Estado da União: Promessas, antigas e novas, esperadas no discurso

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De  Alice Tidey
Ursula von der Leyen é a terceira líder do executivo europeu a fazer este tipo de discurso
Ursula von der Leyen é a terceira líder do executivo europeu a fazer este tipo de discurso   -  Direitos de autor  AP Photo - Virginia Mayo

Quando Ursula von der Leyen estiver tribuna do hemiciclo do Parlamento Europeu, em Estrasburgo (França), na quarta-feira, para proferir o seu discurso anual sobre o Estado da União, falará de uma União Europeia que está a viver tempos muito diferentes dos que se viviam há um ano.

Nessa altura, a União Europeia tinha uma taxa de vacinação COVID-19 mais elevada do que o Reino Unido ou os EUA, e a economia estava a recuperar do torpor induzido pela pandemia. A incerteza parecia estar a diminuir e o presidente da Comissão Europeia disse aos parlamentares que iria trabalhar em cinco áreas-chave.

Estas incluíam o aumento das doações de vacinas da COVID-19 em todo o mundo e o reforço da resposta do bloco a futuras crises sanitárias, assegurando o respeito pelo Estado de direito na União, impulsionando os esforços para enfrentar as alterações climáticas, desenvolvendo uma estratégia de defesa comum da UE na sequência de evacuações atropeladas do Afeganistão, e implementando uma abordagem mais coordenada à migração.

Apenas cinco meses após esse discurso, a Rússia lançou uma guerra em grande escala contra a vizinha Ucrânia, criando enorme incerteza e deixando os Estados-membros a braços com um triplo leque de crises: energia, custo de vida e refugiados.

O que é que a Comissão apresentou no último ano?

"A Comissão pode ter os seus planos, mas é claro que precisa de responder à realidade. E a realidade foi muito dinâmica nos últimos 12 meses", disse Pawel Zerka, analista do Conselho Europeu das Relações Externas (ECFR), à euronews.

"Por isso, não sei se podemos avaliar a Comissão limitando-nos a verificar se cumpriu os planos que estabeleceu há 12 meses", acrescentou.

Mas os peritos dizem que o executivo da UE conseguiu cumprir muitas das suas promessas do último discurso.

"Penso que a COVID-19 vai ser considerada como uma das maiores histórias de sucesso da União Europeia nos próximos anos", disse Camino Mortera-Martinez, do Centro para a Reforma Europeia (CER).

A Comissão encomendou mais doses das vacinas para enfrentar novas ondas de COVID-19, e a sua Autoridade de Preparação e Resposta de Emergência Sanitária (HERA) está agora a funcionar. Aprovou também os planos de recuperação de 26 Estados-membros no âmbito do seu programa emblemático Próxima Geração UE, que visa tornar o bloco mais ecológico, digital e resistente através de um envelope de 806,9 mil milhões de euros.

Em matéria de Estado de direito, lançou um novo mecanismo que abre a porta a punições financeiras contra os Estados-membros que vão contra os valores fundamentais da UE.

Em matéria de defesa e política externa, a UE chegou a acordo sobre um Compasso Estratégico - um documento há muito em elaboração - que estabelece uma visão comum de quem são os aliados e adversários do bloco e que prevê uma Força de Reação Rápida comum de cinco mil militares.

Os dramáticos acontecimentos na Ucrânia levaram entretanto a Comissão a propor o estabelecimento de uma plataforma conjunta de aquisição de armas para satisfazer as necessidades militares mais urgentes dos Estados-membros, uma vez que doam as suas reservas ao governo de Kiev.

Promessas não cumpridas?

A invasão da Ucrânia acelerou a crise energética, uma vez que o governo russo reduziu progressivamente o fornecimento de gás nos últimos meses para retaliar contra as sanções da UE.

Confrontados com a perspetiva de uma possível escassez de eletricidade durante os meses cruciais de inverno, e com as famílias e empresas receando que as contas de energia os empurrem para a pobreza, alguns Estados-membros reiniciaram centrais alimentadas a carvão.

"Bruxelas não perdeu o rumo só por causa disso, mas não sei se a UE conseguirá manter as suas ambições num contexto tão difícil, quando os europeus já não podem contar com o gás natural da Rússia", declarou Zerka.

Outro tema problemático é o da migração. Os Estados-membros do Sul estão a lidar com a maior parte das chegadas irregulares e os planos para uma maior solidariedade europeia e as quotas obrigatórias estão a avançar lentamente com os países de Leste, que se opõem fortemente. 

Dado que a Polónia e a Hungria acolheram milhões de refugiados ucranianos, é provável que pedir-lhes que contribuíssem mais neste momento seria complicado.

Os planos de reforma das regras fiscais da UE para permitir que os Estados-membros tenham mais margem de manobra quando lidam com crises também descarrilaram. 

Mortera-Martinez diz que é compreensível que a Comissão não tenha conseguido levá-lo a cabo: "Ninguém esperava ter uma inflação tão elevada como a que temos neste momento. Portanto, os instrumentos para lidar com isso não são a expansão fiscal por razões óbvias".

A UE respondeu à guerra da Rússia na Ucrânia com uma série de pacotes de sanções que visam a economia da Rússia e a capacidade de obter produtos tecnológicos no estrangeiro.

Paralelamente, aprovou pacotes de apoio à economia da Ucrânia e prestou assistência humanitária. Deu também apoio político ao estatuto de candidato oferecido à Ucrânia e à vizinha Moldávia.

"A Comissão e a própria Ursula von der Leyen têm sido um dos principais vencedores desta guerra até agora", disse a analista Mortera-Martinez.

O que esperar do discurso deste ano

A Ucrânia, a energia e o custo de vida irão, provavelmente, figurar em destaque no discurso da chefe da Comissão, dizem os peritos.

Os temas do alargamento da UE e da Comunidade Política Europeia - uma entidade paralela que permite aos países terceiros terem laços mais estreitos com o bloco, com ou sem uma via de adesão - devem também ser incluídos.

Isto poderia levar von der Leyen a renovar o seu apoio à alteração do tratado, disse Mortera-Martinez.

Finalmente, a geopolítica deverá ser o outro grande tema. Von der Leyen tem defendido uma UE mais poderosa na cena mundial e os acontecimentos dos últimos meses reforçaram isso.

Mas embora a maior parte da atenção esteja na relação do bloco com a Rússia, os peritos esperam que a China também receba uma menção.

"Penso que este o próximo desafio que a Europa vai ter é como dissociar-se da China. Vai ser uma enorme preocupação", acrescentou o perito do CER.