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Cotrim de Figueiredo: impasse na Ucrânia mostra "falta de testosterona dos líderes europeus"

João Cotrim de Figueiredo, candidato à Presidência da República
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De João Azevedo
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Candidato a Belém critica hesitação da UE no uso de ativos russos congelados para financiar a Ucrânia e diz mesmo que, se este plano falhar, a Europa "não merece a paz". Em exclusivo à Euronews, assume-se como a melhor opção para quem não se revê em Marques Mendes e insiste que vai à segunda volta.

Com o inverno à porta, o frio chegou em força a Portugal, mas a temperatura na pré-campanha das presidenciais está a subir à boleia da caravana de João Cotrim de Figueiredo. O candidato que entrou na política há apenas seis anos, quando se tornou o primeiro deputado da Iniciativa Liberal no Parlamento, é até ao momento a maior surpresa da corrida eleitoral, tanto pela crescente popularidade nas redes sociais e maioria das sondagens como pela inesgotável confiança que exibe.

A candidatura foi anunciada em meados de agosto numa entrevista televisiva e logo aí marcou o tom, ao defender um Portugal "muito mais moderno", "menos bafiento" e "menos cinzento".

Num dia algo nublado, o atual eurodeputado falou em exclusivo à Euronews para manter bem acesa a luz de um discurso irreverente que o tem tornado um dos protagonistas destas eleições. Junto ao Tejo, a menos de um quilómetro do Palácio de Belém, que deseja transformar no seu local de trabalho ao longo dos próximos cinco anos, garante continuar em maré alta a fazer frente às ondas do voto útil.

Reafirmando que conseguirá passar à segunda volta, Cotrim de Figueiredo pisca o olho aos eleitores do PSD e até aos do PS que não se identificam com os candidatos apoiados oficialmente pelos partidos do centrão. Após uma carreira na gestão de empresas, com passagem pela banca, quer agora ser o administrador não executivo de um país que, segundo o próprio, não está preparado para um futuro exigente.

Além-fronteiras, o ex-líder da Iniciativa Liberal tem atenções centradas no conflito entre a Rússia e a Ucrânia, considerando incompreensível que a União Europeia ainda não tenha mobilizado os ativos russos congelados que servem como garantia para o empréstimo de reparações a Kiev. Nesta entrevista, aborda também o polémico acordo comercial selado entre o bloco dos 27 e os Estados Unidos, bem como a estratégia europeia para reduzir a dependência face à China nas matérias-primas das chamadas terras raras, sem deixar de olhar para a escalada da pressão norte-americana sobre a Venezuela.

João Cotrim de Figueiredo, candidato à presidência da República, SUD Lisboa, 2 de dezembro de 2025
João Cotrim de Figueiredo, candidato à presidência da República, SUD Lisboa, 2 de dezembro de 2025 Bruno Figueiredo, Euronews

As sondagens nas últimas semanas têm apontado um crescente aumento das intenções de voto na sua candidatura, mas a mais recente coloca-o apenas com 3%, o que já o levou a admitir que se pode tratar de um erro propositado. Sente-se neste momento um alvo a abater e, se sim, por quem?

Não me vou vitimizar, disse na altura o que tinha a dizer. Depois de duas ou três sondagens que me punham nos dois dígitos, e na casa dos 12, 13, 14% dependendo da distribuição de indecisos, veio uma que me dá 3% e 5% com distribuição de indecisos. É praticamente um terço. E a pergunta que eu faço é: se tivesse aparecido uma sondagem que me desse o triplo do que eu tinha tido nas outras, questionava-se tecnicamente, certo?

Não vou dizer que sou um alvo a bater. Digo só que, se fosse ao contrário, certamente que se questionava tecnicamente a sondagem
João Cotrim de Figueiredo

Alguém vê isto e não questiona, especialmente uma casa que é conhecida por subestimar os resultados da minha área política? Dizem o quê: "Este candidato não faz mal, ele não vai refilar?". Não faz mal se isto ressuscitar a ideia de que só há três ou quatro candidatos para a segunda volta e que o voto útil é importantíssimo nesta eleição? Não, eu não me vou calar, porque isto ou é um erro técnico, e é grave porque as sondagens, como nós sabemos, fazem clima, fazem discussão, fazem estratégia, no fundo, ou então é um erro que não é técnico, o que ainda é pior. Eu não vou aqui dizer que sou um alvo a abater ou não, digo só que, se fosse ao contrário, certamente que se questionava tecnicamente a sondagem.

É claro que é uma sondagem em urna, presencial, com só 27% de pessoas a responder, e as outras 70 e tal preferiram não responder. Ninguém sabe quem abriu a porta, se a estratificação inicial por região, por NUTS II, por idade, por género, por habitat, como eles chamam ao núcleo populacional, se tudo isso foi mantido com as não-respostas. Essa é a verdade. Do ponto de vista técnico, eu tinha muitas coisas para perguntar, mas não sou eu que tenho de perguntar, são os próprios quando veem o resultado, que é completamente contra aquilo que não só tinham sido as sondagens anteriores, mas contra aquilo que é o clima de campanha. São os próprios que têm de perguntar. Eu não vou é ficar calado a deixar que achem que isto, para os candidatos, é indiferente, perante uma sondagem que mete outra vez na ordem do dia o voto útil.

Esta candidatura é para ir até ao fim e não é pressionável
João Cotrim de Figueiredo

Quando afirmou que apoiantes de Marques Mendes fizeram pressões para que não avançasse com a candidatura a Belém, referia-se a apoiantes, em geral, ou a pessoas que estão envolvidas diretamente na campanha de Marques Mendes e que são do círculo próximo do ex-líder do PSD?

São pessoas que sei que são apoiantes de Marques Mendes, são pessoas destacadas na vida política portuguesa e eu presumi que viessem mandatadas por Marques Mendes. Marques Mendes teve a ocasião de já esclarecer que não tinha mandatado absolutamente ninguém para o fazer e eu tomo essa informação como boa, e, portanto, desse ponto de vista, só peço que os apoiantes de Marques Mendes percebam, e penso que já perceberam, porque não voltei a ter pressões desse tipo, que esta candidatura é para ir até ao fim e que não é pressionável.

Foi acusado de cobardia pelo diretor de campanha de Marques Mendes na sequência dessas denúncias e o próprio Marques Mendes falou em indignidade. Não seria benéfico para si revelar os nomes das pessoas para clarificar de vez o assunto?

O dramatismo e o vocabulário usados por outras candidaturas dão-me mais ideia de consciência pesada do que propriamente de grande dignidade.

Marques Mendes vale metade do PSD e António José Seguro vale nem metade do PS
João Cotrim de Figueiredo

Nas sondagens publicadas até agora, apesar da tendência geral de crescimento, nunca apareceu perto dos 20% que, por exemplo, o seu mandatário nacional, José Miguel Júdice, estima como o patamar necessário para se alcançar a segunda volta. Continuar a achar que vai passar à fase decisiva destas eleições não é mais fezada da sua parte do que outra coisa?

Eu comecei com 6%, já tive 12% passado um mês. Faltam ainda praticamente dois meses para as eleições. Nunca se viu coisa parecida. Quanto é que tinha o Mamdani dez meses antes de ser eleito mayor de Nova Iorque? Quanto é que tinha Mário Soares seis meses antes de ser eleito presidente da República? Tenho uma oferta particularmente diferenciada, sendo uma eleição aberta com os candidatos dos maiores partidos com muita dificuldade em arregimentar os seus próprios eleitorados. Marques Mendes vale metade do PSD e António José Seguro vale nem metade do PS.

João Cotrim de Figueiredo, candidato à presidência da República, em entrevista à Euronews, SUD Lisboa, 2 de dezembro de 2025
João Cotrim de Figueiredo, candidato à presidência da República, em entrevista à Euronews, SUD Lisboa, 2 de dezembro de 2025 Bruno Figueiredo, Euronews

Já declarou estar convencido de que metade do PSD tende a ir para si. Porquê?

Eu acho que é relativamente óbvio que, quem não está satisfeito com o candidato dessa área política, não tem muitas mais alternativas. Especialmente pelas razões pelas quais não está satisfeito. Vê alguém que é pouco entusiasmante, alguém muito ligado ao sistema, que traz pouca novidade ao sistema político, que não é, de facto, alguém que inspire para a construção de um Portugal mais moderno, e eu, falsas modéstias à parte, acho que consigo ocupar esse território.

