Breve história do tortuoso caminho da Turquia para aderir à União Europeia

A coligação da oposição promete ter uma atitude mais pró-europeia e reclamar o papel do país na cena Ocidental
A coligação da oposição promete ter uma atitude mais pró-europeia e reclamar o papel do país na cena Ocidental Direitos de autor OSMAN ORSAL/AP2006
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De  Jorge LiboreiroIsabel Marques da Silva
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A ambição da Turquia passou por vários altos e baixos desde que a candidatura à União Europeia foi apresentada em 1987. O país de quase 85 milhões de habitantes detém o recorde do mais longo processo de adesão ao bloco e não parece haver desfecho à vista.

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Nenhum país candidato à União Europeia (UE), seja da Europa de Leste ou dos Balcãs Ocidentais, está sequer perto de igualar o longo percurso da Turquia para ser um Estado-membro. O pedido oficial foi feito a 14 de abril de 1987, para fazer parte da então Comunidade Económica Europeia (CEE). 

Após uma sucessão contínua de altos e baixos, promessas e ameaças, tornou-se evidente que a adesão da Turquia é um caso único de política que Bruxelas ainda não consegue gerir.

Para compreender as ambições da Turquia na UE, é preciso recuar até aos tempos de Mustafa Kemal Atatürk, o líder revolucionário que resistiu à divisão do país após a Primeira Guerra Mundial e obrigou os Aliados vitoriosos a negociar condições favoráveis no âmbito do Tratado de Lausana.

Este facto abriu caminho à proclamação da República da Turquia, a 29 de outubro de 1923, com um sistema parlamentar de partido único e um Presidente, o próprio Atatürk. O chefe de Estado lançou uma série intensa e rápida de reformas para construir um país moderno e ocidentalizado.

No espaço de uma década, a recém-formada república assistiu à abolição do Califado, à introdução de um alfabeto de escrita latina, a uma série de leis de inspiração europeia, a mudanças drásticas nos códigos de vestuário e a promulgação do secularismo na Constituição.

A transformação radical deu os seus frutos. Em 1949, a Turquia foi um dos primeiros países a aderir ao Conselho da Europa, a organização de defesa dos direitos humanos sediada em Estrasburgo (França). Em 1952, tornou-se membro da NATO, a aliança militar transatlântica criada em oposição direta à União Soviética.

"A Turquia faz parte da Europa. É um acontecimento sem paralelo na história da influência exercida pela cultura e pela política europeias. Diria mesmo que sentimos nele um certo parentesco com o mais moderno dos desenvolvimentos europeus: a unificação da Europa.
Walter Hallstein
Presidente da Comissão da CEE, setembro de 1963

Nessa altura, Ancara já estava de olhos postos no projeto nascente de integração europeia na Europa Ocidental. Em 1959, o país pediu para se tornar membro associado da Comunidade Económica Europeia (CEE), pedido que lhe foi concedido quatro anos mais tarde.

"A Turquia faz parte da Europa", declarou Walter Hallstein, presidente da Comissão da CEE, durante a celebração da assinatura do acordo de associação, em setembro de 1963.

"É um acontecimento sem paralelo na história da influência exercida pela cultura e pela política europeias. Diria mesmo que sentimos nele um certo parentesco com o mais moderno dos desenvolvimentos europeus: a unificação da Europa", acrescentou  Hallstein.

Mas um primeiro grande obstáculo surgiu no verão de 1974, quando as tropas turcas invadiram a parte norte de Chipre, em resposta a um golpe de Estado patrocinado pela junta militar grega. O conflito dividiu a ilha ao meio, que ainda hoje emsombra os sonhos europeus da Turquia.

Uma declaração há muito esperada

No entanto, o acordo de associação proporcionou a Ancara uma base sólida para avançar gradualmente.

Em 1987, a Turquia apresentou formalmente o seu pedido de adesão à CEE, então composta por 12 membros, incluindo a Grécia. Nessa altura, o PIB per capita da Turquia era de 1700 dólares, muito longe dos mais de 16 mil dólares da Alemanha e da França.

O enorme fosso económico, associado ao colapso da União Soviética, à reunificação da Alemanha e à persistência de más relações com Chipre e com a Grécia, atrasou a candidatura de Ancara.

Durante este período, esperava-se que a Turquia levasse a cabo reformas adicionais para cumprir os chamados critérios de Copenhaga, as regras fundamentais que determinam a elegibilidade de um país para aderir à UE. Os critérios, estabelecidos em 1993, impõem normas em matéria de democracia, Estado de direito, direitos humanos, proteção das minorias e economia de mercado aberta.

Entretanto, Bruxelas ofereceu a Ancara um passo intermédio, sob a forma de uma união aduaneira para o comércio de mercadorias, com excepção da agricultura, do carvão e do aço, que se tornou plenamente operacional no início de 1996.

Só em dezembro de 1999, durante o Conselho Europeu de Helsínquia, é que os dirigentes da UE declararam, unanimemente, a Turquia como país candidato.

"A Turquia é um Estado candidato destinado a aderir à União com base nos mesmos critérios que os aplicados aos outros Estados candidatos", escreveram os líderes nas suas conclusões conjuntas.

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A declaração não foi meramente retórica: deu à Turquia acesso a milhões de fundos da UE a título de assistência de pré-adesão.

