Lei de desflorestação da UE levanta dúvidas no Brasil

Uma área de desflorestação no Brasil
Uma área de desflorestação no Brasil Direitos de autor AP Photo/Eraldo Peres
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De  Patricia Figueiredo
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Artigo publicado originalmente em inglês

A nova lei da UE que proíbe a importação de produtos que contribuem para a desflorestação foi aplaudida em todo o continente, mas, do outro lado do Atlântico, cresce o receio de que tenha um impacto desproporcionado nos pequenos agricultores e conduza à desflorestação em zonas menos protegidas.

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A lei da desflorestação da União Europeia, que obteve a sua luz verde final no passado mês de abril, exigirá que os produtores de gado, cacau, café, óleo de palma, soja, borracha e madeira apresentem provas de que a sua cadeia de abastecimento está totalmente isenta de desflorestação e degradação florestal.

Saber de onde vêm os produtos que consumimos e ter a garantia que não conduziram à deflorestação nem à degradação florestal é atualmente uma prioridade para muitos consumidores. De acordo com um inquérito realizado pela Globescan em 2022, 78% dos europeus acreditam que os governos devem proibir os produtos que provocam a desflorestação.

No entanto, receia-se que os novos requisitos tecnológicos para a exportação imponham um encargo financeiro adicional aos pequenos produtores, que são frequentemente mais sustentáveis do que os grandes agricultores, para demonstrarem as suas normas ambientais. No final, poderá ser mais fácil para eles deixar de exportar a sua produção para a Europa.

"A legislação é muito boa para evitar que os países europeus consumam produtos associados à desflorestação, mas não necessariamente para reduzir a desflorestação em si. É mais uma forma de nos livrarmos do problema do que de o resolvermos", disse Olívia Zerbini Benin, investigadora do IPAM, uma organização brasileira sem fins lucrativos, à Euronews.

Coordenadas GPS e fotografias de satélite

Para exportar para a Europa, os agricultores brasileiros terão de carregar dados de rastreabilidade, incluindo coordenadas GPS, que serão mapeadas com fotografias de satélite das explorações e florestas, entre outros documentos.

As inspeções serão realizadas de acordo com o nível de risco atribuído a cada país. Para aqueles considerados de alto risco, até 9% das exportações serão verificadas. Apesar de a regulamentação ter sido aprovada em junho, as empresas têm até dezembro de 2024 para se adequar às novas regras, e muitos detalhes sobre como a fiscalização será feita ainda não foram definidos.

O bloco europeu é o segundo maior parceiro comercial do Brasil e o país latino-americano é o maior exportador de produtos agrícolas para a UE. Por isso, não é surpresa que o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, tenha criticado duramente a nova lei europeia de desflorestação logo após a sua aprovação, designando-a "uma afronta" ao comércio internacional.

Mas, de acordo com agricultores e especialistas, o impacto da regra não é apenas político. Segundo eles, há um risco de impacto social se a lei impuser barreiras às quais só os grandes agricultores se podem adaptar.

"Como é que se vai exigir este nível de rastreabilidade se não se dão condições para que a produção seja regularizada? Os agricultores precisam de apoio técnico tanto para identificar os estrangulamentos como para regularizar a sua cadeia de abastecimento. Eles precisam de um tipo de assistência que não existe hoje, e as pequenas propriedades certamente serão as mais afetadas", disse Caio Penido, produtor e presidente do Instituto Mato-Grossense da Carne (IMAC), que representa os criadores de gado de Mato Grosso, o maior estado produtor de carne bovina do país.

Mesmo entre os ambientalistas brasileiros, a nova lei da desflorestação está sob escrutínio. Olívia Benin, que faz parte de uma organização científica sem fins lucrativos que trabalha com políticas públicas para proteger os ecossistemas brasileiros, acredita que as novas diretrizes são um passo na direção certa, mas deveriam ter sido construídas coletivamente com os países mais afetados.