Diz ter provado que consegue consistentemente roubar votos ao Chega. Quer dar um exemplo concreto? Segundo os estudos dos politólogos, o Chega é o partido com o eleitorado mais fiel.

Aí baseio-me mais nas muitas mensagens que recebo de jovens do Chega, que reconhecem a atração que têm pelo Chega em determinados aspetos, mas, para as presidenciais, vão votar em mim.

O mandatário nacional da sua campanha, José Miguel Júdice, chegou a admitir, numa segunda volta, votar “sem qualquer dificuldade” ou “estado de alma” em António José Seguro. Isto não é à partida um sinal de fragilidade da sua candidatura?

Ele corrigiu essa afirmação.

Mas, consideradas essas afirmações iniciais, fica a ideia de que o seu mandatário nacional, ao contrário de si, não está 100% convicto de que a sua candidatura possa ir à segunda volta…

Provavelmente foi por isso que ele corrigiu essa afirmação**.**

Na sua campanha, o presidente passa muito tempo a falar de dois ou três temas, e depois é obrigado a assinar uma coisa contra a sua convicção. Há algo de errado neste sistema
João Cotrim de Figueiredo

Em setembro, num evento do Instituto +Liberdade em Peniche, declarou que o presidente da República “devia ter a possibilidade de ter vetos que não fossem ultrapassáveis” pelo Parlamento. O eleitorado não poderá inferir, com base nesta sua defesa de poderes presidenciais alargados, que poderá vir a ser um presidente ideológico e com tendência para se imiscuir na ação governativa?

Perguntaram-me que poderes presidenciais consideraria alterar. E disse até mais do que esses. Já percebi que, em Portugal, não podemos pôr assuntos para discussão sem que seja uma defesa desse tema.

Mas eu repito aqui que vale a pena discutir as coisas, porque, se queremos ter um sistema mais equilibrado, todos concordam que ter dois órgãos de soberania, como a Assembleia da República e o presidente da República, eleitos por sufrágio direto, causa aqui uma potencial tensão de legitimidades democráticas. Ao limite, imaginem eleger uma maioria na Assembleia da República com uma determinada cor e o presidente da República de uma cor totalmente oposta. Ambos sufragados universalmente por uma maioria de portugueses num período de tempo até relativamente próximo.

A ideia era ter um, dois, três vetos por mandato, e de matérias que fossem de consciência ou de extrema importância para a figura do presidente da República
João Cotrim de Figueiredo

Este sistema tem este problema no seu desenho e faz com que os nossos constitucionalistas tenham pensado: “Vamos pôr o poder do lado da Assembleia da República, no sentido em que, se o presidente tiver uma opinião, mas a Assembleia insistir na opinião que teve no diploma submetido ao presidente da República, este é obrigado a promulgar". Eu, independentemente de ser agora candidato ou não, olho para o sistema e digo que isto é pouco equilibrado. Na sua campanha, o presidente da República passa muito tempo a falar de dois ou três temas, e depois é obrigado a assinar uma coisa que é contra a sua convicção e que foi sufragada. Parece-me que há algo de errado neste sistema.

A ideia era, muito cirurgicamente, ter um, dois, três vetos por mandato, e de matérias que fossem de consciência ou de extrema importância para a figura do presidente da República que acabasse por ser eleito.

Esta crise de saúde do presidente da República, que felizmente parece ultrapassada, levanta outras questões. O nosso processo de impeachment ou de substituição não é um processo simples, porque todos os nossos órgãos de soberania, todos os nossos poderes, aliás, têm escrutínio e contrapeso. O presidente da República não tem muito. Tem o contrapeso de ter de ser reeleito passados cinco anos se quiser recandidatar-se. Se assim não fosse, nem isso. E no segundo mandato, tipicamente, não tem, o que talvez explique por que os segundos mandatos são um pouco mais erráticos. Esta discussão já teve uma vantagem. Há pessoas que me dizem que, para esse efeito, não preciso de assinar coisas nos mesmos termos em que vieram da outra vez e me perguntam: “Por que é que não pedes para esses temas uma maioria qualificada de dois terços?”. Não propus nada, gosto que se discuta.

