Ângelo Felgueiras: a entrevista integral

Ângelo Felgueiras: a entrevista integral
Direitos de autor Ângelo Felgueiras
De  Rodrigo BarbosaMiguel Roque Dias
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Veja aqui a entrevista integral do aventureiro Ângelo Felgueiras, primeiro português a completar uma expedição ao Polo Sul, esquiando quase dois meses pela Antártida

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Ângelo Felgueiras tornou-se, a 15 de janeiro, no primeiro português a completar uma expedição ao Polo Sul. Quase dois meses através das paisagens tão belas como inóspitas da Antártida.

A euronews teve a oportunidade e o privilégio de entrevistar este "aventureiro solidário", que nos fez um balanço da expedição e de uma carreira realizada, mas talvez ainda sem ponto final.

Qual foi a primeira coisa em que pensou quando chegou ao Polo Sul?

"A primeira coisa que pensei foi que já faltava pouco para ir tomar banho. Foram muitos dias sem tomar banho. Foram 57 dias de expedição e, além da grande alegria que eu tinha de chegar ao Polo Sul, era também a alegria de chegar ao fim e ter cumprido o objetivo ao qual me tinha proposto."

Qual foi a etapa mais difícil na Antártida?

"Foram 57 dias de expedição, com dez horas de esforço diário, muito, muito intenso. E, portanto, esforço físico durante 57 dias requer também muito trabalho de cabeça. Essa foi a principal dificuldade: um grande esforço físico e um grande esforço psicológico e emocional."

"Eu dividiria a expedição em duas partes. Na primeira fase, nós apanhámos um grande nevão, uma grande tempestade. Nós tinhamos uma duração estimada de 50 dias e uma duração máxima [prevista] de 56 e percorremos a primeira metade da distância em 32 dias. Portanto, não é preciso ser um prémio Nobel da Matemática para perceber que alguma coisa ia correr mal."

"Até chegarmos a meio do caminho, estávamos sempre com a possibilidade da expedição ser cancelada, por não termos tempo suficiente para a cumprir. E isso era uma coisa que não dependia de mim e foi um esforço emocional e psicológico terrível, porque era estar a fazer um esforço físico todos os dias, sem saber se ia chegar ao fim."

"Entretanto, nós começámos sete e acabámos quatro. Quando terminou a primeira metade, ficámos só quatro e, a partir daí, começámos a andar mais depressa e conseguimos terminar dentro do tempo previsto. Mas aquele stress sem saber se chegávamos ao fim, foi uma coisa que eu não dominava, não controlava, foi uma fase um bocadinho difícil, muito difícil."

Sentiu medo?

"Não, nunca tive medo. Tinha é a angústia enorme da incerteza de poder continuar, mas nunca me senti em risco. O perigo, neste tipo de expedições, é basicamente o frio. Nós chegámos a esquiar com menos 48 graus e isso requer muita proteção e disciplina nos procedimentos, para nunca nos magoar-mos."

"Nós estamos num dos locais mais inóspitos e mais agrestes da terra e menos simpáticos para o ser humano. De resto, ali não há fauna absolutamente nenhuma. Eu costumo dizer que o único animal suficientemente estúpido para se meter ali é mesmo o homem."

"Eu acordo às sete da manhã, saio da tenda por volta das oito, oito e meia e volto a entrar na tenda por volta das seis da tarde. Entre as oito e as seis da tarde, são dez horas em que nós estamos expostos às intempéries sem nos sentarmos. Posso sentar-me eventualmente no trenó, mas até não tinha esse hábito, e portanto fazer toda a vida numa temperatura média de menos 30, menos 40 graus, isso é de uma dureza que não passa pela cabeça das pessoas."

"Andar é fácil, o processo de esquiar não é complicado. O que é complicado é quando paramos de esquiar e queremos comer. Eu tenho uma máscara e tenho de a tirar, para a tirar tenho de desapertar o casaco, para desapertar o casaco tenho de tirar as luvas. E é nestas fases de transição, no tempo de exposição da nossa pele às temperaturas tão baixas, que algo pode correr mal."

"Requer, por um lado, uma grande disciplina e, por outro, uma pessoa nunca entrar em pânico, nunca se distrair com esse pormenor. Esta é a grande dureza, estarmos durante dez horas por dias sujeitos a estas temperaturas, porque depois não vamos comer num hotel, depois montamos uma tenda e ficamos aí acampados no gelo. Eu dormi acampado no gelo durante 58 noites."

Como é que se treina fisica e psicologicamente para uma expedição destas?

"Faz agora um ano, em janeiro, que eu estava a acampar na Noruega, assim pela fresquinha. E faz em fevereiro um ano que estava a acampar na Islândia, também pela fresquinha. Portanto, fisicamente, é fácil de treinar. Há várias coisas que posso fazer: eu pratico triatlo, antes de me ir embora fiz um Iron Man, corri algumas maratonas, portanto do ponto de vista físico sentia-me bastante bem."

