Os países europeus não devem cometer o mesmo erro que a Estónia cometeu antes da Segunda Guerra Mundial, alertou Kaja Kallas, primeira-ministra desse estado do Báltico, antes da cimeira da UE, em Bruxelas. Kallas considera que é urgente aumentar o investimento em defesa.
"Se não queremos que esta guerra vá mais longe, temos de ajudar os ucranianos a defenderem-se. É evidente que o que está em causa não é apenas a arquitetura de segurança europeia, mas também a arquitetura de segurança mundial", disse a líder numa conversa com um grupo restrito de jornalistas, incluindo a Euronews.
O apoio à Ucrânia e a defesa europeia estarão no topo da agenda da cimeira e Kaja Kallas alertou que alguns países europeus podem ser alvo da Rússia, caso a Ucrânia perca a guerra.
"Se ajudarmos efetivamente a Ucrânia, não temos de nos preocupar com quem será o próximo. Mas se a Ucrânia cair, vai haver uma pausa de alguns anos e vamos assistir a uma escala mais alargada, em particular quando não investirmos na defesa", afirmou.
A primeira-ministra defende que os países que fazem parte da coligação Ramstein - membros da NATO, da UE e de 15 outros países - devem afetar 0,25% do seu Produto Interno Bruto (PIB) para a ajuda militar à Ucrânia. Esta medida "contribuiria grandemente para a vitória da Ucrânia sobre a Rússia", referiu.
Além disso, disse que todos os países europeus deveriam reforçar os seus próprios sistemas de defesa, estabelecendo um paralelo com o período entre as duas Guerras Mundiais.
"Em 1933, o investimento na defesa da Estónia foi recorde. E porquê? Porque estávamos em tempo de paz. Construímos o nosso país e éramos um país neutro. Mas em 1938, quando se tornou claro que a guerra estava a chegar, os investimentos na defesa foram aumentados em 100%, mas já era demasiado tarde", afirmou.
"Para um país pequeno como a Estónia, a guerra significa sempre destruição, significa sofrimento humano", acrescentou.
Lições de guerras passadas
O Estado báltico, que faz fronteira com a Rússia, foi invadido pelas forças soviéticas e nazis durante a Segunda Guerra Mundial e foi ocupado pela Rússia entre 1944 e 1991, quando declarou a independência.
O ónus, acrescentou Kallas, recai sobre os líderes para explicar adequadamente a necessidade de tal aumento de investimento ao seu eleitorado e deixar claro que não equivale a uma posição pró-guerra.
"O problema do investimento na defesa é que, evidentemente, para os dirigentes que têm vizinhos muito melhores do que nós, é muito difícil explicar às pessoas quando é tempo de paz. Mas o problema da defesa é que, quando precisamos dela, já é demasiado tarde para dar mais passos", acrescentou.
"Queremos ter paz, mas queremos ter uma paz sustentável. E a paz nos termos da Rússia não é sustentável. Isso significa que vamos ter uma pausa de alguns anos e que a situação vai continuar porque eles podem", disse, ainda.
"O agressor é provocado pela fraqueza. É por isso que também estou a defender, a nível europeu, que se faça mais pela defesa, que se aumente o investimento na defesa, porque o agressor não dá mais um passo se vir que somos suficientemente fortes e que ele não pode ganhar. É por isso que precisamos que todos nós, todos os países europeus, mas também os países da NATO, invistam na defesa", afirmou.
A questão do financiamento
O bloco de 27 países está a fazer uma grande reformulação da sua política de defesa, com a Comissão Europeia a apresentar propostas para aumentar a capacidade industrial através de aquisições conjuntas, entre outras medidas.
A necessidade é tanto mais premente quanto muitos Estados-membros esgotaram as suas reservas para doar à Ucrânia e a produção europeia de munições, embora significativamente mais elevada do que há um ano, não permitiu à UE cumprir o seu objetivo de fornecer a esse país um milhão de cartuchos até março.
Mas a forma de financiar o aumento do investimento está a dividir os líderes da UE, especialmente porque muitos dos Estados-membros da UE que também pertencem à NATO continuarão a não conseguir cumprir este ano o objetivo da aliança militar de 2% do PIB em despesas de defesa.
Entre as propostas mais polémicas está a ideia de emitir as chamadas euro-obrigações para angariar dinheiro - via emissão de dívida conjunta nos mercados financeiros - que seria inteiramente destinado às despesas com a defesa.
A emissão de dívida conjunta da UE aconteceu no pós-pandemia de Covid-19, através do programa Próxima Geração UE, no valor de 800 mil milhões de euros. Inicialmente teve a firme oposição dos chamados "países frugais" - Áustria, Dinamarca, Finlândia, Países Baixos e Suécia. Estes países receavam que os Estados-membros mais ricos acabassem por suportar a maior parte dos custos e que, no futuro, a UE recorresse a essa opção de financiamento para outros programas não essenciais.
Kaja Kallas reiterou o seu apoio à emissão de euro-obrigações para financiar projetos de defesa, que já tinha sugerido e que deveriam ascender a 100 mil milhões de euros, na sua opinião. Apoiou também uma proposta derevisão do mandato do Banco Europeu de Investimento para que este possa financiar projetos de defesa.
A primeira-ministra estónia instou a UE a avançar com os planos para utilizar os lucros extraordinários dos ativos financneiros russos imobilizados ba Europa para ajudar a Ucrânia a defender-se, colmatando as lacunas que permitem contornar as sanções.