Em 2023, existiam 4800 projectos financiados pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA com parceiros na Europa.
A administração Trump congelou o financiamento da maioria das colaborações entre investigadores médicos nos Estados Unidos e no estrangeiro, o que terá efeitos em cadeia para milhares de cientistas sediados na Europa.
Os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) - a maior agência de investigação biomédica do mundo - citaram a falta de transparência sobre a forma como o seu dinheiro é gasto no estrangeiro e a necessidade de proteger a segurança nacional dos EUA na política publicada na quinta-feira.
Os NIH atribuíram mais de 35 mil milhões de dólares (33,6 mil milhões de euros) a universidades, escolas de medicina e outras instituições em 2023. A maior parte desse dinheiro é gasta nos Estados Unidos, mas as organizações desse país fazem frequentemente parcerias com equipas de investigação sediadas no estrangeiro.
Estes parceiros internacionais são considerados sub-beneficiários dos NIH e estão agora na mira da nova política.
Em 2023, o ano mais recente com dados disponíveis, havia 4800 projetos financiados pelos NIH com colaboradores na Europa, segundo dados do governo dos EUA, embora isso não signifique necessariamente que estejam todos ativos.
Os projetos abrangem tudo, desde o desenvolvimento de vacinas contra o VIH até à descoberta da forma como certos genes aumentam o risco de perturbação obsessivo-compulsiva (TOC).
A política elimina imediatamente todas as futuras subvenções, incluindo a possibilidade de renovação para projectos em curso. Os NIH tencionam substituir o programa de subvenções por outro mecanismo de financiamento até ao final de setembro.
A agência afirmou que não está a revogar o financiamento de projetos atuais que tenham parceiros estrangeiros, mas deixou em aberto a possibilidade de o fazer no futuro.
Para Maria Yazdanbakhsh, que dirige o Centro de Doenças Infecciosas da Universidade de Leiden, nos Países Baixos, a política cria incertezas quanto ao futuro da colaboração internacional na investigação médica - como é o caso do seu projeto financiado pelos NIH, que visa a criação de uma vacina mais eficaz contra a malária.
"Íamos candidatar-nos a mais financiamento para continuar com os resultados interessantes do projeto", disse Yazdanbakhsh à Euronews Health, acrescentando que "seremos afetados no futuro, quando um trabalho promissor for interrompido e não for levado por diante".
A partir de agora, os investigadores europeus podem candidatar-se a financiamento direto dos NIH, que raramente é concedido a cientistas fora dos EUA. A agência afirmou que esta medida lhe permitirá acompanhar mais de perto a forma como o dinheiro é gasto.
Este ano fiscal, os NIH financiam diretamente apenas 17 projetos baseados na Europa, contra 129 no ano passado; 10 estão baseados no Reino Unido, dois em França e dois nos Países Baixos, e um na Suécia, Finlândia e Áustria.
Por enquanto, estas subvenções diretas não estão a ser cortadas, mas os investigadores dizem temer que possam ser as próximas.
"Há consequências de grande alcance", disse à Euronews Health Nicola Stonehouse, virologista da Universidade de Leeds que estuda os enterovírus com uma bolsa financiada pelos NIH.
"A facilidade com que as pessoas fora dos Estados Unidos poderão participar nestes projetos [de investigação médica] é uma questão em aberto", acrescentou. A decisão "prejudica efetivamente a colaboração internacional".
Alain Fischer, imunologista e professor emérito do Collège de France, explicou à Euronews Health que estas subvenções não são, normalmente, muito caras e que a mudança é "mais simbólica do que outra coisa".
Os cientistas estão habituados a trabalhar com colegas de outras instituições e países, muitas vezes sem qualquer contrapartida financeira, disse Fischer.
Mas o corte de subcontratados dos NIH irá representar "um obstáculo adicional" que irá restringir a colaboração internacional numa altura em que a obtenção de financiamento já é altamente competitiva, afirmou.
O congelamento do financiamento estrangeiro é a última medida da administração Trump para remodelar o establishment científico do país. Nos últimos meses, os NIH cancelaram centenas de bolsas e cortaram milhares de milhões de dólares em despesas gerais para a investigação biomédica, o que foi contestado em tribunal.
Os NIH e a sua agência-mãe, o Ministério da Saúde dos Estados Unidos, não responderam a um pedido da Euronews Health para obter informações pormenorizadas sobre a forma como a nova política irá afetar, em particular, os cientistas baseados na Europa.
Mas numa declaração, o diretor dos NIH, Jay Bhattacharya, citou uma auditoria recente realizada pelo órgão de fiscalização do governo dos EUA, que detetou problemas de supervisão em 36% das subvenções concedidas fora dos EUA.
Segundo o Bhattacharya, esta alteração "reforçará as nossas capacidades de supervisão e gestão eficazes destas obrigações financeiras em apoio de uma investigação científica rigorosa".
Entretanto, Tazdanbakhsh apelou aos decisores políticos da União Europeia para que tomem medidas para minimizar o impacto dos cortes dos EUA nos cientistas europeus.
"Gostaria que a Comissão Europeia encontrasse mecanismos para mitigar esses riscos", afirmou.