“Ascensão”, de Glória do Ribatejo a Cannes

“Ascensão”, de Glória do Ribatejo a Cannes
De  Ricardo Figueira
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Aos 29 anos, Pedro Peralta estreia-se com uma “curta” em Cannes.

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Aos 29 anos, Pedro Peralta levou até Cannes a primeira curta-metragem, “Ascensão”. Na Semana da Crítica, secção paralela do maior festival de cinema do mundo, o filme impressionou o público e os críticos, naquela que foi a melhor estreia internacional a que o realizador e a equipa poderiam aspirar. Antes, na passagem pelo Indie Lisboa, o filme tinha já arrecadado um prémio. À mesa de um café de Cannes, trocámos impressões com Pedro Peralta e com o assistente de realização Diogo Allen.


Pedro Peralta e Diogo Allen em Cannes (foto: RF)

Ricardo Figueira, euronews: Como é que a ideia de “Ascensão” evoluíu até o filme chegar a Cannes?

Pedro Peralta: O filme é a conclusão de um processo que durou cerca de três anos, desde o primeiro esboço de guião, em 2013. No ano seguinte, concorremos a ajudas do ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual), que financiou o filme em conjunto com a Fundação Calouste Gulbenkian. Quando obtivemos o financiamento, começámos a trabalhar sobre esse guião. Houve um processo de procura dos locais e das pessoas para interpretar as personagens, que não são atores profissionais. Esse processo demorou cerca de sete meses, porque foi preciso conhecer as pessoas e criar relações com elas. Acabou por alterar, aqui e ali, algumas partes do guião, mas o grosso da história estava escrito. A rodagem foi relativamente curta, fez-se em quatro dias, mas exigiu muita preparação, já que o filme foi todo feito em planos-sequência, o que requer uma grande logística e preparação, nomeadamente por parte do nosso diretor de fotografia, João Ribeiro. O processo de montagem e mistura de som foi também demorado, já que o som foi todo gravado “a posteriori”. A pós-produção demorou também muito tempo. Da rodagem até à finalização do filme, passaram-se seis meses, o que para uma curta é muito tempo. O filme estreou na edição deste ano do Indie Lisboa, onde foi distinguido com o prémio “Árvore da Vida”. A Semana da Crítica de Cannes foi a estreia internacional. É a melhor estreia internacional que poderíamos ter.

O filme

17 minutos, três planos-sequência, diálogos mínimos e muita força visual. Estamos no Portugal de outros tempos, um homem caíu a um poço e um grupo de aldeões trá-lo de regresso a terra firme. Mero salvamento ou milagre, episódio quotidiano ou metáfora da ressurreição, Pedro Peralta consegue aqui uma primeira obra (fora do âmbito escolar) cheia de peso. A partir de uma história simples, constrói um objeto visual carregado de beleza, para o qual muito contribuiu a fotografia com assinatura de João Ribeiro. Depois do Indie Lisboa e de Cannes, “Ascensão” estará presente no festival “Olhar de cinema”, em Curitiba, no Brasil. Produção: Terratreme filmes.

Como foi a reação quando souberam que o filme tinha sido selecionado?

PP: Obviamente, ficámos todos muito contentes. É a garantia de que o nosso trabalho é mostrado no melhor palco possível e terá a melhor visibilidade, para não falar dos eventuais contactos que a presença no festival proporciona e que poderão garantir uma continuidade do nosso trabalho.

Tiveram ajuda do ICA e da Gulbenkian. A forma como se processam as ajudas públicas motiva algumas das principais queixas dos cineastas independentes. Como reagem?

PP: O importante é cada um saber o filme que quer fazer e de que meios precisa. Há países mais generosos que outros, mas Portugal não é o país mais complicado da Europa neste campo. É um país que protege bastante, embora não sendo uma situação ideal.

Reparei em duas coisas interessantes, do ponto de vista formal: Uma é a quase falta de diálogos e outra são os planos-sequência, de que já falámos (o filme tem, ao todo, três planos). Isso coloca desafios importantes?

PP: Não há muitos diálogos de língua falada, mas há um grande foco na linguagem corporal. É um filme que apela mais à visão, à audição e até ao tato. Nesse sentido, o filme é tudo menos estéril em termos de linguagem. Quanto aos planos-sequência, para mim representam uma tradição de trabalhar no cinema. Não é a mais convencional. O maior desafio é fazer-nos perceber de que meios precisamos para trabalhar assim, visto não ser a norma. Tem de haver uma maior atenção, mas ao mesmo tempo isso dá mais energia. Acabou por correr tudo bem.

Teaser Ascens�o from TERRATREME FILMES on Vimeo.

Onde foram buscar inspiração para a história? A mim, a história parece-me a de uma ressurreição…

PP: Não consigo tirar esse tipo de ilações. É algo que prefiro manter aberto à interpretação do público. Tivemos várias inspirações, sendo que algo presente desde o início era a homenagem que quis fazer a um amigo que desapareceu. Um filme, ou qualquer objeto artístico, apela à nossa humanidade. Pode apelar à espiritualidade ou simplesmente ao entretenimento. Uma das inspirações tem a ver com as representações clássicas da descida de Cristo da cruz. Ouvi também um relato de um salvamento de um poço, que me impressionou bastante.

Diogo Allen: Ouvimos até vários relatos. Quando projetámos o filme em Glória do Ribatejo, onde foi rodado, uma senhora dirigiu-se a um dos atores e descreveu-lhe o que costuma acontecer, que os afogados deitam água pela boca, etc… No meio rural português, é um acontecimento recorrente alguém cair a um poço.

PP: Sendo que tivemos outras referências. Seria exaustivo estar a enumerá-las.

Noto alguma influência de Manoel de Oliveira, ou estarei errado?

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DA: Gostas muito do Manoel de Oliveira…

PP: Sim, mas, para mim, mais do que a influência de outros realizadores, a minha maior influência é sempre a minha experiência pessoal e a das pessoas que trabalham comigo, como o Diogo. Várias ideias dele entraram no guião. Um filme, como o concebo, é um trabalho de equipa. O diretor de fotografia também colocou aqui as referências dele, sejam artísticas ou pessoais. O montador e misturador de som, Miguel Martins, igualmente. Alguns aspetos criativos só foram encontrados na montagem sonora do filme.

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