Em declarações aos jornalistas na sequência da divulgação da notícia, o almirante na reserva assegurou não ter "nada a esconder" no âmbito deste caso e assumiu ter total disponibilidade para cooperar com as autoridades.
O Ministério Público (MP) de Almada está a investigar vários ajustes diretos na Marinha Portuguesa que envolveram, alegadamente, o agora candidato presidencial Henrique Gouveia e Melo, de acordo com a notícia avançada pela revista Sábado esta segunda-feira.
Em investigação estão 57 contratos feitos com a empresa Proskipper, que atuava ao nível do "comércio de bens e tecnologias militares e produtos relacionados com a defesa". Estes terão sido aprovados pelo então comandante Naval da Marinha, entre 2017 e 2020.
Na ótica da Polícia Judiciária Militar (PJM), entidade que liderava a investigação há quatro anos, terá existido uma concentração excessiva de ajustes diretos a esta empresa, indicou em relatório enviado ao Ministério Público.
Segundo a revista, Henrique Gouveia e Melo teria já sido perdoado pelo Tribunal de Contas, em 2024, no que concerne a "eventuais infrações financeiras" praticadas. Porém, o processo mantém-se em fase de inquérito no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Almada.
Gouveia e Melo: "Quem não deve, não teme"
Em declarações aos jornalistas na sequência da divulgação da notícia, Henrique Gouveia e Melo tentou passar uma imagem de total transparência e de disponibilidade para cooperar com as autoridades na investigação.
"Eu sou totalmente transparente, não tenho nada a esconder nem que me envergonhe", afirmou o candidato independente, que acrescentou: "Nunca contactei a empresa, não conheço os donos, nem sei qual era a sua atividade. Mas se quiserem tirar dúvidas, chamem-me que eu esclareço."
Referindo que "quem não deve, não teme", assegurou que ainda não foi notificado ou ouvido no âmbito do processo citado e que só teve conhecimento do mesmo por via da revista Sábado.
Sobre o momento da divulgação da notícia, questionou "como é que a 15 dias do processo eleitoral, aparece algo de 2017" - num facto que descreveu como sendo "curioso" e "uma coincidência muito estranha".
"Só ganhei o meu ordenado, nunca tive contactos com fornecedores. Portanto, venham acusar-me, na cara e com provas, de que eu tive ganhos diretos. Agora, não venham é insinuar."
Elucidou ainda que a "Marinha é uma organização muito complexa” e que, no âmbito deste tipo de processos de aquisição, existia "uma estrutura administrativo-financeira" responsável pelo desempenho dessa função.
“A última palavra não era minha, porque o sistema estava distribuído e as decisões eram tomadas ao nível mais baixo", assegurou o almirante na reserva, que disse ter, na altura, "outras preocupações além das administrativo-financeiras".
O que dizem os restantes candidatos presidenciais?
A notícia tem sido alvo, desde a manhã desta segunda-feira, de reações vindas de diferentes pontos do espetro político.
Luís Marques Mendes, candidato apoiado pela coligação no Governo (PSD/CDS-PP), considerou que Gouveia e Melo deve uma "explicação pública" sobre esta investigação do Ministério Público.
"Eu fiquei [surpreendido] porque não sabia [...], para mim foi completa novidade", notou Marques Mendes, que mencionou, no entanto, perante os jornalistas, que não comenta "suspeitas".
Destacando que "a Justiça, obviamente, vai decidir no seu tempo próprio", indicou que é, porém, "um dever e uma obrigação de Gouveia e Melo" fornecer "uma explicação" sobre o que está alegadamente em causa nesta investigação judicial.
Comentário que surge já depois de, ao longo das últimas semanas, o próprio Luís Marques Mendes ter protagonizado várias polémicas. Primeiro, devido às suspeitas em torno dos serviços profissionais prestados ao longo dos últimos anos, o que o motivou a trazer a público uma lista com os 22 clientes da sua empresa familiar e a convidar os seus adversários nesta corrida eleitoral a divulgarem “tudo o que se possa suscitar conflitos de interesses”.
Não esquecendo, finalmente, as críticas feitas pelo próprio Henrique Gouveia e Melo, pelo facto de o candidato apoiado pelo PSD/CDS-PP não ter pedido para ser substituído no Conselho de Estado agendado por Marcelo Rebelo de Sousa para o dia 9 de janeiro, dedicado ao tema da Ucrânia, quando a primeira volta eleitoral estava já marcada para pouco mais de uma semana depois.
Já João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal (IL), pediu um "rápido esclarecimento" sobre o caso divulgado esta segunda-feira e que remete para Henrique Gouveia e Melo.
Também em declarações à comunicação social, na Guarda, aqui citado pela agência Lusa, salientou: "Espero que não seja mais um daqueles casos da chamada campanha suja que alguns dos órgãos de comunicação social têm feito eco e que não sejam aquelas coincidências de aparecerem todo o tipo de suspeitas e processos que já duravam há tanto tempo e que agora rebentam precisamente no meio da campanha eleitoral e que haja rápido esclarecimento."
Por sua vez, António Filipe, do PCP, afirmou, segundo reportado também pela Lusa, que este é um exemplo da “justiça a funcionar” e que se “há investigações a fazer, que se façam”.
No seguimento da crítica feita por João Cotrim de Figueiredo, a propósito da proximidade da divulgação da notícia com o processo eleitoral, referiu que cabe às autoridades judiciárias esclarecer "o que está em causa" para que haja uma maior transparência em pleno contexto de campanha.
“É bom que sejam as próprias entidades responsáveis a explicar o que é que está em causa, que investigações são essas e em que ponto é que estão. Eu acho que é a única forma de esclarecer essa questão, para não andarmos todos assim numa nebulosa sem perceber muito bem o que é que está a passar”, concluiu.
Finalmente, Catarina Martins explicou ter apenas "dois pedidos" a fazer, ao ser questionada pelos repórteres sobre o tema. Primeiro, que casos desta natureza "sejam todos investigados até às últimas consequências". E, por último, "que esta campanha não seja sobre casos, mas sim sobre as crises do país", tendo apontado como exemplos a este nível a saúde, os salários e as pensões.
"Eu não consigo, nem posso, explicar os tempos do Ministério Público. O que eu posso dizer é que todos os casos devem ser investigados, e que devem ser investigados num calendário que não deve ter a ver com as eleições, mas sim com o funcionamento do Estado e da Justiça. Mas eu não vou comentar o que são fugas do segredo de justiça", expôs a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda.