Notícias falsas e ataques a indivíduos: A Rússia está a travar uma segunda guerra contra o Ocidente, uma guerra híbrida. Como é que a Alemanha se pode preparar para isso?
A Rússia tem estado a travar uma guerra contra a Ucrânia desde 2014. O objetivo presumido: a erradicação da Ucrânia e da sua cultura. Desde o início da guerra de agressão russa em 2022, esta guerra tem sido noticiada diariamente. Ao mesmo tempo, porém, a Rússia está também a travar uma segunda guerra que está a fazer menos manchetes.
Os especialistas alertam para a necessidade de os políticos levarem mais a sério esta segunda frente e de a população se preparar melhor.
Isto porque a chamada "segunda guerra" da Rússia é dirigida contra todo o Ocidente. "É também uma guerra contra o modelo democrático", diz a especialista em Europa de Leste Franziska Davies. Refere-se à guerra híbrida que a Rússia já está a travar contra o mundo ocidental, sob a forma de "intervenções militares e até de campanhas de desinformação": "De facto, há muito que a Rússia se considera em guerra aberta com o Ocidente".
Um exemplo desta guerra híbrida são as alegadas tentativas de espionagem russa com recurso a drones. De acordo com vários meios de comunicação social alemães, um drone foi recentemente avistado sobre a central nuclear desactivada no Brunsbüttel ChemCoast Park, em Schleswig-Holstein. O Ministério Público está a investigar a suspeita de atividade de agentes para fins de sabotagem. Estas tentativas de espionagem visam, presumivelmente, as infra-estruturas críticas da Alemanha.
Estas tentativas podem ser classificadas como parte da guerra híbrida da Rússia. O termo é difícil de definir, mas os especialistas dizem que inclui tudo o que não envolve um confronto militar direto. Presume-se que a Rússia leva a cabo tais ações com o objetivo de enfraquecer e desestabilizar o chamado mundo ocidental.
"O que a Rússia pretende, em última análise, é uma Europa dominada pela Rússia e onde esta possa impor os seus objetivos independentemente das regras e leis internacionais. Uma Europa em que a Rússia possa exercer o poder pela força", explica Franziska Davies, da Ludwig-Maximilians-Universität, em Munique.
A estratégia híbrida mais conhecida: as notícias falsas
Para atingir este objetivo, a Rússia utiliza várias estratégias de guerra híbrida: pirataria informática, ataques a indivíduos ou desinformação e notícias falsas. "Todos nós somos alvos destas campanhas de influência da informação", afirma Tapio Pyysalo, Diretor de Relações Internacionais do Centro Europeu de Combate às Ameaças Híbridas.
Só antes das eleições europeias de junho, houve uma tentativa coordenada de partilhar campanhas pró-russas, anti-vacinas e anti-LGBTQ nas redes sociais. O instituto de investigação privado neerlandês Trollrensics descobriu que esta campanha de desinformação na Alemanha foi principalmente dirigida a favor do AfD. A empresa presume que os bots por detrás destes conteúdos provêm da Rússia ou de círculos pró-russos.
Embora muitos países europeus tenham melhorado as suas medidas de segurança contra ataques híbridos desde a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, o especialista estónio Pyysalo adverte: "Mas não têm as mesmas ferramentas à sua disposição que os atores híbridos. O que os Estados democráticos ainda precisam de fazer é reforçar a sua legislação para colmatar as lacunas que são utilizadas pelos atores híbridos".
Como reconhecer a desinformação russa?
O que tem de acontecer diariamente e o que todos podem fazer é reconhecer as notícias falsas e não as espalhar, diz Pyysalo. "Todos devem desempenhar um papel na verificação da informação e certificar-se de que tudo o que divulgam se baseia em factos e não em narrativas de desinformação".
O que ajuda é o facto de os padrões das notícias falsas espalhadas pela Rússia serem sempre os mesmos, explica Frank Sauer, especialista em política de segurança: "Não importa se se trata do abate do MH17 ou do bombardeamento do hospital pediátrico em Kiev: primeiro diz-se sempre que foi uma loucura, depois que foram os outros e, no final, diz-se: 'Está bem, fomos nós, mas eles mereceram'".
