Alto representante da UE: "Li algumas opiniões de Lula que me preocuparam muito"

Josep Borrell esteve, recentemente, em vários países da América Latina para falar da invasão da Ucrânia pela Rússia. “Não estamos a lutar contra a Rússia. Estamos a defender a Ucrânia. E defender a Ucrânia significa defender a ordem internacional com base em regras", disse à euronews, Josep Borrell, alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.
euronews: "Desde a invasão russa da Ucrânia a 24 de Fevereiro, a União Europeia tem avançado mais rapidamente do que nas últimas décadas. Será o início de uma verdadeira União Europeia geopolítica?"
Josep Borrell: Foi o que eu disse ao Parlamento Europeu. Penso que este é o momento em que a União Europeia se comporta como um ator geopolítico que toma decisões, do lado militar, do lado energético, utilizando a linguagem do poder. Tenho muito mais poderes do que as pessoas pensam. Estamos a utilizá-los e muito rapidamente pelos padrões europeus".
euronews: "E um embargo ao gás? Qual seria a sua posição enquanto Alto Representante?"
Josep Borrell: "O gás não é já para amanhã, é para depois de amanhã".
euronews: "Será que estamos num modo de guerra longo? O Ocidente contra a Rússia? E o que se passam com a China? A Índia?"
Josep Borrell: "Não. Não gosto nada da história do Ocidente contra a Rússia Não se trata de uma questão do Ocidente. É uma questão sobre a Carta das Nações Unidas. Trata-se da soberania do povo e dos Estados, do respeito pelas fronteiras, de não usar a força para se sobrepor ao seu vizinho. Trata-se de algo que deve preocupar o Ocidente, o Oriente, o Norte e o Sul. E a votação nas Nações Unidas foi clara. Mas é importante sublinhar esta ideia. Não estamos a lutar contra a Rússia. Estamos a defender a Ucrânia. E defender a Ucrânia significa defender a ordem internacional com base em regras. Caso contrário, será a lei da selva. Será a lei do mais forte. Não é o Ocidente, é o mundo inteiro. Deve ser o mundo inteiro. Sei que vários Estados importantes estão a olhar para o outro lado por razões táticas que nada têm a ver com a Ucrânia, não querem envolver-se, condenar a Rússia. Temos de explicar o que se está a passar. Estive na América Latina para explicar aos meus amigos da América Latina o que se está a passar. Mas li algumas opiniões de Lula, o ex-presidente do Brasil, que me preocuparam muito. Temos de distinguir a Rússia e Putin. Não temos nada contra o povo russo. Trata-se de um regime, de um sistema político, de uma pessoa. Queremos enfraquecer Putin, mas não queremos empurrar o povo russo para a margem da história. De uma forma ou de outra, eles têm de fazer parte de um acordo pacífico e de um sistema de segurança pacífico na Europa".
"Outras formas de causar problemas a Putin"
euronews: "Tem estado a trabalhar na bússola estratégica da UE. Não é uma solução mágica, mas, será que pode ser útil para a segurança europeia?"
Josep Borrell: "Sim. A guerra na Ucrânia tem efeitos colaterais positivos. Desculpe dizer positivo quando tantas pessoas estão a morrer e um país está a ser destruído. Mas sem esta guerra não estaríamos a tomar medidas para nos vermos livres da nossa dependência energética da Rússia. Sem esta guerra, estaríamos na situação anterior. Não estaríamos conscientes de que a Europa está em perigo, é tão simples quanto isto. E se estamos em perigo, devemos ser adultos e estar preparados para enfrentar esses perigos".
euronews: "E o alargamento da União Europeia? Veria países como a Ucrânia, a Moldávia e a Geórgia na União Europeia até 2030?"
Josep Borrell: "Não consigo pensar em datas. Vamos esperar pelo trabalho da Comissão, que vai dar um parecer sobre como proceder face aos pedidos de adesão da Ucrânia e de outros países. E não se esqueça que, nos Balcãs, há também seis Estados à espera da adesão".
euronews: "E como deve a Europa posicionar-se num mundo dominado pelas armas?"
Josep Borrell: "É a chamada militarização das interdependências. Ficamos dependentes de alguém e depois isso é usado como uma arma contra nós. Temos de ser mais autónomos. Temos de ter uma forma de autonomia ou responsabilidade estratégica. Com a pandemia, descobrimos que na Europa não produzíamos sequer uma grama de paracetamol, o que é bastante fácil de produzir, mas era muito mais barato produzi-lo noutros países. Comprar barato é uma coisa. E ter a possibilidade de obter um produto é outra coisa, quando se vive uma crise. Talvez tenha sido mais barato ontem, mas hoje é incomportável".
Josep Borrell: "Fala-se muito da proibição da compra de petróleo russo. Há outras formas de causar problemas a Putin: os seguros. Se decidirmos que as nossas companhias de seguros não fazem seguros ao transporte de petróleo russo, nem mesmo para a Europa. Em todo o mundo os russos vão enfrentar um grande obstáculo para exportar o petróleo, não para a Europa, mas para o resto do mundo".
euronews: "A guerra, infelizmente, terá enormes impactos globais ao nível da segurança alimentar, da energia e da segurança. Qual é, qual deve ser o plano a longo prazo?"
Josep Borrell: "O que importa é ter um mundo baseado em regras, porque não há regras. Há uma regra: a regra do mais forte. Temos vindo a construir a Europa como um jardim francês, ordenado e geométrico. O resto do mundo é mais como uma selva. E se não queremos que a selva invada o nosso jardim, temos de pagar esse preço. Usamos a palavra solidariedade, mas solidariedade não significa nada se não houver um preço. Se não houver um custo, podemos expressar solidariedade para com toda a gente. O momento em que pagamos é o momento da verdade. E nesse momento temos de compreender que defender a liberdade e lutar contra os que lutam contra a Ucrânia terá um custo. E os políticos devem ter a coragem de explicar ao povo que este custo tem de ser aceite, caso contrário o custo será muito maior".