Cantona: "Perigoso é aproveitar o desespero das pessoas para promover ideias radicais."

Cantona: "Perigoso é aproveitar o desespero das pessoas para promover ideias radicais."
De  Euronews
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button

"Rei" Cantona conversa com a euronews sobre os perigos da islamofobia, o racismo, mas também sobre a forma como o desporto pode ser um importante factor de integração na sociedade.

PUBLICIDADE

Uma lenda do futebol, um “rei”, como foi apelidado pelos adeptos do Manchester United, Eric Cantona é hoje ator e realizador. Em Lyon, onde veio apresentar o seu novo documentário “Foot et immigration – 100 ans d’histoire commune” (Futebol e imigração – 100 anos de história comum), Cantona conversou com a euronews sobre o futebol, o racismo e sobre os riscos de uma deriva extremista após o atentado contra o Charlie Hebdo.

Tendo em conta o que se passou nos últimos dias, tenho de começar por colocar-lhe uma questão sobre o atentado contra o Charlie Hebdo. O que é que sente, neste momento?

“É dramático. É lamentável, mas infelizmente não é a primeira vez que a liberdade de expressão é atacada.
Em outubro de 1998, o cinema Saint-Michel foi incendiado num atentado. Lá dentro, o público assistia a “A Última Tentação de Cristo”, de Martin Scorsese. Foi um ataque de um grupo de católicos integristas, em Paris, que fez 40 feridos, quatro dos quais graves. Foi um acto criminoso com o objetivo de queimar vivas, 50 pessoas.”

Já passaram quase 30 anos. Nada mudou entretanto?

“O que quero dizer é que não devemos pegar nisto para atacar o Islão. O fanatismo existe um pouco por todo o lado, mas é apenas uma pequena minoria. A grande maioria é simplesmente católica, budista ou muçulmana. Acho que é importante dar referencias históricas. Não nos podemos cingir à atualidade e esquecer que estas coisas aconteceram no passado. É importante recordar que atos deste tipo já aconteceram e que este problema existiu com grupos terroristas que não tinham nada que ver com o Islão.”

Não teme que o que aconteceu, que este estado de coisas possa agravar o medo, as tensões, possa promover o racismo?

“O perigo é considerar que todos os muçulmanos são assim (fanáticos), mas eu estou convencido que 90% dos muçulmanos não se sentem bem, têm vergonha do que aconteceu. É importante não dizer que um muçulmano é moderado só porque é como você ou como eu. Moderado, quer dizer o quê? Que a religião é extremista? Isso é uma provocação latente e é muito perigosa. Não podemos meter todos no mesmo saco. Para mim, o perigo é esse.”

A vaga de movimentos extremistas, xenófobos e de extrema-direita, na Europa, provoca-lhe medo?

“Parece-me que tudo isto está ligado à crise. Acredito que, se a crise de 1929 não tivesse acontecido, Hitler nunca teria chegado ao poder.

Infelizmente, as crises levam as pessoas a cair no desespero, deixam de saber a que se agarrar e isso provoca um aumento dos extremismos.

O que é perigoso, mais uma vez, é aproveitar o desespero das pessoas para fazer passar ideias radicais.

Infelizmente, há quem utilize estes períodos delicados e difíceis para toda a gente, para passar ideias vãs. São pessoas que desenvolvem, que incutem em outros o ódio para fins políticos. Acho isso miserável e condenável.”

Gostaria agora de falar um pouco de imigração, um tema que está no título do seu novo documentário: “Foot et immigration – 100 ans d’histoire commune”. O futebol ainda tem capacidade – e não falo apenas em França – de promover a integração?

“Sim, acredito que o desporto, em geral, e particularmente o futebol promovem a integração. No desporto, se for melhor que o outro é você que joga. É isso que é fantástico no desporto.

No entanto, é lamentável, como diz o Tigana no final do documentário, é que quando saímos de campo – onde tudo é “objetivo” – as coisas, junto dos treinadores, das instâncias do futebol, tornam-se iguais ao resto da sociedade: Se não tivermos a cor de pele certa, não podemos chegar ao lugar que merecemos.

