Qual é o pior cenário para este inverno a nível energético?

A indústria com dependência mais intensiva de energia, como a vidreira, está a ter grandes dificuldades
A indústria com dependência mais intensiva de energia, como a vidreira, está a ter grandes dificuldades Direitos de autor Thibault Camus/AP Photo
De  Lauren ChadwickIsabel Marques da Silva
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Um aumento da procura europeia, mas também asiática, de gás devido às condições meteorológicas poderia criar mais concorrência ns importações de GNL e fazer subir, novamente, os preços.

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Os governos europeus estão a preparar-se para este inverno, não havendo muito espaço para evitar o pior cenário de escassez de energia, e até mesmo apagões, uma vez que o continente enfrenta uma crise energética aguda.

"É possível que os países europeus não tenham gás suficiente para passar o inverno, especialmente se a Rússia cortar ainda mais o abastecimento energético", disse Jaume Loffredo, um alto responsável pela política energética da Organização Europeia do Consumidor.

Embora os preços do gás tenham caído, recentemente, devido a temperaturas anormalmente quentes para a época, a um alto nível de armazenamento e a uma procura inferior ao normal, uma vaga de frio no inverno poderia, rapidamente, causar problemas.

"É como caminhar sobre um arame entre dois edifícios muito altos. Há um caminho que nos leva de um lado para o outro, mas não há muita margem para erros", disse Jack Sharples, investigador do Instituto de Estudos Energéticos de Oxford.

Eis um olhar sobre a razão pela qual os governos têm instado os consumidores a reduzir a procura e os piores cenários que se estão a preparar para este inverno.

O gás como uma arma política

A Europa enfrenta duas crises que estão interligadas: uma crise do gás e uma crise da eletricidade.

A Rússia, que era o principal fornecedor de gás da Europa, cortou os fornecimentos em retaliação pelas sanções da União Europeia (UE) por causa da guerra na Ucrânia. As importações de gás de outros fornecedores, tais como a Noruega e a Argélia, chegaram à capacidade máxima e não há muito espaço de manobra em caso de problemas imprevistos.

"A segurança do abastecimento de gás da Europa enfrenta um risco sem precedentes, à medida que a Rússia intensifica a sua utilização do gás natural como arma política", advertiu a Agência Internacional de Energia, num relatório, no início de Outubro.

O gás foi responsável por cerca de 20% da produção de eletricidade da UE, em 2020, enquanto cerca de metade do gás consumido na Europa é utilizado para aquecimento dos interiores durante o inverno.

O fornecimento de eletricidade na Europa também foi afetado pela seca e pelas ondas de calor durante o verão, que causaram problemas com a produção de energia hidroeléctrica e as centrais nucleares francesas.

Os países da UE concordaram em reduzir a procura de gás em 15% e estabelecer objetivos de poupança de eletricidade durante as horas de pico de consumo, como parte das medidas de emergência. Estão, também, a trabalhar para controlar os preços elevados, na esperança de aliviar a situação nos anos vindouros.

Um aumento da procura europeia, mas também asiática, de gás devido às condições meteorológicas poderia criar mais concorrência ns importações de GNL e fazer subir, novamente, os preços. Se os preços elevados não resultarem em menor procura, poderá ser necessártio um racionamento de gás.

Anne-Sophie Corbeau, analista no Centro sobre Política Energética Global da Universidade de Columbia, disse que a Europa "deve ficar bem se o inverno não for muito frio, se o GNL continuar a fluir basicamente aos níveis que vimos até agora ", se não houver mais sabotagem de infra-estruturas críticas, se não houver mais problemas com as centrais nucleares.

O que poderia acontecer no pior dos cenários?

"O gás é consumido, principalmente, na indústria, na produção de energia e no aquecimento dos espaços. O aquecimento dos interiores deverá ser o último a ter cortes", disse Sharples.

Isso significa que, se houver muito frio, provavelmente seria feito "um pedido ao sector industrial para reduzir o seu consumo", disse Corbeau.

As indústrias intensivas em termos de energia, tais como a siderurgia, a vidraria ou o setor dos fertilizantes, poderiam receber subsídios para não consumir gás ou eletricidade nas horas de maior procura. Outras unidades industriais poderiam receber apoios para suspenderem, temporariamente, todo o funcionamento.

