Dilemas digitais moldam o 'Espírito da época', o "zeitgeist"

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De  Euronews
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Dilemas digitais

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Enquanto os últimos grãos de areia caem da ampulheta nos últimos segundos de 2013 e nos primeiros de 2014, compartilhamos abraços e beijos com os que nos são mais queridos, abrimos garrafas de champanhe – se tivermos a sorte de as poder comprar – e desejamos uns aos outros um Feliz Ano Novo! Depois pegamos nos “smartphones”, nos tablets, ou em qualquer outro dispositivo digital que tenhamos. E num instante, biliões de mensagens e fotos voam para os satélites de telecomunicações e descem à Terra, transportando as nossas emoções digitais a partir de praticamente todos os pontos do planeta. Este é o nosso admirável mundo novo, tornou-se o nosso estilo de vida e não o mudaríamos nem um pouco. Ou mudaríamos?

Em 2013, Edward Snowden acordou brutalmente o mundo deste frenesim digital depois de divulgar documentos secretos da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estado Unidos da América. E numa mensagem de Natal transmitida por um canal de televisão britânico, o denunciante americano alertou-nos novamente para os riscos inerentes à forma como usamos as novas tecnologias.

“As crianças que nascem hoje irão crescer sem qualquer noção de privacidade”, afirmou Snowden. “Nunca vão saber o que significa ter um momento em privado, um pensamento sem ser registado, analisado. E isso é um problema, porque a privacidade é importante”. O ex-funcionário da NSA relembra que, em 2013, os governos mostraram que o sistema de vigilância em massa que introduziram controla tudo o que fazemos.

Edward Snowden salientou o que o escritor George Orwell alertou há décadas – no seu livro de ficção científica “1984” – sobre os riscos deste tipo de recolha de informação em massa; mas acrescentou que as câmaras instaladas pelo “Big Brother” de Orwell não eram nada, comparado com o que se passa hoje. Referindo-se à disseminação mundial de smartphones com sensores de GPS, o ex-agente da NSA advertiu: “Trazemos sensores nos bolsos que nos seguem para todo o lado”.

Enquanto as suas revelações provocaram um escândalo internacional e a indignação de alguns governos como o brasileiro e o alemão, Snowden afirmou que o seu único objetivo era gerar um debate público, levar as pessoas a agir. “Lembrar o governo que se realmente deseja saber como nos sentimos, perguntar é sempre mais barato do que espiar”, aconselhou o especialista informático norte-americano.

Quão profundamente se sente preocupado com os avisos de Snowden? Está preparado para ser mais uma das vozes do crescente número de pessoas que reivindicam o direito à privacidade online? Onde se posiciona na questão da regulamentação do uso de dados pessoais? Estas questões têm importância para si? Enquanto reflete sobre as respostas, o crescente corpo de dilemas digitais – como, aqui na euronews, lhes chamamos – vai continuar a expandir os seus contornos em 2014, confrontando-nos com as nossas responsabilidades enquanto cidadãos, pais, seres humanos.

Imagine este corpo como um monstro multi-dimensional. Considerando todas as suas facetas – tecnológicas, organizacionais, biológicas, humanas, entre outras – é, em si, uma tarefa desafiante, pois requer competências e conhecimentos de várias disciplinas. Confira no website de Gerd Leonhard, um media futurista, e vai entender o que queremos dizer.

Tome, por exemplo, a dimensão humana do nosso mundo virtual. A hiperconexão abre tantos horizontes novos, cria tantas oportunidades novas. Mas também muda a forma como as pessoas comuns pensam sobre as suas vidas. O chamado síndrome de FoMo (“Fear of Missing out” – numa tradução literal “medo de perder alguma coisa”) reflete as ansiedades de uma geração mais nova, cujos membros se sentem compelidos a capturar instantaneamente tudo o que vêm e fazem.

Leonhard pergunta como é que nós – enquanto seres lineares – vamos lidar com o enorme ganho no fluxo de informações em tempo real: “Que implicações terão estes desenvolvimentos de grande alcance? Como acompanharemos os milhares de dados recolhidos em tempo real, o volume sempre crescente, a variedade e a profundidade de entrada de dados, o tsunami de comunicações a receber e o rápido melhoramento de inteligência de software, dispositivos e máquinas? Terão os humanos que se “ampliar”, em breve, de forma a acompanhar o fenómeno e, se sim, onde nos irá isto levar?” Questões fascinantes!

Considere a lista de temas a discutir em 2014 da edição nº6 de Gerd Leonhard: “Obesidade digital, desintoxicação digital, e a chegada de “a alegria de perder”: irá o offline tornar-se o novo luxo?” O futurista alemão observa que “cada vez mais, as pessoas reclamam sobre a “tirania da conexão”, sobre ficar empanturrado com informação e ser sobrecarregado com dados, media, atualizações e notificações. O agora dessas pessoas está tão cheio de tudo, e “sabe” tudo tão bem, e o preço é apropriado (bem, quase…zero), por isso continuam a consumir mais do mesmo. O barulho dos conteúdos online e o burburinho das conversas são ensurdecedores, e parece que a relação sinal-ruído nunca foi baixo”.

Como outros especialistas que exploram águas desconhecidas de um exponencial mundo digital em expansão, Gerd Leonhard observa primeiro e desafia depois os seus leitores: “Assim como a obesidade física é um problema sério e grande (com alegadamente 42% da população dos EUA a ser atingida por este), ser digitalmente obeso pode levar a disfunções cerebrais, distúrbios de sono, confusão mental em geral e muitos outros efeitos colaterais que precisam ser considerados. Por isso, será que a tecnologia continua a significar mais poder para os consumidores, na sua maioria, ou começa a tornar-se numa verdadeira ferramenta de um novo tipo de escravidão – ou ambos? E se tivessemos que considerar esta questão, poderíamos realmente viver “fora da grelha” e continuar a funcionar numa sociedade em rede? Como encontramos o equilíbrio?” Novamente, questões fascinantes!

Muito antes dos avisos de Leonhard sobre a obesidade digital, Gary Smal e Gigi Vorgan alucidaram-nos, num artigo seminal em 2008, para o que chamaram de “Esgotamento tecno-cerebral” – a influência que os media digital têm na fisiologia humana.

“A exposição diária à alta tecnologia”, escreviam, “computadores, smartphones, videojogos, motores de pesquisa como o Google e o Yahoo – estimulam a alteração celular cerebral e a libertação neurotransmissora, fortalecendo gradualmente novos percursos neurais nos nossos cérebros e enfraquecendo outros. Dada a revolução tecnológica atual, os nossos cérebros estão a desenvolver-se agora mesmo – a uma velocidade nunca antes vista”.

Usando técnicas de ressonância magnética (MRI), os dois neurocientistas americanos exploraram de que forma o cérebro é afetado pelo estado de “atenção parcial contínua” em que vivemos. Descobriram que um “córtex dorsolateral pré-frontal estimulado e uma memória de curto-prazo dominante, pode resultar num estado de stress que pode ter consequências fisiológicas sérias para o corpo”. “Como o cérebro é forçado a constantemente rever e analisar novas informações, através de pesquisas no Google ou no Facebook, pode entrar no que Small e Vorgan chamaram “Esgotamento tecno-cerebral”. Significa que alguns dos centros cerebrais que controlam o humor e o pensamento estão a ser mudados, mas não temos como saber quais os efeitos que esta mudança trará a longo-prazo.

Não sucumba ao pessimismo! E prepare-se para abraçar cada vez mais dilemas digitais em 2014. Dilemas que continuarão a moldar o “Espírito da época” dos humanos conectados.

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