Medidas repressivas dos países do sul da Europa levam os migrantes a tentar a sua sorte precisamente na rota migratória mais mortífera do planeta
Desde o início do ano, mais de 1300 pessoas perderam a vida ou desapareceram a tentar chegar à Europa. Os números são cruéis e representam apenas os casos conhecidos, o número real é maior e irá continuar a crescer.
Apesar dos riscos, mais de 75 mil pessoas conseguiram completar a travessia. Itália, Espanha e Grécia são os três países mais afectados e, cada um à sua maneira, têm-se preocupado mais em impedir novas chegadas do que em salvar quem está suficientemente desesperado para se fazer ao mar.
Itália adotou uma nova lei sobre a migração que limita o acesso ao estatuto de proteção especial e condiciona a ação dos navios de resgate no Mediterrâneo.
Espanha assinou um acordo histórico com Marrocos, que levou Pedro Sánchez a definir o país africano como "um aliado essencial para a nossa segurança e para uma migração ordenada”. Ma prática, transferiu o problema para Rabat e o episódio de junho de 2022 em Melilla, que provocou 23 mortes, é um triste exemplo.
Grécia reforçou consideravelmente as patrulhas marítimas, acusadas em várias ocasiões de não respeitar a lei internacional.
Malta, que apesar do menor volume de chegadas está no coração do Mediterrâneo, é acusada pela Amnistia Internacional de ignorar pedidos de resgate e proceder a detenções arbitrárias.
Crescem os apelos para a criação de rotas legais de migração, nomeadamente da ONU, mas Bruxelas tem optado por um rumo diferente, até porque conciliar as vontades dos 27 Estados-membros no que diz respeito à migração parece ser uma missão impossível.
A nova lei sobre a migração é um passo em frente mas não esconde o facto de que é cada vez mais difícil entrar em território europeu. O Mediterrâneo não é a única fronteira. Também por terra é cada vez mais difícil entrar e se em 2014 havia pouco mais de 300 quilómetros de muros ou vedações de arame farpado nas fronteiras europeias, hoje são mais de 2 mil.
As restrições impostas baixaram a utilização de praticamente todas as rotas, a excepção foi a rota do Mediterrâneo Central, precisamente a mais perigosa, que se tornou a privilegiada pelos migrantes.
Mais de metade das chegadas ao território europeu nos primeiros cinco meses do ano teve origem precisamente nessa rota. Mais de mil pessoas perderam a vida, juntando-se a uma longa lista, ou não fosse esta a rota migratória mais mortífera do planeta.
No coração desta rota está o porto tunisino de Sfax, onde as autoridades locais garantem que impediram 13 mil pessoas de fazer a travessia só nos primeiros três meses do ano.
O problema foi agravado pelo discurso do Presidente Kais Saied contra os migrantes subsaarianos, acusando-os de ameaçar a identidade demográfica do país e de serem responsáveis pela violência e criminalidade.
Como resultado, verificaram-se uma série de ataques racistas na Tunísia e aumentou também o fluxo migratório no país.
A solução da União Europeia passa pela promessa de dinheiro, mais de mil milhões de euros de assistência financeira a um país a atravessar uma grave crise económica, mas Saied tinha avisado à partida que não aceitaria que o seu país se tornasse no guarda fronteiriço de outros países.
A solução política para o problema da migração tarda em chegar. Para as mais de 27 mil pessoas que morreram ou desapareceram no Mediterrâneo desde 2014, chegará tarde demais.