É do mais elementar bom senso que as pessoas detentoras do quarto poder, sujeito a licenças públicas, não se metam em política
João Cotrim de Figueiredo

Tem-se posicionado como o candidato sem medo de “enfrentar os poderosos da economia ou dos média”. Já não foi um desses “poderosos dos média”, quando assumiu as funções de diretor-geral da TVI?

Então uma pessoa não pode ter uma vida profissional? Os poderosos dos média a que me referia são as pessoas que tentam usar a posição que têm nos média para influir na vida política e pública dos outros e forçá-los a tomar decisões que não tomariam de outro modo. Eu não posso é estar a defender um determinado interesse económico e achar que esse interesse económico é mais importante do que a vontade livre politicamente expressa ou politicamente eleita de outros. Isso é que não faz sentido. E não vai encontrar nem meia palavra no meu currículo que vá contra essa posição.

Eu vejo o presidente de um Conselho de Administração de uma televisão a ser apoiante e financiador de uma candidatura…

Está a referir-se a Mário Ferreira?

Estou a referir-me a Mário Ferreira da Media Capital. E vi aquele que era um grande acionista, infelizmente desaparecido, de um outro canal de televisão, de outro grupo de comunicação, a apelar à união em volta de um candidato. Eu acho que é do mais elementar bom senso que as pessoas detentoras do quarto poder, em muitos dos casos, sobretudo em televisão, sujeito a licenças públicas, não se metam em política dessa maneira. Porque senão isto presta-se a todo o tipo de interpretações que já vi feitas.

João Cotrim de Figueiredo, candidato à presidência da República, SUD Lisboa, 2 de dezembro de 2025
João Cotrim de Figueiredo, candidato à presidência da República, SUD Lisboa, 2 de dezembro de 2025 Bruno Figueiredo, Euronews

Disse, há dias, de forma taxativa, que o sistema de saúde em Portugal está corrupto.

E dei exemplos. Era corrupção legal, corrupção moral e corrupção técnica.

Um sistema que não tem os interesses dos doentes alinhados com os interesses dos profissionais de saúde nunca vai funcionar
João Cotrim de Figueiredo

Mas em 2021, a ONG Transparência Internacional já apontava Portugal como o segundo país da União Europeia em que mais se usavam as ligações pessoais e familiares para obter cuidados médicos. Nessa altura era deputado e não ficou conhecido por ser das principais vozes na luta contra a corrupção. Usar agora um discurso anticorrupção, quando é candidato presidencial, não pode soar a eleitoralismo?

Vamos ver o caso de Cortegaça, que tem 3.700 habitantes e onde foram inscritas no SNS 10 mil pessoas. As pessoas receberam dinheiro para fazer essa inscrição e não se deu por nada. É corrupção legal. Receberam dinheiro, vantagem para ato ilícito.

Quando temos médicos a abusar das disposições do SIGIC para fazer cirurgias fora de horas e ao fim de semana, é corrupção moral. Se calhar não há nada de ilegal, mas abusar desta maneira de recursos do SNS, que são escassos, que impedem outros tratamentos de serem feitos, parece uma corrupção moral. Temos uma médica a passar 65 mil receitas de Ozempic e não há um sistema que detete isto? É corrupção técnica. Corrupção não é só aquilo que as pessoas vulgarmente acham que é alguém a receber dinheiro para fazer outras coisas. Corrupção é perversão. É aquilo que já não consegue funcionar porque o sistema não está em condições.

Foi isso que eu quis referir, para chocar, obviamente, as pessoas, porque este sistema, tal como está, e tenho dito isto várias vezes, nunca irá funcionar. Um sistema que não tem os interesses dos doentes alinhados com os interesses dos profissionais de saúde, dentro das instituições de saúde, nunca vai funcionar. Nunca.

[Mariana Leitão] na altura explicou-me o que se tinha passado, não fiquei com enormes dúvidas. Além de que a candidatura é minha, não é da Iniciativa Liberal
João Cotrim de Figueiredo

Mariana Leitão, eleita líder da Iniciativa Liberal em julho, numa convenção presenciada pelo João Cotrim de Figueiredo, trabalhou durante 13 anos, três dos quais como administradora, numa subsidiária portuguesa da Sonangol, empresa petrolífera pública de Angola, que se tornou uma espécie de símbolo da cleptocracia do regime angolano. Sente-se desconfortável com este caso?

