Os investidores de impacto - que representam o mercado com fins lucrativos, com um valor aproximado de 1,57 biliões de dólares a nível mundial - reuniram-se esta semana em Malmö, na Suécia, para analisar as tendências emergentes no setor, incluindo a IA e a defesa.
Transformar os excedentes de pão em massa ou utilizar a tecnologia para prestar cuidados de saúde nas zonas rurais. Estas são apenas duas das milhares de ideias de empresas europeias que estão a ter um impacto real nas pessoas e no planeta. Embora o capital de risco tradicional possa hesitar, os investidores de impacto dedicados estão a intervir, valorizando os resultados sociais e ambientais a par dos retornos financeiros.
A nível mundial, estão a ser mobilizados milhares de milhões para investimentos de impacto, incluindo fundos públicos e capital privado. De acordo com a Impact Europe, uma rede de investidores do bem, os investimentos privados diretos e indiretos atingiram 190 mil milhões de euros até ao final de 2024, mais do dobro do valor de 2022. A nível mundial, os investimentos de impacto podem valer até 1,57 biliões de dólares, de acordo com a Global Impact Investing Network.
Os investidores que investem com objetivos que superam o lucro são de todas as formas e dimensões. Têm diferentes apetências e objetivos em termos de risco, apoiando tudo, desde esquemas de energia limpa e habitação a preços acessíveis a empresas que melhoram o acesso aos cuidados de saúde ou à educação. Mas partilham um requisito: o impacto do seu dinheiro deve ser mensurável.
Os investidores mais jovens estão cada vez mais virados para o futuro e determinados a construir uma economia resiliente e sustentável para o futuro.
IA: amiga ou inimiga?
A IA foi um dos temas mais debatidos na Cimeira de Impacto de Malmö, realizada na Suécia, onde se reuniram centenas de investidores de impacto - desde fundações e fundos de pensões a bancos de desenvolvimento, instituições de caridade e indivíduos abastados.
Nos últimos anos, a inteligência artificial emergiu como uma ferramenta poderosa para aumentar as iniciativas sociais - melhorando a medição do impacto, aumentando a eficiência e direcionando o financiamento de forma mais eficaz.
No entanto, a IA também requer uma grande quantidade de energia, o que representa um compromisso climático para alguns investidores de impacto focados na sustentabilidade.
Os centros de dados, a espinha dorsal da IA, já consumiram cerca de 415 terawatts-hora (TWh) de eletricidade em 2024, ou seja, aproximadamente 1,5% da procura global, de acordo com a Agência Internacional da Energia. Até 2030, a utilização global de eletricidade pelos centros de dados poderá mais do que duplicar.
As conversas sobre como mobilizar a IA e os desenvolvimentos tecnológicos para servir as pessoas e o planeta dominaram muitos painéis da cimeira.
"Há um campo realmente emergente que também é chamado de 'IA para o bem', onde vemos modelos de negócios baseados em IA ou relacionados à IA que podem analisar rapidamente grandes volumes de dados e, em seguida, também desenvolver modelos que podem criar um impacto social direto e mensurável", disse Markus Freiburg, que será presidente a partir de 2026 do Impact Europe.
A tecnologia de IA faz cada vez mais parte de novas iniciativas. De acordo com os dados mais recentes do último relatório State of Impact da Dealroom, as empresas em fase de arranque que utilizam tecnologia de IA para fornecer energia limpa e acessível estão a atrair o maior investimento, em especial as que aplicam IA ao comércio e monitorização de energia.
Setores em voga no investimento de impacto
Globalmente, os projetos relacionados com a ação climática têm atraído a maioria dos investimentos de impacto, de acordo com o relatório State of Impact. Entre 2019 e 2025, no acumulado do ano, estes ascenderam a mais de 234 mil milhões de dólares (203,2 mil milhões de euros), embora os fluxos de entrada tenham vindo a abrandar.
O domínio denominado "AI for Good", que utiliza a inteligência artificial nos vários domínios dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, está a suscitar um interesse crescente, enquanto as empresas que melhoram o acesso a materiais sustentáveis também estão a ganhar força entre os investidores de impacto.
