Mal a poeira assentou em Gaza, depois da interrupção inicial da trégua anunciada, o Hamas celebrou toda a noite uma alegada vitória.
Apesar do recurso a intermediários, o acordo de cessar-fogo com Israel, confere ao Hamas uma legitimidade que, até agora, lhe foi sempre negada.
No Cairo, o líder do Hamas, Khaled Meshaal, afirmou que Israel sofreu uma grande derrota, sublinhando que, depois da “agressão traiçoeira”, Israel sucumbiu.
O escritor israelita Uri Avnery, fundador do Movimento para a Paz Gush Shalom, afirmou ao correspondente da euronews, Luis Carballo, que o cessar-fogo deu mais força ao Hamas no mundo árabe.
“O Hamas foi boicotado pela comunidade internacional, pelo mundo árabe, e agora é anfitrião dos chefes de Estado que visitam a Faixa de Gaza. É o herói do momento”.
Israel também se regozija pela trégua como um claro triunfo da ofensiva militar ‘Pilar de Defesa’, que, insiste, cumpriu todos os objetivos definidos.
Segundo o ministro da Defesa, Ehud Barack, o arsenal do Hamas sofreu danos consideráveis e o famoso sistema antimísseis interceptou 84% dos mísseis lançados da Faixa de Gaza.
Para Uri Avnery, os políticos hebreus sentem-se obrigados a fazer demonstrações de força neste período eleitoral.
Uri Avnery:
“Não é por acaso que esta guerra tenha começado dois ou três meses antes das eleições. A última guerra também eclodiu poucas semanas antes das eleições”.
A maioria dos analistas considera que o grande perdedor nesta guerra foi Mahmud Abbas, que era o interlocutor do Ocidente no processo de paz.
Apesar do concurso de esforços dos diferentes interlocutores diplomáticos nesta região, quem ganha os louros da vitória é, indiscutivelmente, o presidente egípcio, Mohammed Morsi.
euronews – Benvindo Hasni Abidi, analista e especialista em assuntos do mundo árabe e diretor do Centro de Pesquisa e Estudos sobre o mundo árabe e Mediterâneo, em Genebra. Israel assinou ontem uma trégua com as fações palestinianas depois de uma semana de confrontos sangrentos em Gaza. Quem são os vencedores e os vencidos deste acordo?
Hasni Abidi – Certamente o movimento Hamas é o grande vencedor, que regressa hoje à cena internacional mais forte do que nunca tanto no plano militar como diplomático. O movimento soube impor-se desde o início como um parceiro importante nas negociações. Mas podemos dizer igualmente que o governo egípcio, e também Mohamed Morsi, apesar das diversas dificuldades internas, conseguiu mostrar ao mundo que continua a ser um parceiro incontornável no conflito israelo-árabe. Eu não acredito que o primeiro ministro israelita Netanyahu tenha saído vencedor deste conflito pois não conseguiu atingir os objetivos a que aspirava. Mas o maior derrotado é Mahmoud Abbas que surgiu mais marginalizado e excluído do que nunca e mais distante das três partes deste conflito, ou seja, Israel, o Hamas e a autoridade egípcia.
euronews – O que pensa daqueles que dizem que a posição egípicia evoluiu apenas na forma, ao nível do discurso?
HA – É verdade que a posição do Egito não mudou no plano político, mas a novidade é a visita a Gaza do primeiro-ministro egípcio, algo inédito até hoje comparado com a época do antigo presidente Hosni Mubarak. No plano diplomático, Morsi está consicente de que não pode e não possui as capacidades políticas e militares para assumir outra postura ou para entrar em conflito com Israel ou como os Estados Unidos, ainda mais quando o Cairo encontra-se em negociações importantes com os Estados Unidos e as instituições monetárias internacionais.
euronews – Esta trégua terá hipóteses de evoluir como uma plataforma que levará a cabo as futuras negociações de paz?
HA – Esta questão é a essência do conflito israelo-árabe. Infelizmente a trégua não é a paz. O ocidente, quando se mobilizou para socorrer Israel e igualmente os civis de Gaza, esqueceu-se que o fundo do problema é o conflito israelo-árabe e que existe também um parceiro importante deste conflito que é a autoridade palestiniana cuja ação, baseada numa aproximação jurídica e pacífica, via as Nações Unidas, terminou num fracasso e não conseguiu ser ouvida nem pela comunidade internacional nem pelos Estados Unidos.
euronews – Quais são, no seu entender, as repercussões da crise síria e das tensões entre o Irão e o Ocidente sobre o programa nuclear de Teerão, no futuro da trégua entre israelitas e palestinianos?
HA – O facto de que o Irão reconheceu ter fornecido armas aos combatentes de Gaza, de uma forma direta ou indireta via o Hezbollah, mostra que estamos perante uma mensagem dirigida aos Estados Unidos. Uma mensagem que diz: se até agora não conseguem lidar com o movimento Hamas, o que fariam com o Irão no caso de decidirem lançar um ataque contra o país? Sobre o plano internacional e regional, Damasco e Teerão conseguiram beneficiar das tensões em Gaza.