Governo anunciou compra de quatro Black Hawk para reforçar resposta do INEM e garante que aeronaves estarão a funcionar no final de 2026, mas o representante dos técnicos de emergência questiona a eficácia destes aparelhos para evacuações médicas por entender que não prestam socorro atempado.
Há duas semanas, o ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, anunciou no Parlamento que o governo vai comprar mais quatro helicópteros Black Hawk, de fabrico norte-americano, para a Força Aérea Portuguesa (FAP), os quais serão mobilizados, entre outras funções, em contexto de auxílio à "emergência médica".
Na intervenção inicial, feita no âmbito da audição na especialidade da proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano, o governante adiantou que os aparelhos serão "entregues até ao final de agosto de 2026".
O anúncio foi recebido com críticas por parte do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH), que considerou as aeronaves desadequadas para a prestação de socorro em missões de natureza civil levadas a cabo pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).
O Black Hawk, apetrechado com dois motores de quase dois mil cavalos de potência, tem capacidade para transportar 12 passageiros, e destina-se a um grande número de funções, incluindo "resposta a emergências", segundo a Lockheed Martin, empresa-mãe da Sikorsky, fabricante do helicóptero.
Reconhecendo os méritos do aparelho para uso militar, o presidente do STEPH, Rui Lázaro, ouvido pela Euronews, aponta que o Black Hawk não serve para emergência médica, "sobretudo pelas suas dimensões e pelo seu peso". Outro dos fatores negativos, menciona, é o "tempo que demora a descolar".
"Apesar de, nos últimos meses, ter apoiado o INEM no serviço de emergência médica, tem constrangimentos graves. Este modelo americano, se fosse adequado para a emergência médica, seria usado para tal nos Estados Unidos e não é esse o caso de todo", sublinha Rui Lázaro.
O responsável pelo STEPH acrescenta que o tamanho dos aparelhos tem impacto na margem de manobra das equipas de salvamento e na capacidade de aproximação aos hospitais, o que influenciará a celeridade e eficácia da assistência.
"Num concelho do interior do país, se houver um acidente de trator, por exemplo, numa aldeia, o Black Hawk tem de aterrar no campo de futebol da sede do concelho e fazer o resto da deslocação, que pode ser 40 a 50 minutos, de ambulância, para ir buscar a vítima e depois trazê-la para o helicóptero", nota. Já o modelo da aeronave que serve o INEM, sendo "mais pequeno" e exigindo "menos espaço", permite "aterrar nos locais das ocorrências, mesmo junto aos acidentados".
Rui Lázaro dá o exemplo do que acontece no Reino Unido ou nos Estados Unidos, onde o mesmo modelo de helicóptero usado em Portugal (Airbus H145) atua em regime de proximidade total.
"Por diversas vezes, aterra à porta de casa das pessoas, e sai a equipa médica que vai buscar a vítima e a leva para o hospital. Com o Black Hawk isso é impensável", afirma.
Ministro responde com relatório do INEM
O ministro da Defesa Nacional insiste que os helicópteros Black Hawk têm capacidade para intervir nas operações de emergência médica, citando um relatório do INEM em que estes aparelhos são elogiados pela "versatilidade".
"É uma excelente escolha para operações de evacuação médica devido às suas capacidades excecionais e versatilidade”, lê-se numa página do relatório do INEM mostrada por Nuno Melo numa publicação na rede social X.
O documento, refere o governante, "considera na maior parte dos itens que o Black Hawk U60 'satisfaz plenamente', ou 'supera os padrões esperados'”.
"Investir em equipamentos postos ao serviço da Nação, para auxílio na superação de tragédias é uma obrigação de um Estado decente", escreveu o ministro da Defesa na mesma publicação.
O relatório em causa, argumenta o presidente do STEPH, "compara apenas os meios aéreos da Força Aérea Portuguesa".
"Compara, inclusive, aviões médios e pesados. Ora bem, quando queremos escolher o modelo para servir o serviço médico de emergência, temos de olhar a tudo aquilo que o mercado tem a oferecer de militar e civil", sustenta Rui Lázaro, explicando que o relatório foi pedido "numa altura em que a Força Aérea passou a apoiar o INEM dada a impossibilidade do INEM de garantir a operação com recurso a aeronaves civis".
Quando se trata de adquirir aeronaves para o serviço médico de emergência, há que ter em conta outras opções, advoga o líder do STEPH.
"O modelo que o INEM tem agora e que, de resto, é o mais usado por todo o mundo, foi feito especificamente para este tipo de serviço, para doentes aerotransportados. É bem mais evoluído tecnologicamente e serve bem melhor as pessoas. Sobretudo porque, muitas vezes, conseguir aterrar em espaços mais reduzidos pode fazer uma diferença de horas nestes transportes emergentes".
Certificação civil vs certificação militar
Os helicópteros Black Hawk só poderiam aterrar num dos sete heliportos hospitalares certificados para este tipo de operação, avançou, na semana passada, o jornal Público, que citou fonte da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), segunda a qual só a pista do Hospital de Braga preenche os requisitos.