Especialista em comércio internacional e desenvolvimento sustentável na Amazónia, com ênfase na relação Brasil-União Europeia, Benin argumenta que, embora a nova legislação tenha boas intenções, a sua capacidade de reduzir a perda de árvores no Brasil é limitada.

"É muito bom ver os países começarem a questionar o que consomem e de onde vem, mas os efeitos no Brasil são limitados, pois grande parte da desflorestação acontece em áreas que não estão cobertas pela nova lei", disse a investigadora.

Um grande ponto de crítica para os ambientalistas brasileiros é que a legislação cobre apenas as áreas do país que já estão sob proteção. Isto pode levar que a desflorestação passe a acontecer noutras áreas, em ecossistemas menos protegidos.

"No fim de contas, quando se olha para o Brasil como um todo, que mudanças é que esta legislação vai trazer em termos de desflorestação? Porque muitas áreas que estão muito ameaçadas não foram abrangidas, mesmo na floresta amazónica", disse Olivia Benin.

Cerca de 84% da floresta amazónica está protegida pela nova lei da UE, de acordo com uma nota técnica divulgada pelo MapBiomas, uma iniciativa de monitorização do uso do solo no Brasil desenvolvida por uma rede de universidades, ONGs e empresas de tecnologia. Mas, noutros ecossistemas, a percentagem de proteção é bem menor.

A definição da FAO que está a ser usada pela regulamentação da UE abrange grande parte de apenas três dos sete biomas mapeados na América do Sul. Além de uma alta percentagem da Amazónia, ela também protege grande parte do Chaco (75%), ecossistema presente na Argentina e no Paraguai, e da Mata Atlântica (71%), que existe no Brasil, mas que cobre uma parte bem menor do país.

O relatório do MapBiomas alerta que, noutros ecossistemas que abrangem grandes áreas do Brasil, como a Caatinga, o Pampa, o Pantanal e o Cerrado, apenas 10% a 26% da vegetação remanescente está coberta, e "todos eles estão hoje sob intensa pressão da expansão da agricultura em larga escala".

Reações diversas

Elementos do governo brasileiro têm feito pressão para que haja mudanças na legislação, mas, apesar de a maioria dos setores ter criticado a lei, a reação é mais forte nalguns setores do que noutros. Os criadores de gado, por exemplo, têm protestado de forma mais veemente do que os produtores de café.

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Para Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ainda há esperança de que as certificações exigidas sejam baseadas em ferramentas de controlo já existentes no Brasil, como o cadastro eletrónico de uso da terra.

"Sempre que se coloca uma carga extra nas cadeias produtivas, ela pesa mais para os pequenos e médios produtores. Eles são os que mais sofrerão e poderão ser excluídos do mercado internacional", disse Mori.

O diretor da mais poderosa entidade representativa dos produtores brasileiros aponta que os setores mais afetados deverão ser os de soja, gado e café.

Apesar disso, representantes do setor do café estão confiantes de que só precisam trabalhar em soluções técnicas para comprovar que sua produção é de origem sustentável.

"As fazendas de café já estão a obedecer a esse critério legal de desflorestação zero. Agora, estamos a trabalhar na criação de uma plataforma para fornecer apoio técnico e ferramentas de rastreabilidade a todos os nossos associados", disse Silas Brasileiro, presidente do CNC, o Conselho Nacional do Café, que representa os produtores de café, à Euronews.

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No entanto, mesmo que não pensem que o cumprimento das regras será um problema, alguns produtores argumentam que produzir as provas desse cumprimento trará um custo novo e inesperado.

"Certamente que há o risco de os pequenos produtores serem afetados porque não têm fundos para investir num sistema de rastreabilidade", disse Henrique Sloper, produtor de café e proprietário da Fazenda Camocim, que exporta café moído para mais de 27 países.

"Conseguir certificar e medir os critérios exigidos por lei vai ser a principal dificuldade. A tecnologia avançou muito em termos de rastreabilidade, e o Brasil está muito bem equipado para isso, mas nem todas as regiões do país estão igualmente preparadas", destacou Sloper.

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