À medida que a utilização dos medicamentos GLP-1 se dissemina, os carrinhos dos supermercados ficam mais leves e as companhias aéreas vão poupar combustível. Mas, na Dinamarca, o PIB vai cair.
A Dinamarca reduziu recentemente para metade a previsão de crescimento económico para 2025, na sequência de um abrandamento da Novo Nordisk, a fabricante dos medicamentos para a diabetes Ozempic e Wegovy, que se tornaram populares entre aqueles que pretendem perder alguns quilos rapidamente.
A redução da previsão de crescimento de 3% para 1,4% deve-se, em grande parte, a expetativas mais fracas para a farmacêutica, depois de um crescimento de 3,7% no ano passado, devido a um grande impulso das exportações de produtos farmacêuticos.
A queda está parcialmente ligada à acumulação do stock, bem como ao aumento da concorrência no mercado da perda de peso, incluindo uma queda nas exportações para os Estados Unidos no início deste ano.
O medicamento mais badalado do mundo tem o poder não só de fazer subir as cotações das ações de uma empresa, mas também de influenciar diretamente os rendimentos, fluxos comerciais e receitas fiscais de um país inteiro.
Durante dois anos, a Dinamarca foi o exemplo da economia do GLP-1.
GLP-1 significa peptídeo semelhante ao glucagon 1, uma hormona natural que é libertada pelo intestino depois da refeição e que regula o açúcar no sangue e o apetite, evitando picos súbitos de açúcar no sangue.
Estes medicamentos, como o Wegovy e o Ozempic, imitam os efeitos da hormona em pessoas com diabetes de tipo 2, quando o corpo deixa de produzir insulina naturalmente. Desta forma, reduzem a produção de açúcar pelo fígado, abrandam a digestão e promovem a saciedade.
Os efeitos de saciedade, juntamente com a redução da inflamação relacionada com a insulina, permitiram a perda de peso, mesmo em pessoas sem diabetes, levando a relatos de resultados impressionantes de celebridades e de pessoas que lutam com problemas de peso a longo prazo.
O boom do GLP-1
Em 2023, a Danmarks Statistik afirmou sem rodeios que, sem as vendas de produtos farmacêuticos, a economia teria registado uma ligeira contração. Mas, em vez disso, o PIB cresceu 1,8%. Esta extraordinária concentração de lucros é a razão pela qual um abrandamento de única empresa pode agora retirar pontos percentuais às perspetivas do país.
Esta nova previsão reflete expectativas mais fracas para a Novo Nordisk e um abrandamento das exportações, após um período de sucesso. A concorrência da norte-americana Eli Lilly, as restrições de fornecimento e a pressão sobre os preços arrefeceram esta expansão, enquanto as novas tarifas impostas pelos Estados Unidos limitam as exportações para um dos maiores mercados de Ozempic.
Ao mesmo tempo, Wall Street tem estado a prever uma história diferente, a mais longo prazo, para as grandes economias. Nomeadamente, se a adoção do GLP-1 pela indústria da saúde crescer, a produtividade e os padrões de consumo podem mudar de forma a aumentar o produto interno bruto (PIB).
A Goldman Sachs estima que os medicamentos, por si só, poderiam aumentar o PIB dos EUA em cerca de 0,4% e em mais de 1% num cenário de elevada absorção. Isto acontece numa altura em que as agências de saúde registam um menor número de doenças relacionadas com a obesidade, uma maior participação da população ativa e uma reorientação dos consumidores para produtos mais saudáveis.
"A saúde precária subtrai mais de 10% ao PIB dos Estados Unidos devido à perda de trabalho por doença e incapacidade, mortes prematuras e prestação de cuidados informais, estimam os nossos investigadores", afirma um relatório da Goldman Sachs de março de 2024.
Para além de reduzirem as probabilidades de obesidade, os agonistas GLP-1 têm mostrado resultados promissores para as pessoas que sofrem de problemas cardíacos, tensão arterial e doenças renais, entre outros.
O diretor-executivo da Walmart disse, em 2023, que os cabazes de compras dos utilizadores de GLP-1 continham "menos unidades, ligeiramente menos calorias" e "um ligeiro recuo no cabaz geral".
Até a aviação entrou nesta conversa. Os analistas estão a calcular o impacto do peso médios de passageiros mais baixo na queima de combustível, se a absorção destes medicamentos se mantiver elevada.
Uma estimativa frequentemente citada sugere que as principais companhias aéreas norte-americanas poderiam poupar cerca de 80 milhões de dólares (68,3 milhões de euros) por ano se o passageiro médio fosse cerca de cinco quilos mais leve. Embora estas poupanças sejam hipotéticas, elas refletem o quão generalizados são os efeitos de um medicamentos como o Ozempic no mercado.
Um mercado em constante crescimento
A Morgan Stanley estimou, em maio, que o mercado global de medicamentos contra a obesidade poderia atingir 150 mil milhões de dólares (128 mil milhões de euros) até 2035, contra uma previsão anterior de 105 mil milhões de dólares (89,7 mil milhões de euros).
De facto, a Morgan Stanley previu uma taxa de adoção generalizada não muito diferente da "introdução dos smartphones", com 11% da população global elegível de 1,3 mil milhões de pessoas a tomar alguma forma de agonista GLP-1 até 2035, incluindo 20% dos doentes elegíveis nos Estados Unidos e 10% noutros países.
Atualmente, a taxa de adoção é de cerca de 3% nos Estados Unidos e de apenas 1% noutros países. Os Estados Unidos são mesmo o maior mercado mundial de medicamentos para a obesidade, com cerca de 8 milhões de doentes. Um número que pode aumentar para 30 milhões em 2035.