Será que os líderes da UE vão continuar a evitar Orbán, pedindo-lhe que saia da sala?

O chanceler alemão Olaf Scholz e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban
O chanceler alemão Olaf Scholz e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban Direitos de autor Bernd von Jutrczenka/(c) Copyright 2023, dpa (www.dpa.de). Alle Rechte vorbehalten
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De  Mared Gwyn JonesIsabel Marques da Silva (Trad.)
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Artigo publicado originalmente em inglês

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, é frequentemente o "elefante na sala" quando os líderes da União Europeia (UE) se reúnem em Bruxelas, usando o seu poder de veto para evitar consensos cruciais em várias matérias.

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As decisões críticas da UE em matéria de política externa, segurança, alargamento e finanças exigem a "bênção" unânime de todos os 27 Estados-membros, mas a abstenção não impede que uma decisão seja tomada.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, pediu ao homólogo húngaro para abandonar a sala, na cimeira da semana passada, a fim de evitar que Viktor Orbán vetasse a abertura das conversações sobre a adesão da Ucrânia à UE.

A medida - que permitiu que os restantes 26 líderes tomassem uma decisão unânime na ausência de Orbán - foi saudada por alguns como uma manobra engenhosa, mas por outros como um precedente perigoso que poderia fraturar, permanentemente, a unidade da UE.

O chanceler Scholz defendeu o uso de abstenções construtivas apenas em "casos excecionais", argumentando que "devemos definitivamente decidir em conjunto sempre que possível e unirmo-nos".

Mas com a iminência de decisões críticas sobre o futuro da UE, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, indicou que os líderes poderão ser forçados a explorar outras soluções criativas para contornar um possível veto de Orbán, já no próximo mês de fevereiro, quando os líderes vão ter uma cimeira extraopridnária para selar um acordo sobre um pacote de apoio de longo prazo, de 50 mil milhões de euros, à Ucrânia.

"Ou temos um acordo a 27 ou teremos alternativas que poderemos tornar operacionais quando chegar a altura do próximo Conselho", disse von der Leyen, na sexta-feira, sugerindo que o bloco poderia considerar um acordo excecional entre 26 Estados-membros para garantir que o dinheiro continua a chegar ao governo de Kiev.

Há várias decisões a tomar sobre a integração da Ucrânia no bloco que vão exigir a unanimidade de todos os Estados-membros, pelo que os líderes da UE sentir-se-ão, provavelmente, tentados a obter a abstenção construtiva de Orbán.

A Euronews perguntou a dois especialistas o que é que isto pode significar para a unidade da UE.

"Politicamente sem precedentes"

Tecnicamente, esta não é a primeira vez que um líder se ausenta durante uma votação do Conselho Europeu.

É frequente os líderes nomearem outro líder em seu nome quando outros compromissos os impedem de estar presentes. A ex-primeira-ministra britânica, Theresa May, também se absteve muitas vezes de forma construtiva nas votações do Conselho  Europeu, durante os anos entre o referendo do Brexit e a saída formal do Reino Unido do bloco. 

A antiga chanceler alemã, Angela Merkel, também se absteve durante uma votação do Conselho para nomear Ursula von der Leyen (alemã) como presidente da Comissão Europeia.

Isto abre uma avenida para situações futuras em que um líder se defronta com os outros para salvar a face sem fazer descarrilar uma decisão maioritária.
Janis Emmanouilidis
Diretor executivo adjunto, Centro de Política Europeia

Mas esta seria a primeira vez que um dirigente pede a outro que saia da sala, num movimento altamente coreografado e politicamente simbólico, explica Janis Emmanouilidis, diretor executivo adjunto do Centro de Política Europeia.

"Isto é comparável no sentido técnico, mas não no sentido político", explicou.

"Mas não diria que se trata de um precedente perigoso", acrescentou. "Orbán não foi obrigado a sair da sala, decidiu por si próprio. Isto abre uma avenida para situações futuras em que um líder se defronta com os outros para salvar a face sem fazer descarrilar uma decisão maioritária."