Eu não sei se há um caso. Há um trabalho que foi feito para a Sonangol, que tem, de facto, todas as associações que referiu. Preferia que isso não tivesse acontecido, claro, mas foi uma vida profissional que, tanto quanto eu sei, foi limpa e digna. Nunca foi apontado nada de concreto. Aqui já não é só uma questão de presunção de inocência, é uma questão de respeito pelas pessoas. Ela [Mariana Leitão] na altura explicou-me o que se tinha passado, não fiquei com enormes dúvidas. Não gosto do nome Sonangol, não posso dizer mais do que isto. Além de que a candidatura é minha, não é da Iniciativa Liberal. Pelo menos não foi o Sócrates a apoiar-me.

O antigo presidente do CDS, Ribeiro e Castro, insurgiu-se contra a ausência, pelo segundo ano consecutivo, do primeiro-ministro Luís Montenegro das cerimónias do 1.º de Dezembro, o mais antigo feriado civil português ainda em vigor. O chefe do governo devia ter estado nas comemorações da data em que Portugal retomou em pleno a soberania?

Sim, acho que sim. Mas estão a dar ao 1.º de Dezembro uma importância na história de Portugal que, para mim, até é outra. O 1640 só existe e a Restauração da Independência só existe porque a perdemos. E era bom tentar perceber por que razão a perdemos. O mito é que Dom Sebastião morreu e não deixou descendentes, mas havia alternativas à sucessão. Por que é que tivemos de nos entregar aos Filipes? Posso responder, porque a resposta é interessante. Estávamos em crise económica, tínhamos uma dívida brutal, tínhamos uma elite que não cuidava dos interesses do povo e havia gente a passar fome. Quando os governantes perdem a noção das suas responsabilidades e dos problemas que afetam as pessoas, estamos sempre mais perto de perder a nossa soberania do que o contrário. Para mim, a lição do 1.º de Dezembro não é de 1640 mas de 1580, quando entregámos essa soberania. Por isso, participando nessas cerimónias, faria sempre a pedagogia de que o que temos de evitar é perder a soberania, mais do que enaltecer quando a recuperámos.

Pode adiantar-nos o nome de uma das cinco personalidades que vai designar para o Conselho de Estado se for eleito?

Já pensei nisso e tenho um conjunto de pessoas bem identificadas na cabeça, mas não vou dizer.

É a asfixia financeira que está a prejudicar o esforço de guerra ucraniano
João Cotrim de Figueiredo

Na atualidade internacional, há uma grande celeuma à volta do empréstimo de reparações à Ucrânia com os saldos dos ativos russos congelados. A presidente da Comissão Europeia sublinha que esta é uma ideia para avançar, apesar das dúvidas levantadas pelo primeiro-ministro belga em termos dos riscos judiciais da operação. Essa devia ser para si a forma prioritária de financiar Kiev?

Sim, porque é a mais rápida, ou devia ser a mais rápida, não fosse essa abordagem mais temerosa por parte do governo belga, mas não só. Acho que é absolutamente essencial dar à Ucrânia aquilo que mais falta lhe está a fazer nesta altura, que é dinheiro. Mais do que os avanços militares, mais do que o inverno que se aproxima, mais do que o desgaste de quatro anos de guerra, é a asfixia financeira que está a prejudicar o esforço de guerra ucraniano.

Depois de vermos tanta gente durante tanto tempo a bater no peito e a dizer que a Ucrânia está a lutar por nós e pelas nossas liberdades, parece que há muita gente com vontade de os deixar cair. Isto para mim é de uma cobardia difícil de descrever e demonstra a falta de testosterona dos líderes europeus. Enquanto não tivermos essa coragem e não manifestarmos essa vontade de defender os nossos interesses, os nossos valores e aqueles que estão connosco, os tiranos e tiranetes como Putin vão sempre achar que têm via livre para continuar a agressão.

