Quando as políticas de migração nacionais entram em conflito com o direito europeu

Posto de controlo "Kuznitsa" na fronteira Bielorrússia-Polónia
Posto de controlo "Kuznitsa" na fronteira Bielorrússia-Polónia Direitos de autor Maxim Guchek/BelTA via AP
De  Ophélie BarbierOcéane Duboust
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Vários países europeus tomaram medidas drásticas para impedir o afluxo de migrantes e requerentes de asilo dentro das suas fronteiras, mas o Tribunal Europeu de Justiça está a acompanhar de perto essas políticas.

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Alguns governos europeus têm adotado uma linha cada vez mais dura em matéria de políticas de migração e asilo nos últimos anos. Mas têm sido travados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

O último país a ter divergências com o principal tribunal da Europa foi o Reino Unido, cujos planos de transportar requerentes de asilo para o Ruanda ao abrigo de um controverso acordo de 140 milhões de euros com o país centro-africano foram suspensos no último minuto do dia 15 de Junho.

O número de travessias do Canal da Mancha em pequenas embarcações aumentou acentuadamente de menos de 2 mil pessoas em 2019 para mais de 28 mil em 2021, de acordo com dados do governo britânico.

Entretanto, quase 200 mil pessoas entraram ilegalmente no espaço Schengen no ano passado, de acordo com dados preliminares da Frontex, a agência de fronteiras externas da UE. Este é o número mais elevado desde 2017 e reacendeu uma discussão acesa em todo o bloco sobre a forma de lidar com este afluxo.

Reino Unido e a Dinamarca querem realojar os requerentes de asilo

Para reduzir o número de migrantes que chegam ao seu solo, o Reino Unido assinou um acordo com o Ruanda, em abril de 2022, que prevê que o país centro-africano acolha requerentes de asilo e migrantes que tenham chegado ilegalmente ao Reino Unido durante cinco anos, em troca de 140 milhões de euros.

O acordo foi fortemente criticado pela oposição e pelas ONG que assistem os migrantes e os requerentes de asilo e o primeiro avião Londres-Kigali inicialmente destinado a transportar 130 pessoas foi parado à última hora pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

O Ministro do Interior britânico já disse que o Reino Unido "não será dissuadido" e que a "equipa jurídica do governo está a rever todas as decisões tomadas e os preparativos para o próximo voo começam agora".

AP Photo/Frank Augstein
Manifestante à porta do Tribunal de Justiça em LondresAP Photo/Frank Augstein

Outro país europeu que procura deslocar os processos de asilo é a Dinamarca, onde foi aprovada uma lei, em junho de 2021, para permitir o transporte de migrantes e requerentes de asilo para países terceiros, incluindo o Ruanda. Ainda não se realizaram quaisquer voos.

O reino tem uma das posições de imigração mais duras da Europa. De acordo com a OCDE, a Dinamarca concedeu asilo a cerca de 1.500 pessoas em 2019. A Suécia, com o dobro da população, acolheu mais de 6.100 pessoas.

Enquanto alguns Estados procuram deslocar os migrantes dos seus territórios, outros países europeus procuram bloquear os migrantes antes mesmo de estes chegarem ao seu solo.

O que diz o direito internacional

A situação dos migrantes e dos requerentes de asilo é regida por vários textos.

Tania Racho, doutorada em Direito Europeu e membro dos grupos Les surligneurs e Désinfox Migrations, cita, em particular, a Convenção de Genebra. 

Adotada em 1951, "define o estatuto de refugiado e prevê a não repatriação destas pessoas na fronteira, a fim de examinar o seu pedido, quando o seu país de origem já não as pode proteger", explicou Racho.

De facto, o texto afirma que um refugiado não pode ser expulso ou reenviado "se a sua vida estiver ameaçada devido à sua religião, nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opinião política".

A Declaração Universal dos Direitos do Homem também declara que "todas as pessoas têm o direito à liberdade de circulação e residência dentro das fronteiras de cada Estado", e que "todas as pessoas têm o direito de procurar e usufruir noutros países de asilo contra perseguições".

Para Tania Racho, a grande maioria dos que chegam à Europa e ao Reino Unido não são migrantes económicos, como é frequentemente afirmado. Em vez disso, argumentou, estes "requerentes de asilo, potenciais refugiados, estão a fugir porque são perseguidos no seu próprio país. A lógica indica que um futuro refugiado partiu à força e não teve tempo de se organizar com documentos de identidade".

"A chegada numa situação regular é uma situação minoritária", sublinhou.

Szilard Koszticsak/MTI via AP
Viktor Orban e Andrej Babis na fronteira húngaro-sérviaSzilard Koszticsak/MTI via AP

Políticas de migração cada vez mais rigorosas

A Hungria, que deportou mais de 2.800 requerentes de asilo perto da fronteira sérvia em 2021, foi repetidamente condenada pelos tribunais europeus pelas suas políticas de asilo. No ano passado, o Tribunal dos Direitos do Homem rejeitou a chamada lei "Stop Soros" da Hungria, que impede os migrantes de pedirem asilo se saíram de um país onde as suas vidas não estejam em risco.

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A lei, que data de 2018, também torna o apoio aos requerentes de asilo uma infração penal. Mas Viktor Orbán optou por desafiar a União Europeia. Ao recusar-se a cumprir a decisão do Tribunal Europeu, a Hungria enfrenta multas muito pesadas.

Alguns países estão empenhados em outras estratégias. É o caso da Polónia, que em janeiro começou a construir uma vedação na sua fronteira com a Bielorrússia para bloquear os migrantes. O muro está equipado com câmaras e detetores de movimento, que os guardas de fronteira utilizam para impedir o contrabando.

Contudo, as estratégias dos Estados que procuram conter os fluxos migratórios a partir dos seus territórios nem sempre funcionam. A Eslovénia inverteu mesmo a sua política migratória, removendo a vedação de arame farpado na sua fronteira com a Croácia. Para o governo, a vedação não estava a alcançar o seu objetivo: desencorajar aqueles que atravessam a fronteira.

Tania Racho recorda que "o exílio, por si só, já é traumático". Ou seja, há um trauma gerado pela partida da pessoa, ao qual se junta o trauma do exílio, porque é uma viagem difícil (...) e se as pessoas partirem de novo, correm o risco de gerar novos traumas".

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