Se, no resto da sociedade, tivéssemos modelos, se a juventude nas escolas dos subúrbios, nas escolas problemáticas, tivessem modelos de pessoas que alcançaram o sucesso – fossem empresários ou grandes advogados – as coisas seriam diferentes. Mas, hoje, essa juventude não tem esses modelos, porque eles não existem, justamente porque a sociedade é injusta, na minha perspectiva.”

Afirmou, e cito: “É quando estamos face a um muro que vemos se somos homens ou não”. Face aos episódios de racismo, que são cada vez mais frequentes nos estádios, considera que a resposta dada pela FIFA e pela UEFA é suficiente? Utilizando as suas palavras, as instâncias têm se comportado “como homens”?

“Fazem o que podem. Avançam, já não é mau. O problemas está nos adeptos que não merecem esse nome, que não amam verdadeiramente o futebol.

PUBLICIDADE

É normal que utilizemos o futebol. Há uma mediatização tão grande que permite fazer passar mensagens negativas. Isso acontece há muito e tem de continuar a ser combatido.

Penso que o temos combatido, mas talvez não façamos o suficiente. Agora, não sei dizer-lhe como o combater. Mas, se quiser, podemos pensar no assunto em conjunto.”

À parte disso, hoje em dia, gosta do futebol? Continua a dar-lhe prazer? Ainda vê no futebol os valores da ‘escola de vida’, que abre os espíritos, que ensina a jogar, a ganhar e a perder colectivamente?

“Os grandes jogadores foram e serão sempre grandes jogadores, são pessoas que amam o futebol independentemente do dinheiro que ganha. Quando vê o Messi a jogar, quando vê o Ronaldo a jogar, são jogadores que sentem um prazer enorme em campo. Vemos coisas muito bonitas no futebol.

Se temos empresários que tomam conta do Chelsea, ou como Berlusconi, que se serviu do Milão para fazer política, isso acontece porque há uma enorme mediatização do futebol. Portanto, os primeiros responsáveis são os meios de comunicação e aqueles que acusam os jogadores porque ganham muito dinheiro.”

PUBLICIDADE

Em 2010, em plena crise económica, lançou um apelo para que as pessoas levantassem simultaneamente o dinheiro dos bancos, para atingir o sistema bancário. Hoje, os efeitos da crise continuam bem presentes. Ainda tem a mesma reposta para o problema, aquilo que, na altura, chamou de “uma revolução silenciosa, sem sangue, sem armas”?

“Eu disse, simplesmente, que milhões de franceses foram atirados para a rua por causa da história da reforma das pensões e que, se queríamos verdadeiramente ser respeitados, tínhamos de atacar a base do sistema, que é precisamente essa. É evidente que não devemos chegar a esse ponto, mas podia ser uma boa arma de dissuasão.

Hoje, espero que esteja a nascer uma nova solidariedade. E se ela não estiver a nascer, ela tem de nascer.”

Uma última questão. A lenda de Cantona também se construiu com o seu temperamento, por vezes de cólera. A 25 de janeiro, cumprem-se 20 anos desde o polémico pontapé que deu a um adepto, durante um jogo contra o Crystal Palace. Gostava de saber se sente hoje algum remorso?

“O que é que quer que lhe diga? É a minha vida. A vida é feita de coisas boas e de coisas más. Mas, o que é o “bem”? O que é o “mal”? É como é. Depois, basta assumir, basta seguir em frente. Mas a vida é assim.

PUBLICIDADE

Onde me encontro hoje é o resultado do caminho que segui. Se não tivesse vivido tudo o que vivi, não estaria onde estou hoje. E, hoje, estou muito contente por estar aqui consigo.”

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Primárias no Michigan: Biden vence corrida dos democratas e Trump triunfa entre republicanos

Operação Influencer. Alegações do MP consideradas “vagas” mas há risco de decisões contraditórias

Agricultores gregos exigem ao governo apoio financeiro para o setor