"Era preciso praticar o frio e a tração. Eu andei a puxar um trenó em praias por esse mundo fora, conforme a minha vida [profissional] me mandava para lá, porque sou piloto da TAP: puxei o trenó em praias no Rio de Janeiro e aqui também em Carcavelos, muitas vezes. Mas, basicamente, a nível do frio e dos procedimentos relacionados com o frio, estive acampado na Noruega e fiz uma travessia de um glaciar na Islândia, o que me permitiu enquadrar procedimentos para depois me sentir mais confortável na Antártida."

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"Em primeiro lugar, esta não é a minha primeira expedição. Já fiz uma série de expedições, já fiz os 'Seven Summits' e já tinha ido ao Polo Norte. Esta foi a mais longa, é factual, e, na minha opinião, foi a mais dura. Foi um esforço intenso, todos os dias."

"Nas montanhas às vezes temos uns dias de descanso, para aclimatação, etc. Aqui nós só parámos quando o tempo estava mau, isso aconteceu durante três dias e meio, e duas vezes porque alguém se sentiu mal, já na fase final. Mas cheguei a ter trinta dias de esforço consecutivo."

"Do ponto de vista psíquico, se nós soubermos para o que é que vamos - eu não sei responder muito bem a essa pergunta, porque de facto não se fazem flexões para a cabeça -, mas eu sabia muito bem ao que ía e nunca me senti a fraquejar do ponto de vista psicológico e emocional."

"Obviamente, passei o Natal longe da família, o que é duro. Ainda por cima eles enviaram-me os vídeos e fiquei todo emocionado de ver os vídeos quando lá cheguei. Eu sabia para o que é que ía e, ainda por cima, fiz esta expedição associado a uma causa social, com a Acreditar, e, quando estou a trabalhar para pais e famílias de jovens com cancro, qualquer parte psíquica em que eu me sinta mal é uma brincadeira de meninos, comparada com aquilo que esses pais vivem. Portanto, se nós relativizarmos as coisas, eu não tive problemas."

Como é que se conjuga a aventura com a vida pessoal e profissional?

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"Com a minha vida pessoal, foi um gigantesco esforço por parte da minha família também. Esta minha expedição é também para eles uma expedição, porque tive muito tempo ausente. Eu sou piloto da TAP há trinta anos, portanto ia jogando com as minhas folgas, com algumas férias em atraso, com as férias deste ano, de 2017 e 2018 - que isto transitou de um ano para o outro -, foi assim que eu consegui arranjar os dias e o tempo. Além disso, eu levanto-me muito cedo, para treinar e conseguir pôr-me em forma para aguentar este tipo de desafios."

Sente-se um herói, depois de conquistar o Polo Sul?

"Eu basicamente sou um aventureiro e gosto muito disso, mas não sou nenhum herói. Heróis são as pessoas que salvam vidas, esses é que são heróis. Eu sou o cromo: fui ao Polo Sul, chego, dou entrevistas e autógrafos, tiro fotografias com os miúdos, é tudo fantástico... Mas quem está na Acreditar todos os dias a apoiar os jovens, quem está em oncologia todos os dias a fazer festinhas aos Barnabés, esses é que são os heróis. Eu sou só o cromo que ajuda a dar visibilidade."

"A Acreditar é uma instituição que tem três casas, que apoia os familiares das crianças com cancro e que é uma coisa que todos nós esperamos nunca vir a precisar, mas que bate à porta a qualquer hora. Portanto, nós não estamos a ajudar a Acreditar, estamos a ajudar-nos a nós próprios. Estamos a ajudar uma instituição que permite às pessoas que passam por coisas absolutamente terríveis, não só as crianças como os pais das crianças, que devem viver uma angústia terrível, ter um sítio, não só onde possam ficar, mas também onde possam ter o seu silêncio ou os seus desabafos e onde sejam respeitados pela sua dor. Isto é uma coisa que é muito importante e eu conto também com a vossa ajuda para tornar isto possível."

(O grupo Facebook da campanha "Esquiar por uma Causa" está acessível aqui)

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Qual é a aventura que se segue? O Polo Sul não marca certamente o fim da carreira de aventureiro?

"Eu não sou um passarinho de gaiola, portanto não acredito que a minha carreira de aventureiro termine por aqui. Só que as pessoas ficam sempre à espera, depois de ter subido o Evereste, ou depois de ter feito este género de coisas, que tudo tenha de ser altamente mediático e que as coisas tenham de ser muito fortes. Há coisas maravilhosas para fazer."

"Se, eventualmente, aparecer alguma proposta, será devidamente encarada. Mas as coisas que eu gostava muito de fazer, estão feitas. Há muitos desafios e muitas montanhas para subir e muitos passeios para dar, mas não têm de ser coisas de dois meses. Para fazer uma grande expedição, tinha de ser uma proposta que fosse interessante e tinha de ter o apoio da minha família e, preferencialmente, envolver a minha família."

Como resumiria numa frase a mensagem que gostaria de transmitir da sua vida de aventuras?

"Eu tenho dificuldade em exprimir, numa frase, a minha vida de aventuras, mas não tenho dificuldade em exprimir, numa frase, aquilo que eu acho que é a primeira prioridade na vida: a primeira prioridade na vida é ser feliz."

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Nome do jornalista • Rodrigo Barbosa

Editor de vídeo • Alexis Caraco

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