"Tabu" da dívida comum para gastar na defesa em debate na cimeira UE

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, fala com a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, na cimeira da EUCO, em fevereiro
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, fala com a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, na cimeira da EUCO, em fevereiro Direitos de autor Alexandros Michailidis/Alexandros Michailidis
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De  Mared Gwyn JonesEuronews
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Artigo publicado originalmente em inglês

Os líderes da UE vão ponderar a possibilidade de quebrar o tabu de emitir dívida comum para ter mais verbas para a defesa, na cimeira que se inicia esta quinta-feira, em Bruxelas. Essas obrigações serviriam para modernizar a indústria europeia de defesa e aumentar a autonomia dos Estados-membros.

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O debate é visto como uma primeira tentativa de testar a apetência dos Estados-membros da UE para emitirem dívida conjunta a fim de obterem os recursos orçamentais necessários para reforçar a indústria de defesa. Algo que era impensável  antes da invasão da Ucrânia em larga escala pela Rússia, poderá estar a ganhar tração entre alguns governos.

O presidente francês, Emmanuel Macron, e a primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, já verbalizaram apoio a esta ideia. Na cimeira da UE de fevereiro, Kallas sugeriu que a emissão destas obrigações deveria permitir investir 100 mil milhões de euros.

Mas o tabu da emissão de dívida comum da UE para armar os Estados-membros será difícil de ultrapassar, uma vez que alguns países conhecidos como "frugais" são muito cépticos em relação a esta ideia.

Um diplomata sénior de um país do norte da UE, que falou à Euronews sob condição de anonimato, disse que hesitava em considerar a ideia de obrigações de defesa, defendendo uma abordagem baseada no mercado e em mais investimentos privados.

Outro diplomata admitiu ser necessário "lançar o debate" sobre potenciais obrigações de defesa, acrescentando que, com a Rússia a gerir uma economia de guerra, a UE também precisa de pensar seriamente na sua própria preparação para o conflito.

A carta do presidente

Na habitual carta que envia aos líderes para os convidar para a cimeira, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel,  apelou à adoção de "medidas radicais e concretas" para colocar a economia da UE "em pé de guerra". Anteriormente, Michel apelou à criação de obrigações europeias de defesa para racionalizar as despesas militares do bloco.

Este é um esforço para encontrar formas mais inovadoras de reabastecer as reservas de defesa da UE, que ficaram quase esgotadas devido ao envio de armas e equipamento militar para a Ucrânia.

A cimeira da UE é o culminar de uma série de acordos negociados nas instituições europeias para dar mais ajuda militar à Ucânia. Na segunda-feira, foi obtido o consenso para reforçar o Mecanismo Europeu de Apoio à Paz em cinco mil milhões de euros, sendo este o véiuclo usado para ajudar a Ucrânia..

Por outro lado, a Comissão Europeia propôs, esta quarta-feira, utilizar os lucros dos ativos financeiros russos congelados na Europa para armar a Ucrânia. Além disso, encarregou o antigo primeiro-ministro finlandês, Sauli Niinistö, de preparar um relatório sobre a preparação da defesa civil do bloco, à luz da atual guerra na Ucrânia.

O precedente da Covid-19

Os chamados "cinco frugais" - Áustria, Dinamarca, Finlândia, Países Baixos e Suécia - opuseram-se firmemente, no passado, à emissão de dívida pública da UE para fazer face a várias crises, já que temiam serem chamados a "pagar a conta".

A pandemia de Covid-19 teve tal impacto que permitiu ultrapassar esse tabu e foi emitida dívida comum para financiar o plano da Comissão Europeia destinado à recuperação, no valor de 800 mil milhões de euros. Conhecido como Próxima Geração UE, foi a partir dele que se desenharam os Planos de Recuperação e Resiliência para cada Estado-membro.

Embora o plano tenha sido saudado como um sucesso em termos de solidariedade financeira da UE, um aumento dos custos de empréstimo significou que está a custar ao bloco mais do que o previsto, potencialmente diminuindo as perspetivas de ser defendido noutras crises futuras.

Um outro diplomata de alto nível disse que é "pouco provável que a proosta vá a algum lado", uma vez que muitos Estados-membros não estão interessados em aumentar a dívida conjunta.

O papel do BEI e o plano da Chéquia

Uma forma alternativa foi apresentada por 14 Estados-membros, que apelaram à intervenção do Banco Europeu de Investimento (BEI) para financiar investimentos em equipamento e infra-estruturas militares.

"Precisamos de explorar diferentes possibilidades que permitam ao BEI investir em atividades relacionadas com a defesa para além dos atuais projectos de dupla utilização", lê-se numa carta dirigida por esse grupo, que integra a França e a Alemanha.

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"Isto significaria discutir e reavaliar as atuais definições de projectos de dupla utilização e a lista de atividades excluídas, bem como reconsiderar a sua política de empréstimos à indústria da defesa e outros elementos restritivos", acrescentaram na missiva.

Outra iniciativa em debate será o plano da Chéquia para fornecer dezenas de milhares de cartuchos de artilharia adicionais às forças armadas ucranianas. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Jan Lipavský, afirma que o seu país adquiriu 300 mil projéteis que serão enviados para a linha da frente, estando as primeiras entregas previstas para antes de junho.

Fontes diplomáticas de alto nível sugeriram que cerca de 20 países da UE poderiam aderir à iniciativa, que envolve a compra de munições não utilizadas a países ocidentais desconhecidos.

A Dinamarca, a Bélgica, a Alemanha, os Países Baixos e a Suécia já confirmaram a sua participação.

Durante a cimeira de dois dias, que começa na quinta-feira, os dirigentes decidirão também se aprovam a recomendação da Comissão Europeia de iniciar conversações de adesão com a Bósnia-Herzegovina e se adotam os quadros de referência que deverão orientar as conversações de adesão com a Ucrânia e a Moldávia.

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Fontes diplomáticas sugerem que nenhum país deverá bloquear a decisão sobre a abertura de conversações com a Bósnia-Herzegovina, embora a candidatura deste país tenha enfrentado oposição no passado.

Os líderes políticos vão, também, tentar pôr de lado as suas diferenças relativamente à crise que afeta a Faixa de Gaza e apelar a "uma pausa humanitária imediata que conduza a um cessar-fogo sustentável".

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