FRITZ REISS/2006 AP
Ex-chanceler alemã Angela Merkel com ErdoganFRITZ REISS/2006 AP

A capacidade de absorção

Com o alargamento de 2004, a UE avançou decisivamente para Leste e acolheu mais dez membros, muitos dos quais tinham estado na esfera da União Soviética.

Para Ancara, foi uma situação embaraçosa: o país tinha apresentado a sua candidatura muito antes de qualquer um dos recém-chegados, incluindo Chipre, e continuava à espera do início do processo de adesão.

Em 2005, o Conselho adoptou finalmente o quadro de negociações, um documento de nove páginas repleto de referências ao Estado de direito, à "capacidade de absorção" da UE, à importância das "relações de boa vizinhança" e à possível suspensão das conversações.

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"O objetivo comum das negociações é a adesão. Estas negociações são um processo em aberto, cujo resultado não pode ser garantido de antemão", diz o documento.

"Se a Turquia não estiver em condições de assumir plenamente todas as obrigações decorrentes da adesão, deve ser assegurado que a Turquia esteja plenamente ancorada nas estruturas europeias através de um vínculo tão forte quanto possível", era outra afirmação.

O quadro serviu de orientação para a Comissão Europeia, que foi incumbida de dirigir as negociações, divididas em 35 capítulos. É uma tarefa muito complexa que tem por objetivo alinhar o candidato com todas as regras da UE.

O capítulo relativo à ciência e à investigação foi o primeiro a ser aberto em 2006, tendo sido provisoriamente concluído nesse mesmo ano. Na década que se seguiu, a Turquia, sob a liderança de Recep Tayyip Erdoğan, conseguiu abrir mais 15 capítulos, mas nenhum foi encerrado.

"Entre a adesão e a parceria (especial), que a Turquia diz não aceitar, há um caminho de equilíbrio que podemos encontrar. A melhor maneira de sair daquilo que arrisca ser um grande impasse é encontrar um compromisso.
Nicolas Sarkozy
Presidente francês, em 2011

Imobilização total

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A década de 2000 marcou um período de crescimento económico na Turquia: o PIB per capita mais do que triplicou, passando de 3100 dólares em 2001 para 10 615 dólares em 2010, enquanto os serviços se expandiram rapidamente graças a setores como os transportes, o turismo e as finanças, aprofundando a modernização do país.

Ainda assim, a evolução não foi suficiente para ultrapassar as tensões no Mediterrâneo e as crescentes reticências dos líderes da UE, alguns dos quais começaram a sugerir que a adesão  poderia ser substituída por uma "parceria privilegiada".

"Entre a adesão e a parceria (especial), que a Turquia diz não aceitar, há um caminho de equilíbrio que podemos encontrar", disse o presidente francês Nicolas Sarkozy em 2011. "A melhor maneira de sair daquilo que arrisca ser um grande impasse é encontrar um compromisso."

Em resposta às palavras cautelosas dos governos de Paris, Berlim e Viena, Erdoğan contrapôes que esperava que a adesão fosse concluída até 2023, para coincidir com o 100º aniversário da república. A crise migratória de 2015-2016 deu à Turquia uma vantagem política como o país que se interpunha entre o bloco e milhões de refugiados sírios e afegãos.

Mas as coisas azedaram após a tentativa de golpe de Estado de julho de 2016, um episódio crítico que levou Erdoğan a reforçar o seu controlo do poder e a consolidar o que os críticos denunciaram como um governo autocrático.

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Em novembro desse ano, os deputados do Parlamento Europeu aprovaram uma resolução que criticava as "medidas repressivas desproporcionadas" introduzidas durante o estado de emergência e apelava a um "congelamento temporário" das conversações de adesão.

O referendo de 2017 para instalar um sistema presidencial unitário que concede ao chefe de Estado vastos poderes executivos prejudicou ainda mais a candidatura de Ancara e alimentou as críticas dos funcionários e legisladores da UE, tendo alguns questionado mesmo se a Turquia ainda poderia ser considerada um candidato elegível de acordo com os critérios de Copenhaga.

A rápida deterioração culminou em junho de 2018, quando os Estados-Membros suspenderam as negociações.

"O Conselho regista que a Turquia se tem vindo a afastar cada vez mais da União Europeia", lê-se nas conclusões de uma reunião realizada em junho de 2018. "Por conseguinte, as negociações de adesão da Turquia estão efectivamente paralisadas e não pode ser considerada a abertura ou o encerramento de mais nenhum capítulo."

Desde então, os progressos têm sido quase inexistentes.

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Livre da expectativa de ter de cumprir as normas da UE, Erdoğan intensificou críticas contra o Ocidente, ordenou operações de perfuração controversas na zona oriental do mar Mediterrâneo para obter combustíveis e manteve laços ativos com Vladimir Putin, apesar da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia.

Os laços com Bruxelas foram de tal forma desfeitos que a Turquia é agora suspeita de ajudar a Rússia a escapar às sanções da UE.

O relatório sobre o alargamento de 2022, publicado pela Comissão Europeia, faz um balanço sombrio da situação atual.

"O governo turco não inverteu a tendência negativa em relação às reformas, apesar do seu compromisso reiterado com a adesão à UE", lê-se no relatório. "As sérias preocupações da UE sobre a deterioração contínua da democracia, do Estado de direito, dos direitos fundamentais e da independência do poder judicial não foram abordadas."

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