Para desmascarar as campanhas de desinformação, vale a pena verificar primeiro as notícias: Será que outros meios de comunicação social confirmam a informação de forma independente? Também vale a pena verificar o autor da notícia, por exemplo, nos perfis das redes sociais. Um manual do Ministério da Defesa ucraniano sobre como desmentir notícias falsas salienta que os nomes de utilizador dos perfis X são muitas vezes combinações aleatórias de números e que os perfis falsos utilizam frequentemente imagens antigas ou selecionadas aleatoriamente diretamente dos resultados do Google. Vale a pena verificar essas imagens através da pesquisa de imagens do Google.
De acordo com Sauer, o objetivo da desinformação russa é: "Deixar as pessoas a sentirem-se impotentes e convencidas de que nunca poderão saber a verdade".
Da Internet para a vida real
No entanto, os ataques híbridos também podem constituir uma ameaça real à vida e à integridade física. Tapio Pyysalo, especialista em ameaças híbridas da Estónia, referindo-se aos ataques russos às infra-estruturas energéticas na Ucrânia, afirma que as infra-estruturas críticas no resto da Europa também podem ser alvo da Rússia.
Não quer causar preocupação, mas "as pessoas devem estar preparadas para todos os tipos de interrupções, por exemplo, no fornecimento de serviços críticos ou alimentos críticos".
Pyysalo resume: "Estejam preparados para o pior, mas, claro, esperem pelo melhor".
O "cenário de pesadelo" da Alemanha
Para a Alemanha, o pior - o "cenário de pesadelo absoluto" - é aquilo a que Frank Sauer chama um apagão elétrico. Nos cenários de catástrofe, é descrito que, após alguns dias sem eletricidade, a Alemanha estará "à beira do abismo". "Também porque a população em geral não está bem preparada para estas situações. Assumimos simplesmente que o tempo será sempre agradável, que a água sairá da torneira e que haverá comida no supermercado", explica Sauer.
Para as situações em que tal não acontece, o Serviço Federal de Proteção Civil e Assistência em Caso de Catástrofe elaborou listas de provisões, aconselhando as pessoas a abastecerem-se de alimentos suficientes para dez dias e a providenciarem dois litros de líquidos por pessoa e por dia. Deve estar disponível um estojo de primeiros socorros de emergência e os documentos mais importantes devem ser guardados de forma a poderem ser levados rapidamente numa emergência.
Criar uma resistência civil
Devido a estas possíveis situações excecionais, Sauer considera que a discussão sobre o serviço obrigatório está, de certa forma, longe da realidade. Afinal, pensar apenas na Bundeswehr e no reforço das forças armadas é demasiado míope. O que é necessário, acima de tudo, é a resistência civil.
O especialista alemão em segurança explica: "No fundo, precisamos de reservas de pessoas que possam ajudar numa emergência. Precisamos de pessoas que possam empilhar sacos de areia e tirar os geradores de emergência do pavilhão e pô-los a funcionar". Trata-se de coisas muito práticas e é exatamente assim que os políticos devem explicar o assunto.
Na Alemanha, devem trabalhar para que "numa emergência, possamos organizar tudo de forma a que todos tenham um cobertor quente, as crianças tenham um canto para brincar, tenhamos geradores de energia de emergência onde possam carregar os telemóveis e alguém possa cozinhar sopa".
O que Sauer quer dizer com isto é que a Alemanha precisa de aumentar a sua capacidade de resistência. Sauer sublinha que isto não é apenas importante no caso de ataques externos às infra-estruturas; as falhas de energia também podem ser desencadeadas pela crise climática.
A sua esperança é "que exista um amplo consenso social de que, enquanto sociedade, devemos investir dinheiro, mas também tempo". Ele fala, por exemplo, de doze meses na Agência Federal de Socorro Técnico, nos bombeiros, na Cruz Vermelha ou mesmo nas Forças Armadas alemãs. "Para que eu saiba o que fazer se algo avariar na minha comunidade ou no meu bairro".