Se a Europa não conseguir mobilizar os ativos russos para ajudar a Ucrânia, não merece a paz
João Cotrim de Figueiredo

Se não houver acordo na cimeira de 18 de dezembro para o empréstimo à Ucrânia com base nos ativos russos, há um plano B, que pode passar por mobilizar dinheiro nos mercados para conceder a Kiev uma subvenção não reembolsável que cubra necessidades financeiras e militares imediatas em 2026. O que lhe parece esta opção?

Colocar essas opções é já dar como adquirido que não vai ser possível mobilizar os ativos russos. E digo-lhe com toda a tristeza, mas também com toda a clareza, que se a Europa não conseguir mobilizar os ativos russos para ajudar a Ucrânia, então, de facto, não merece a paz pela qual tanto tem lutado.

Nas mais recentes negociações União Europeia-Estados Unidos sobre o acordo comercial alcançado no verão, os 27 decidiram não acionar a chamada cláusula de caducidade que poria fim definitivo às reduções tarifárias concedidas por Bruxelas a Washington após cinco anos caso o acordo não fosse renovado. No entanto, o Parlamento deverá defender esse mecanismo. Ursula von der Leyen, querendo prevenir uma nova escalada tarifária, está a ser demasiado cautelosa e a privilegiar a estabilidade em detrimento da competitividade da indústria europeia?

A resposta mais correta é não sei, porque em julho tive a ocasião, até com preocupação, de falar com Maroš Šefčovič, o Comissário para o Comércio, para que ele me explicasse como tinha decorrido a negociação. Depois do que ele me explicou, o acordo nem sequer é tão negativo comparado com outros. É negativo relativamente ao que tínhamos no passado, indesejável claramente, mas, comparado, por exemplo, com o acordo que os britânicos tinham conseguido um mês antes, não era um péssimo acordo. E os pormenores da negociação que ele me descreveu ensinaram-me duas coisas.

Temos de ter a capacidade de ser o bloco económico que domine uma tecnologia da qual os chineses e os americanos venham a precisar
João Cotrim de Figueiredo

Primeiro, que há muitos mais assuntos em cima da mesa do que os meros níveis de tarifas e a pauta aduaneira com cerca de 15 mil linhas que se discutem nestas negociações. E em segundo lugar, que é quase desumano mandar alguém negociar sem absolutamente trunfo nenhum. Maroš Šefčovič estava à mesa com os americanos e não tinha absolutamente nada da Europa de que os americanos dependessem. Nada.

Espero que não haja outra guerra comercial daqui a dois anos, ou três, ou cinco. Mas se houver, nessa altura era bom que estivéssemos à mesa das negociações com alguma tecnologia, alguma capacidade em que o resto do mundo dependesse da Europa. E isso não se compadece nem com aquela falta de vontade e de coragem de que falava a propósito da mobilização dos ativos russos, nem com esta estagnação do crescimento económico. Temos de ter a capacidade de, com o crescimento e com a aposta naquilo que possam ser tecnologias do futuro, sendo a computação quântica a que tem mais potencial, chegar primeiro e ser o bloco económico que domine uma tecnologia da qual os chineses e os americanos venham a precisar. Isso, sim, ajudaria a que a Europa não fosse basicamente ignorada nestas matérias.

A vice-presidente da Comissão, Teresa Ribera, já apelidou de chantagem a estratégia negocial da administração Trump, que admite alterar a abordagem às tarifas sobre o aço e alumínio se a União Europeia reavaliar as regras digitais aplicáveis aos gigantes tecnológicos norte-americanos. Concordaria com uma flexibilização do modelo regulatório europeu no setor digital?

É uma negociação. Tem de se admitir tudo em função do que se quer obter do outro lado. Só se vai ceder se a alternativa for pior. A Europa não tem nada de que os americanos dependam assim tanto. Mesmo quanto ao aço e ao alumínio, os americanos têm a possibilidade de fazer o sourcing mais tarde ou mais cedo em outro sítio. Os europeus dependem das plataformas e de muitas bases de tecnologia digital de empresas americanas e de estruturas americanas, enquanto os americanos não dependem das nossas. Essa é a triste realidade negocial. E acusar os outros de usarem a sua posição negocial a nosso desfavor quando fomos nós que nos deixámos colocar nessa situação de fraqueza, parece-me lamúria de quem, de facto, não fez o trabalho de casa. Seja quem for que vai negociar em nosso nome, tem de ter alguma coisa para conseguir negociar porque senão está ali basicamente à mercê das vontades dos americanos. E já percebemos que os americanos não vão ter os interesses europeus em conta durante muito tempo.