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Num cenário mais dramático, poderá haver cortes no fornecimento de gás a entidades comerciais, o que significa que as lojas e empresas poderão ter de fechar, disse Sharples.

Os países poderiam, também, ativar uma campanha de informação pública para reduzir a procura por parte dos consumidores. Em França, por exemplo, os consumidores poderiam receber uma notificação para cortar o seu consumo nas horas de pico (de manhã e à noite) através do sistema EcoWatt que mede o consumo de eletricidade em tempo real.

Existem também formas de as empresas de transporte de eletricidade pouparem energia, tais como a redução da voltagem num chamado "brownout".

"Os aparelhos elétricos funcionariam pior do que normalmente, mas, em princípio, continuariam a funcionar", disse o Loffredo da Organização Europeia de Consumidores.

Esta redução na tensão teria um impacto na indústria e não nos consumidores, a empresa pública francesa de electricidade Enedis disse que haveria uma queda de 5% na tensão, que reduziria ligeiramente a potência dos aparelhos eléctricos.

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Os telemóveis poderiam carregar mais lentamente e as lâmpadas, por exemplo, diminuiriam a luminosidade.

No pior dos cenários, os consumidores podem ser confrontados com apagões.

A Enedis, que gere 95% da distribuição francesa de energia eléctrica, disse à euronews que cortes de energia localizados e rotativos só seriam utilizados como "último recurso", algo que não tem acontecido nas últimas décadas.

Isto seria limitado a duas horas por consumidor e é a medida de último recurso.

"O que acontece geralmente noutros países onde os cortes de energia rotativos são normais, como o Paquistão, por exemplo, os consumidores estão a ser notificados antes para que se possam preparar", disse Loffredo.

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O comissário europeu para a Proteção Civil, Janez Lenarcic, disse ao canal alemão RND que se um pequeno número de estados da UE enfrentasse apagões, outros poderiam fornecer geradores de energia.

Cabe aos países da UE decidirem quais as indústrias a priorizar em qualquer cenário de crise, mas a Comissão Europeia emitiu orientações como parte de um plano de redução da procura.

Os grupos de pressão ligados às telecomunicações, por exemplo, instaram recentemente os governos a isentá-los de qualquer apagão para manterem o serviço de Internet e de telemóvel.

Evitar o pior

Os consumidores e as indústrias podem tomar medidas para evitar os piores cenários, incluindo a redução da procura de gás e eletricidade durante as horas de pico, limitando as temperaturas e investindo na eficiência energética, dizem os especialistas.

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"O que é importante agora é que todos os Estados-membros ponham em prática as medidas que irão encorajar os consumidores e remunerá-los para reduzir o consumo durante os períodos de stress, de modo a que possamos evitar o pior cenário", disse Loffredo.

A redução da procura é um dos fatores que pode ser controlado, ao contrário das condições meteorológicas ou do fornecikmento da Rússia.

Corbeau disse que os governos estão, principalmente, preocupados com os aspetos sociais da crise, com os consumidores incapazes de suportar os custos elevados, se esta continuar.

A Alemanha enfrentou um pesado escrutínio sobre um esquema financeiro de 200 mil milhões de euros para ajudar os cidadãos e as empresas a sobreviver à crise energética, com dois comissários a perguntarem como é que os países da UE com economias menos robustas podem apoiar as empresas e os consumidores.

Os manifestantes já saíram à rua nos países da UE por causa do elevado custo de vida, e há mais greves planeadas.

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Agata Łoskot-Strachota, do Centre for Eastern Studies, na Polónia, afirma que um dos grandes desafios na Europa é o "grau de coordenação e solidariedade que serão capazes de manter" ao longo da crise.

"Pode haver problemas e desigualdades na Europa já este inverno", disse, acrescentando que os países poderiam recorrer cada vez mais a medidas mais protecionistas.

Embora este inverno possa não envolver os cenários mais temidos, é provável que estas crises se mantenham durante anos, acrescentou, quando os países europeus tiverem de fazer armazenamento durante o próximo verão.

"Tenho a certeza de que esta é uma crise que poderá durar pelo menos três anos e o próximo ano será muito difícil porque é muito provável que vejamos o armazenamento de gás totalmente esgotado, as reservas de carvão da Polónia totalmente esgotadas, as reservas financeiras dos países, das famílias, a diminuir", disse Agata Łoskot-Strachota.

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