“O comprimento máximo do helicóptero Black Hawk é de 19,76 metros, pelo que se verifica ser compatível com a dimensão das plataformas dos heliportos do Hospital de Braga, do Heliporto de Loulé (certificado, não é hospital) e da Pista de Ultraleves do Casalinho, Pombal (autorizado para operações de proteção civil e emergência médica, não é hospital)”, indica o Gabinete de Comunicação da ANAC num email enviado ao Público.
No entanto, o ministro da Defesa Nacional garante que os Black Hawk estão excluídos da dimensão civil supervisionada pela ANAC e têm condições para pôr em prática operações de socorro em todos os heliportos hospitalares, em virtude da certificação concedida pela Autoridade Aeronáutica Nacional (AAN), sublinhando que já o fizeram várias vezes.
"Estes Black Hawk já aterraram em mais de 20 heliportos, só a norte do Tejo. É público, e está em vídeo. Posso-lhe dizer que, de dia e de noite, já aterraram em 18. E de dia, já aterraram em 25", vincou Nuno Melo aos jornalistas, na semana passada, depois da cerimónia do 50.º aniversário da Polícia Judiciária Militar, em Oeiras.
Segundo confirmou a Euronews junto de fonte da FAP, os helicópteros militares podem aterrar em qualquer local, incluindo heliportos dos hospitais, desde que o comandante da tripulação a bordo entenda que há condições de segurança e motivo para a aterragem.
A mesma fonte esclareceu também que os militares da FAP podem utilizar qualquer um dos sete heliportos hospitalares atualmente em funcionamento e não só o de Braga. Fizeram-no, por exemplo, na madrugada do passado dia 28 de agosto, quando um helicóptero UH-60 Black Hawk efetuou o transporte de um doente do aeródromo de Bragança para o heliporto do Hospital de São João, no Porto.
A Euronews também contactou a ANAC para esclarecimentos adicionais, mas não obteve resposta.
Portugal dispõe atualmente de 37 hospitais públicos com heliportos, ainda que só sete estejam certificados para transporte aéreo de doentes. Em 2020, foi lançado um plano de reabilitação para modernizar estas infraestruturas, mas a pandemia travou a sua execução e, desde então, não se registou qualquer avanço.
"Salvar vidas" implica "riscos"
Era à Força Aérea que cabia realizar as evacuações aeromédicas em todo o território nacional antes da criação do INEM e, ainda hoje, é este ramo das Forças Armadas que assegura essas tarefas nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Nos meios militares, existe a premissa de que a finalidade da ação de emergência justifica a intervenção dos helicópteros militares.
"No que toca a salvar vidas, os helicópteros militares aterram onde for preciso. Heliportos, campos de futebol, onde for possível. Será que a ANAC certifica as autoestradas e outras estradas onde aterram os helicópteros?", questiona Alfredo Pereira da Cruz, Tenente-General Piloto-Aviador, contactado pela Euronews.
"No caso dos fogos, uma situação de altíssimo risco, a ANAC não vai certificar onde os helicópteros aterram", reitera.
O STEPH ressalva que as "aeronaves dos arquipélagos fazem, sobretudo, transportes inter-hospitalares entre ilhas e entre as ilhas e o continente" numa operação "com uma natureza completamente diferente". As aeronaves no continente, lembra Rui Lázaro, têm a cargo "bastantes missões primárias".
"É diferente ter um doente num hospital e ser necessário transferi-lo para outro, ou ter um acidente com uma vítima grave no interior do país, no próprio local, e o helicóptero deslocar-se lá, a este local, e ir buscar a pessoa... aí é que está o ganho".
Contudo, Pereira da Cruz, que possui duas décadas de experiência em evacuações aeromédicas e salvamento aquático, incluindo nas funções de comandante, deixa claro que "a vida humana é a razão principal".
"Salvar vidas implica riscos e são riscos que têm de ser assumidos, não há volta a dar", frisa.
Black Hawk como complemento
O Black Hawk pode ser visto como um complemento à atividade do INEM, diz à Euronews José Correia Guedes, ex-comandante da TAP.
"Não tenho qualquer espécie de reserva em relação à capacidade técnica do Black Hawk. É um excelentíssimo helicóptero, foi concebido para serviço militar, para operações de resgate, transporte de tropas, e também foi muito usado em cenários de guerra para retirada de feridos", clarifica, ao expor a visão que tem sobre o papel destes helicópteros.
"Black Hawk, sim, mas como backup aos helicópteros do INEM e nunca como única solução", assevera Correia Guedes, secundado pelo presidente do STEPH, que admite o uso dos helicópteros militares como "um acrescento" aos aparelhos do INEM.
"E mesmo sendo um acrescento, revelam-se, na maior parte dos transportes, inviáveis, porque [o percurso] fica mais rápido de ambulância ou com as aeronaves que o INEM tem agora ao dispor", finaliza.
Fonte da FAP afirmou à Euronews que, com a aquisição dos novos Black Hawk, o trabalho de emergência médica não passará a ser feito pelos militares e que não há qualquer substituição dos meios ou profissionais do INEM, antes um reforço da colaboração em caso de necessidade.
Os primeiros helicópteros Black Hawk chegaram a Portugal no final de 2023, financiados por verbas do Plano de Recuperação e Resiliência, com o objetivo de reforçar o combate a incêndios rurais.