Temos de pensar no que preferimos: estar na mão dos chineses relativamente às terras raras ou ter consequências ambientais. São escolhas
João Cotrim de Figueiredo

A Europa está numa corrida contra o tempo para pôr em prática uma estratégia de segurança económica e reduzir a dependência face à China nos materiais das terras raras, fundamentais para as indústrias da defesa, automóvel e das energias limpas. Que caminho é que os europeus devem seguir?

A Europa fez o que Portugal está a fazer, ou seja, não olhar para a frente, não pensar no que existe hoje e no que vai suceder daqui a cinco anos. Dou-lhe um exemplo. Qual é a maior dependência, em termos de produção de antibióticos, da Europa? Taiwan. O que é que vai acontecer se Taiwan, por acaso, vier a ser sujeito a uma tentativa de anexação por parte da China? Estamos preparados? Não parece um cenário assim tão impossível, certo? Durante anos, sabíamos que estávamos a depender, 70, 80, 90% do funcionamento mundial de terras raras. Nós temos terras raras na Europa. Não estamos é disponíveis para pagar o preço ambiental que a extração implica. Temos de pensar no que preferimos: estar na mão dos chineses relativamente às terras raras ou ter consequências ambientais. São escolhas. E se alguém acha que vai para a política para tomar opções fáceis, acho que está na profissão errada.

Sem recursos económicos, nós não vamos ter nem capacidade militar para resistir aos tiranetes, nem capacidade de sustentar o Estado Social, nem capacidade de concorrer economicamente. Querem maior receita da desgraça?

João Cotrim de Figueiredo, candidato à presidência da República, SUD Lisboa, 2 de dezembro de 2025
João Cotrim de Figueiredo, candidato à presidência da República, SUD Lisboa, 2 de dezembro de 2025 Bruno Figueiredo, Euronews

Que preocupações é que uma invasão terrestre da Venezuela por parte dos Estados Unidos lhe levanta?

Temos meio milhão de portugueses na Venezuela, e a minha preocupação é que, aconteça o que acontecer, as pessoas não sejam prejudicadas de uma forma irreversível. Acho bem que o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o presidente da República tivessem tentado perceber exatamente as intenções americanas relativamente àquilo que eles designam por “ações terrestres” na Venezuela e de que forma é que isso poderia afetar os portugueses ou lusodescendentes que lá estão.

Já saíram oito ou nove milhões de venezuelanos da Venezuela desde há dez anos. Não vejo ninguém a falar disso. Por muito ditatorial que seja um regime, isso não significa que possamos cometer violações do direito internacional.

A equiparação de narcotráfico a terrorismo não me parece uma coisa excessiva aos níveis que se verificam hoje
João Cotrim de Figueiredo

Agora, a Venezuela transformou-se num narcoestado ou não? Com toda a probabilidade, sim. Os narcoestados e o narcotráfico são ou não são uma das maiores ameaças à democracia com o seu poder económico para, às vezes, comprar países inteiros? Podem comprar Estados, estruturas dentro do Estado. A Guiné-Bissau, por exemplo, está a transformar-se num narcoestado. Depois da primeira década deste século em que teve problemas sérios de ser um canal de droga colombiana, parece que está a voltar a esses tempos, e isso provavelmente está na origem do golpe de Estado da semana passada.

A equiparação de narcotráfico a terrorismo não me parece uma coisa excessiva aos níveis que se verificam hoje. A título de reflexão, isto não é uma proposta: será que, relativamente a uma ameaça terrorista, com potencial de supressão da democracia, nós temos ou não temos a obrigação de estancá-la e eliminá-la antes que ela se torne forte demais? Há aqui uma ameaça específica ao sistema democrático. O direito internacional veda-me várias opções, e bem, mas depois há consequências péssimas. Vou deixar que uma ameaça cresça só para bater no peito e dizer, “eu nunca pus o pé em ramo verde em termos de direito internacional", e deixaria que a ameaça se tornasse absolutamente incontrolável? A História vai julgar-me como?

Outras fontes • Imagem: Bruno Figueiredo

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