num processo de paz, não conseguimos ter o ideal. Num processo de paz, há sempre um mais vencedor e outro menos vencedor ou perdedor, neste caso. O que está em causa é até que ponto devemos prescindir de alguns destes conceitos internacionais que moldaram o nosso mundo após a Segunda Guerra Mundial e aceitar que um país, neste caso a Rússia, pode beneficiar de uma agressão. Outra coisa que vai estar em causa é se, durante a negociação, haverá ou não incentivos para a Rússia fazer uma nova ação.

Uma paz que adia o problema é uma paz perigosa para a Europa
Gouveia e Melo

A Rússia já disse que a contraproposta da União Europeia não é construtiva…

Após a Guerra do Vietname, foram necessários três ou quatro anos para se negociar a paz. Uma negociação de paz não é uma coisa que se faça em um ou dois meses. Há propostas, há contrapropostas, há avanços, há recuos. De facto, a guerra tem sido penosa para os ucranianos, mas para a Rússia também. E é com base nisso que nós temos de medir em que tempo é que devemos verdadeiramente estabelecer a paz. Mas uma paz que seja duradoura, porque uma paz que basicamente vai adiar o problema é uma paz perigosa para a Europa.

Se não forem enviadas tropas internacionais para solo ucraniano, e sendo a adesão da Ucrânia à NATO descartada pelos Estados Unidos (pelo menos para já), de que forma é que o Ocidente pode dar garantias de segurança a Kiev?

Tem de haver flexibilidade. Há três propostas. Não são enviadas tropas estrangeiras para a Ucrânia. A Ucrânia não entra na NATO. E a Ucrânia reduz as suas forças militares. A conjugação dessas três propostas é dizer praticamente que a Rússia tem uma mão livre para agir quando quiser. Isso será inaceitável quer para a Ucrânia, quer para a Europa.

O chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas de França declarou nos últimos dias que os franceses devem aceitar perder os filhos para proteger aquilo que são enquanto país, alertando que a Rússia se prepara para um confronto com o Ocidente até 2030. Acha que, em Portugal, também se deve ter esta visão?

A visão para mim é entre a realidade ou uma utopia. Se formos atacados, o que é que vamos fazer? Só há duas alternativas: ou reagir ou capitular. Se os portugueses e os outros países europeus estiverem dispostos a capitular sem reagir, a resposta está dada.

Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, Altis Avenida Hotel, Lisboa, 24 de novembro de 2025
Entrevista de Gouveia e Melo à Euronews, Altis Avenida Hotel, Lisboa, 24 de novembro de 2025 Inês dos Santos Cardoso
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