O mais recente balanço oficial, divulgado pelas autoridades angolanas na quarta-feira, dá conta de 22 mortos, 197 feridos e mais de 1.200 detidos durante a greve dos taxistas, que esteve em curso até quarta-feira.
Depois de vários dias de instabilidade e insegurança em várias províncias de Angola, particularmente Luanda, a situação parece estar a regressar gradualmente à normalidade, numa altura em que começam já os primeiros julgamentos sumários relacionados com a desordem.
Segundo o Novo Jornal, um dos principais jornais angolanos, pelo menos 17 pessoas já começaram a ser ouvidas pelas autoridades competentes, no Palácio Dona Ana Joaquina, em Luanda, na quarta-feira, por terem estado alegadamente envolvidas em distúrbios, tumultos e pilhagens em estabelecimentos comerciais, durante a greve dos taxistas.
No seguimento desta notícia, a Ordem dos Advogados de Angola, em comunicado divulgado nas redes sociais, informou que “face ao número elevado de detidos nos últimos dias e à previsão de um considerável volume de julgamentos sumários”, irá mobilizar equipas de advogados para defender estes cidadãos.
Uma iniciativa que visa “garantir que esses julgamentos ocorram com respeito pelos princípios da legalidade, imparcialidade e do devido processo”.
Ao longo dos últimos dias, a desordem propagou-se por várias zonas do país por via de atos de vandalismo, com danos registados em veículos de entidades públicas, mas também de particulares. Agências bancárias, lojas e supermercados foram ainda alvo de saques. Registaram-se igualmente confrontos entre alguns cidadãos, nomeadamente jovens, e elementos da polícia.
Os desacatos começaram na sequência de uma paralisação, prevista entre segunda e quarta-feira, convocada pela Associação Nacional dos Taxistas de Angola (ANATA), enquanto ação de protesto contra o aumento do preço dos combustíveis no país, com consequências para a operação destes trabalhadores, mas também para a população em geral.
O mais recente balanço oficial divulgado pelas autoridades angolanas, pela voz do ministro do Interior do país, Manuel Homem, dá conta de 22 mortos, 197 feridos e mais de 1.200 detidos na sequência dos tumultos, que se registaram principalmente nas províncias de Luanda, Huíla, Huambo e Ícolo e Bengo. Já na quarta-feira, o governante garantia que os desacatos tinham sido controlados em todas estas localidades.
Relatos de violência policial
No âmbito dos confrontos registados, existem dúvidas sobre a adequação da resposta dada pela Polícia Nacional de Angola, numa tentativa de conter os desacatos.
Segundo reporta a imprensa angolana, os agentes estão a ser acusados, pela população, de fazerem uso excessivo da força e, além do mais, de balearem indiscriminadamente cidadãos que terão estado envolvidos nos tumultos, nomeadamente jovens, alguns dos quais acabaram por morrer na sequência dos ferimentos sofridos.
No município de Cazenga, nomeadamente, os populares responsabilizam os polícias pela morte de seis pessoas. Existem ainda relatos de situações idênticas noutras localidades: Mulenvos, Cacuaco, Kilamba Kiaxi e Viana, reporta o Novo Jornal.
Nas redes sociais, multiplicam-se também os vídeos que exibem alegados exemplos de situações de violência policial ocorridas nos últimos dias. Um deles mostrando, ao que tudo indica, uma mulher que foi alvejada, pelas costas, por um agente da Polícia Nacional, enquanto tentava fugir, com o filho, de um tiroteio em curso. Alertamos para a violência das imagens que se seguem.
Desde o início de julho, tiveram lugar várias manifestações e iniciativas de contestação em Angola, em reação ao aumento do preço dos combustíveis e dos transportes. Em comunicado datado de 18 de julho, a Amnistia Internacional tinha já denunciado a repressão, por parte da polícia, de alguns destes protestos, momento em que defendeu que as “autoridades angolanas devem respeitar e garantir o direito à liberdade de reunião pacífica”.
Na mesma nota, Vongai Chikwanda, diretora-regional adjunta de Campanhas da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral, denunciou o “uso de força desnecessária e excessiva” contra as pessoas envolvidas nos protestos – reportando ainda que “alguns manifestantes foram detidos arbitrariamente e outros ficaram feridos devido ao uso ilegítimo da força por parte da polícia”.
O que está em causa?
A Associação Nacional dos Taxistas de Angola (ANATA) convocou uma greve nacional de três dias, entre 28 e 30 de julho, em protesto contra o aumento do preço do gasóleo, mas também das peças de manutenção das viaturas e devido à remoção de paragens de embarque e desembarque de passageiros sem aviso prévio, reportou o Novo Jornal na semana passada. A falta de envolvimento das lideranças do setor nas decisões do Executivo elencava-se ainda entre as reivindicações.
No domingo, circularam informações que apontavam para uma suspensão da paralisação, as quais foram imediatamente desmentidas pela organização, em conferência de imprensa.
Mas, na segunda-feira, a direção nacional da ANATA acabou mesmo por anunciar uma decisão nesse sentido, "para evitar que indivíduos estranhos à classe e aproveitadores, com fins inconfessos", continuassem "a perturbar a paz social". No entanto, a delegação da entidade em Luanda optou por manter a greve até quarta-feira.
A paralisação dos chamados candongueiros (azuis e brancos) – os táxis angolanos –, sob o lema “fica em casa”, tinha sido convocada há mais de 20 dias, num contexto em que muitos cidadãos necessitam de recorrer a este meio de transporte para se deslocarem. Isto porque a oferta de transportes públicos em Angola não é suficiente para dar resposta à procura, pelo que muitos recorrem aos táxis como única alternativa.
Com o aumento dos preços dos combustíveis, sobe consequentemente o valor das tarifas dos táxis, com custos acrescidos para os cidadãos que deles dependem, num país caracterizado por um cenário de intensas desigualdades sociais e onde a pobreza afeta uma percentagem bastante significativa da população.
Por detrás da subida do preço dos combustíveis encontra-se a redução, por parte do Estado, dos subsídios a esses produtos petrolíferos, com vista a estabilizar as finanças públicas do país. Segundo estimativas do governo, tal corte permitiu uma poupança, em 2023 e 2024, de 400 mil milhões de kwanzas (mais de 370 milhões de euros) aos cofres públicos, noticiou a Deutsche Welle.