A energia acessível e a criação de cidades sustentáveis foram os dois setores mais atraentes nos últimos seis anos. Os participantes na cimeira concordaram que a independência energética se tornou um dos setores mais procurados.
Por outro lado, as áreas de investimento de impacto que estão a enfrentar dificuldades incluem as soluções de segurança alimentar e as startups circulares (novas empresas que visam reduzir o desperdício, reutilizar recursos e ajudar a restaurar a natureza).
De acordo com Freiburg, as empresas em áreas sociais, incluindo "educação, temas de emprego ou temas de saúde e cuidados", também estão a atrair muito menos financiamento.
Poderá a defesa qualificar-se para o investimento de impacto?
Há cada vez mais conversas sobre um tema sensível: se o financiamento da defesa pode ser considerado um investimento de impacto.
As tendências mais recentes mostram uma maior apetência "pela IA e pela tecnologia de defesa, que não são naturais no mundo dos investidores de impacto", afirmou Freiburg.
Muitos participantes na cimeira concordaram que a tecnologia que pode ser utilizada numa guerra, mesmo para fins de defesa, não deve ser considerada parte do setor do investimento de impacto. Mas outros perguntaram onde é que a linha deve ser traçada numa altura de tensões geopolíticas acrescidas, em que a segurança e o bem-estar dos cidadãos estão em jogo.
De acordo com o relatório "State of Impact", o setor do investimento de impacto "encara cada vez mais a sustentabilidade e o impacto através das lentes da segurança nacional, da resiliência económica e da independência", marcando uma mudança em relação a uma agenda outrora orientada para os desafios ambientais e sociais e para a inovação.
Os investigadores observaram que os investimentos em setores e empresas que trabalham com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável estão a diminuir em 2025, enquanto as start-«ups de tecnologia da paz e de defesa estão a ganhar ímpeto.
Entre as empresas beneficiárias contam-se as que combatem as vulnerabilidades das cadeias de abastecimento de materiais críticos, essenciais para produtos como os automóveis e os semicondutores. Algumas destas empresas estão a utilizar a IA para ajudar a obter estes materiais.
Quais são os desafios que o setor tem pela frente?
O investimento de impacto está a aumentar, mas o setor ainda representa apenas uma pequena parte do poder financeiro da Europa. A Impact Europe estima que os investimentos de impacto representam apenas 2,5% de todos os ativos no continente.
Ao mesmo tempo, apenas 17% dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU estavam no bom caminho em 2024, sendo ainda necessários mais de 4 biliões de euros por ano a nível mundial para os cumprir até 2030.
Freiburg aponta para os dois maiores desafios do continente - as alterações climáticas e o aprofundamento das desigualdades sociais, a par da crescente pressão sobre as instituições democráticas. Para os enfrentar, defende, a Europa terá de explorar todo o potencial dos seus inovadores.
A apetência dos investidores está certamente a mudar. Existe "um forte interesse em envolver-se mais no investimento de impacto", afirmou Freiburg, com os fundos de pensões e os gabinetes familiares a afetarem cada vez mais capital a este domínio. No entanto, para aumentar essa dinâmica, ele acredita que as ferramentas de redução de riscos serão essenciais.
Uma dessas ferramentas é o capital catalítico - financiamento utilizado quando um projeto tem um forte potencial de impacto, mas é demasiado precoce ou demasiado arriscado para os investidores convencionais. O capital catalítico pode absorver perdas, oferecer empréstimos a juros baixos ou prestar garantias, reduzindo o risco para os investidores comerciais.
A dinâmica está também a crescer entre os maiores atores institucionais da Europa. Os fundos de pensões de países como os Países Baixos e a França estão a explorar a possibilidade de afetar até 10% das suas carteiras ao impacto, observou Freiburg. Para a Impact Europe, este facto assinala uma aceitação crescente do investimento de impacto, à medida que o mercado se vai tornando mais popular.