Hourcade: "No Irão estão todos de acordo com o enriquecimento de urânio"

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De  Euronews
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O Irão vai eleger um novo presidente e, no mesmo dia 14 de junho, também realiza as eleições municipais. Tendo em conta os violentos confrontos que se seguiram às eleições controversas de Ahmadinejad, à reeleição e questões difíceis como a nuclear e as sanções económicas internacionais sem precedentes impostas contra o Irão, entrevistamos Bernard Hourcade.

Said Kamalid, euronews – É responsável pelo centro de investigação científica em França, geógrafo e especialista no Irão. É também professor da geografia do Irão num Instituto em Paris…que importância tem esta eleição presidencial no Irão?

Bernard Hourcade – Normalmente dizem que as eleições não servem para nada, que estão falsificadas à partida, o que, às vezes, acontece. Mas no Irão, a particularidade é que nunca se conhece o resultado, mesmo com as eleições iranianas a realizarem-se num quadro restrito o jogo político é importante, o debate político é muito importante para o futuro do país, é um grande acontecimento, mesmo se não é comparável às eleições da França, da Bélgica ou da Espanha, por exemplo.

euronews – Inscreveram-se nas listas 686 pessoas. Apenas precisaram de apresentar o certificado de nascimento, fotocópia do bilhete de identidade, 12 fotos e ter mais de 18 anos. Como interpreta isto? Porque se abre a porta ao público?

Bernard Hourcade – Há aqui uma parte de propaganda. O governo e a Constituição permitem que todos os cidadãos possam ser candidatos, o que é bom. Mas também há uma incontestável vontade de participação da população iraniana. Desde a revolução islâmica de 1979 que a população iraniana se habituou a participar na vida política. Às vezes é reprimida, mas participa. Há uma dinâmica política incontestável. O Irão é um país onde o debate político existe e, desta vez, há 686 candidatos, em 2001 houve 1075, se não me engano, há sempre 300, 400, 500. O problema principal é que o Conselho dos Guardiães da Constituição iraniana fazem a seleção e eliminam 99% para manter apenas 4, 5, 6, 10, no máximo. Os critérios são aleatórios.

euronews – Depois do que se passou em 2009, o que vai caracterizar esta eleição? Primeiro, deram-se os confrontos, depois, nestes últimos quatro anos, o país sofreu duras sanções económicas e a questão nuclear continua na ordem do dia. O que vai ser diferente?

BH – Estas são as eleições da maturidade. A república islâmica, há 34 anos, a que todos anunciavam o descalabro,sobrevive, é mesmo o sistema mais estável do Médio Oriente, principalmente depois da primavera árabe. É um país com capacidade para avançar. Repete-se que o GUia da república islâmica decide o que quer, mas é mais complicado do que isto. Há um equilíbrio de forças no Irão: a corrente reformadora, o movimento verde de 2009 de que se fala, nem sequer é um movimento, é uma dinâmica muito forte da sociedade, mas não está organizada, não é um partido. Os iranianos que se manifestaram contra Ahmadinejad, em 2009, acabaram por ser espancados, presos e fuzilados.

euronews – Um dos desafios mais importantes para o país, para o regime, é evidentemente a questão nuclear. Said Jalili, negociador do programa nuclear iraniano e candidato às presidenciais, disse recentemente que, seja quem for o futuro presidente, a política nuclear não vai mudar e também não se vai interromper o enriquecimento de urânio.
O que se pode esperar no âmbito da política nuclear do regime?

BH – A política nuclear vai ser a mesma. Todos estão de acordo, no Irão, da direita à esquerda, sobre o enriquecimento de urânio. Até o Benjamin Netanyahu está de acordo e pede apenas que não ultrapassem os 20%, o que quer dizer que aceita os 3,5% pedidos pelo Irão.
Laurent Fabius disse, há uns dias, que aceitaria o enriquecimento de urânio se o Irão aceitasse fazê-lo sob supervisão internacional.
Todos estão de acordo, salvo os que querem fazer cair o regime iraniano e não pretendem negociar.
Pela primeira vez, os iranianos e os norte-americanos aceitaram negociar; há uma vontade real de encontrar uma solução para a questão iraniana do nuclear que afeta negativamente a situação no Médio Oriente, num momento em que a guerra na síria e a primavera árabe colocam questões fundamentais.
Estou muito otimista, independentemente do resultado das eleições iranianas. Em qualquer caso, os americanos e os iranianos estão de acordo em encontrar uma saída para esta crise que envenena o mundo.

euronews – Também é otimista sobre o levantamento das sanções? É esse o problema principal…

Bernard Hourcade – Exactamente. Agora corresponde aos países ocidentais que impuseram sanções bilaterais, as sanções da ONU, fazerem um programa para levantar as sanções progressivamente, o que é condição indispensável para haver acordo entre ambas as partes.
Não se trata do Irão aceitar tudo e não receber nada.
A questão agora é o levantamento das sanções e o programa de normalização entre o Irão e os Estados Unidos. Se o cenário se realizar tudo se resolve naturalmente. Esta é questão é a que está na mesa de negociações: ambas as partes disseram que primeiro vão estabelecer as condições da discussão, o que quer dizer que estão de acordo sobre o princípio.

euronews – Mas também fizeram esses esforços com os reformistas, com Katami, mas não o conseguiram…

Bernard Hourcade – Em 2003, quando os europeus assinaram o acordo com Irão, os norte-americanos estavam absolutamente contra.
Os Estados Unidos queriam a queda do regime iraniano, e nada se fez porque os ocidentais não estavam de acordo para chegar a uma solução.
Havia ainda outro problema, no Irão: Katami e Kamenei também estavam em campos opostos. Sabemos perfeitamente que, em três ocasiões, Ahmadinedjad chegou a acordo com os Estados Unidos sobre a energia nuclear, mas Kamenei não concordou.
Agora, se o presidente e o Guia passarem a estar do mesmo lado, com a mesma ideologia ppolítica, passa a haver uma unidade do poder, o que não quer dizer que se torne um paraíso, mas ao menos não haverá divisões internas e em relação à política externa; os Estados Unidos podem impôr a sua vontade ao Irão porque a crise económica exige um verdadeiro consenso.

euronews – Focando de novo a vida política, com tudo o que sucedeu nos últimos dois anos entre a Guia Supremo e Ahmadinedjad. Que futuro político terá Ahmadinedjad depois de todos os problemas que teve com o Guia?

Bernard Hourcade – Com Ahmadineyad enganámo-nos muito. Não é nenhum louco ultraconservador, de facto não é conservador, pelo contrário, é mais bem dinâmico. Talvez seja reacionário, mas é uma pessoa hiperativa e empreendeu reformas económicas no Irão extremamente duras mas felicitadas pelo Fundo Monetário Internacional.

Em várias ocasiões, procurou chegar a acordo com os Estados Unidos sobre o programa nuclear. E pelo que vejo, atualmente, há uma oposição interna entre o Irão popular das províncias, das aldeias e das zonas rurais, dos que se sentem esquecidos pela verdadeira aristocracia da revolução, tanto dos reformadores, como dos conservadores ou dos antigos guardiães da revolução, que constituem o pilar da república islâmica.

Talvez tenhamos agora uma segunda fase, de rutura social e de uma revolução, uma mudança que inclua os deserdados do Irão por oposição à verdadeira aristocracia ou burguesía que enriqueceu muito nos últimos anos.

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