Já Alberto Alemanno, professor de Direito Comunitário na HEC Paris, considera que o caso da semana passada levanta dúvidas sobre se Orbán saiu da sala por iniciativa própria ou a pedido de Scholz.

"Independentemente de quem tomou a iniciativa, a abstenção de Orbán pode estabelecer uma nova prática que permite ao Conselho Europeu manter uma demonstração de unidade num momento de divisão sem precedentes", explica, sugerindo que a manobra poderá ser utilizada novamente para fazer passar decisões sob o pretexto da unanimidade.

Alemanno sublinha, ainda, que as regras de votação, que exigem que pelo menos dois terços dos membros do Conselho estejam presentes durante a votação, permitem tecnicamente que até nove Estados-membros se abstenham, sem impedir que o Conselho adopte uma decisão, apesar da pouca apetência.

Decisões polémicas no horizonte próximo

Tanto Emmanouilidis como Alemanno prevêem a realização de cimeiras do Conselho Europeu difíceis, em que Orbán ou outros líderes da UE poderão exercer o seu poder de veto em decisões-chave sobre o alargamento do bloco e as reformas fundamentais que este implicará.

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"Há muitas decisões subsequentes no longo caminho da Ucrânia para a adesão à UE que exigem unanimidade", explicou Emmanouilidis.

"Serão dadas muitas oportunidades a Orbán e, potencialmente, a outros chefes de Estado e de Governo para usarem o seu direito de veto", alertou.

Para o futuro, penso que temos as alavancas para sermos muito inovadores, sem fazer um big bang com o Tratado, e para inventar coisas fora dele também.
Emmanuel Macron
Presidente da França

Já em março, todos os Estados-Membros terão de aprovar por unanimidade o chamado "quadro de negociação" que irá orientar as conversações sobre a adesão da Ucrânia e da vizinha Moldova ao bloco. Todos os países têm, também, de aprovar os progressos registados em todos os capítulos do quadro de negociação, o que oferece a Orbán e a outros a possibilidade de travar o processo.

A Bulgária, a menor economia da UE, utilizou o seu veto para bloquear, durante dois anos, as negociações de adesão da vizinha Macedónia do Norte à UE, devido a disputas sobre os direitos da minoria étnica búlgara.

"Apesar de se ter abstido nesta votação, Orbán mantém o seu veto para impedir que as negociações com a Macedónia do Norte comecem em breve", acrescentou Alemanno. "O Conselho apenas ganhou tempo antes de as verdadeiras decisões sobre o próximo alargamento serem tomadas na primavera."

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O recurso à flexibilidade na votação por unanimidade surge no momento em que o bloco considera a possibilidade de reformar as suas regras de votação, preparando-se para acolher mais Estados-membros, com receio de que o requisito da unanimidade seja severamente esticado num bloco alargado.

A perspetiva de acabar com a votação por unanimidade é muito sensível, sobretudo entre os Estados-membros de menor dimensão, que receiam que a sua influência no bloco diminua se perderem o direito de veto.

Mas, tal como acontece com as próximas decisões críticas sobre a política externa, a adesão e as finanças, susceptíveis de afetar a unidade do bloco, podemos ver os líderes forçados a contornar a unanimidade mesmo antes do alargamento do bloco.

Na semana passada, o presidente francês, Emmanuel Macron, apresentou, claramente, a sua posição, afirmando que, em alguns cenários, há espaço para "utilizar ao máximo as flexibilidades oferecidas pelos tratados".

"Nas questões do momento, temos de tentar manter a nossa unanimidade, avançar, discutir, trabalhar", explicou. "Mas depois, para o futuro, penso que temos as alavancas para sermos muito inovadores, sem fazer um big bang com o Tratado, e para inventar coisas fora dele também", sugeriu Macron.

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