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Venezuela é importante para a UE: Entrevista exclusiva a María Corina Machado, líder da oposição

María Corina Machado, líder da oposição venezuelana, impedida de se candidatar às últimas presidenciais
María Corina Machado, líder da oposição venezuelana, impedida de se candidatar às últimas presidenciais Direitos de autor Cristian Hernandez/AP
Direitos de autor Cristian Hernandez/AP
De  Sergio Cantone
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Artigo publicado originalmente em inglês

Após a contestação dos resultados das eleições presidenciais de julho passado, a oposição, apoiada pela UE e pelos EUA, acusa o regime de Maduro de fraude eleitoral. María Corina Machado, líder da oposição, fala à Euronews sobre a queda da Venezuela, um país historicamente rico em petróleo.

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As organizações internacionais, a UE e os EUA denunciam o recrudescimento da repressão do regime bolivariano e a violação dos direitos humanos contra a oposição e o povo venezuelano. Os ativistas venezuelanos e as ONG internacionais afirmam que o regime adotou medidas repressivas mais duras após a acusação internacional de fraude eleitoral.

O candidato unido da oposição, Edmundo González Urrutia, fugiu do seu país, enquanto o Parlamento Europeu votou uma resolução não vinculativa na quinta-feira, declarando que o vencedor legítimo das eleições presidenciais é Edmundo González e não Nicolás Maduro.

As parcerias com a Rússia, Cuba e Irão colocaram a Venezuela no bloco de países antagonistas dos interesses do Ocidente.

Petróleo, ouro, tráfico de drogas e direitos humanos: María Corina Machado, líder da oposição venezuelana, disse à Euronews, numa entrevista exclusiva, porque é que a Venezuela é crucial para os interesses europeus.

María Corina Machado e Edmundo González num protesto contra o governo venezuelano
María Corina Machado e Edmundo González num protesto contra o governo venezuelanoCristian Hernández/AP

A situação na Venezuela é particularmente tensa. O que está a acontecer atualmente no país? Quais são as últimas informações sobre a situação política e o ambiente geral nas ruas da Venezuela?

Desde a extraordinária vitória de 28 de julho nas eleições presidenciais, em que Edmundo González Urrutia foi eleito presidente, Maduro desencadeou uma onda de repressão como nunca antes. Estamos numa situação de perseguição máxima e praticamente todos os dirigentes que tiveram a ver com a organização das eleições estão atualmente ou escondidos, ou exilados, ou refugiados no estrangeiro, ou detidos.

Nessas circunstâncias, ainda existe uma base social e uma plataforma política que justifiquem, mesmo que não legitimem, a presença de Maduro e do seu partido ou da sua força política no poder?

Esse é um ponto muito importante, porque de alguma forma o regime conseguiu, primeiro Chávez e depois Maduro, criar uma narrativa que difundia a ideia de que a Venezuela era um país polarizado. Estes resultados (das eleições presidenciais) são a prova do contrário. O movimento social que o chavismo costumava ser foi descartado. Acabou. Tudo o que resta a Maduro é entrincheirar-se atrás do establishment militar profundamente corrupto. Mas isso é tudo o que lhe resta.

As Forças Armadas venezuelanas eram tradicionalmente ligadas ao sistema de segurança ocidental. O que aconteceu às Forças Armadas, aos seus quadros, às suas fileiras, que aceitaram entrar num sistema de alianças (Rússia e Irão) que é antagónico ao ocidental?

Como diz, durante muitas décadas as Forças Armadas estiveram ao serviço da nação, da República, da democracia, garantiram o respeito pela soberania popular e a alternância das forças políticas no poder. Chávez, vindo das Forças Armadas, entendeu que uma Força Armada independente, profissional, institucional, não permitiria a entrega da soberania nacional a outros países, a outros regimes.

Graças à penetração que Cuba teve nas instituições venezuelanas, ele (Chávez) procurou uma forma de enfraquecer as Forças Armadas, infiltrando-as com agentes externos, agentes cubanos que vieram mudar a doutrina militar venezuelana e passaram para a doutrina do inimigo interno. Quem é o inimigo interno? O povo. Em termos de tecnologia e de aquisição de armas e sistemas de comunicação, a Venezuela passou do bloco ocidental para a Rússia e vemos que as compras de milhões de dólares nos últimos 20 anos foram de armas e tecnologia russas.

Aviões russos "Sukhoi" da Força Aérea Venezuelana
Aviões russos "Sukhoi" da Força Aérea VenezuelanaJuan Carlos Hernández/AP2006

Para além do petróleo, a Venezuela tem muitos outros recursos. Nos últimos anos, desenvolveu também um recurso que não é legal, que é o tráfico de droga e a produção de cocaína. No entanto, olhando para os números, não se pode dizer que não seja um fator decisivo para o Produto Interno Bruto da Venezuela, será que isso serve de alguma forma como fonte de suborno informal para a liderança militar de que acabou de falar?

Como é possível que o país com as maiores reservas de petróleo do mundo não tenha gasolina, não tenha eletricidade, as crianças vão às aulas dois dias por semana e os hospitais não tenham água? Um professor ganha menos de um dólar por dia.

Como vemos, é claro que a migração está a aumentar. Quero chamar a atenção para este facto. A Venezuela é atualmente palco da maior crise migratória do mundo, maior do que a Ucrânia e a Síria. Vou dar-lhe alguns números destes dias de repressão brutal de Maduro: A migração para o Brasil, antes das eleições, era de 50 pessoas por dia. Na semana passada, houve picos de mais de 800 venezuelanos a atravessar a fronteira por dia. Isto é uma tragédia, quando a sociedade sente que não tem futuro no seu país.

Pergunta bem: de onde é que vem o dinheiro? Porque acabaram com a produção de petróleo. A Venezuela deveria estar a produzir mais de seis ou sete milhões de barris por dia e está a produzir menos de 900 mil. Então, de onde é que vem o dinheiro? O dinheiro proveniente de atividades ilegais, que não é apenas o tráfico de droga. O tráfico de ouro e de outros minerais. Tráfico de seres humanos. Esse dinheiro não vai apenas para os dirigentes de topo, militares ou outros atores. É também utilizado para a repressão, perseguição e censura dos venezuelanos.

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A Venezuela é atualmente palco da maior crise migratória do mundo, maior do que a Ucrânia e a Síria.
María Corina Machado
Líder da oposição na Venezuela

Falou de uma quebra na produção de petróleo. Os números que tenho aqui dizem que em 2000 a produção era de 3,2 milhões de barris por dia e hoje é de 0,7. É correto?

Um pouco mais. Um bocadinho mais hoje em dia, mas continua a ser irrelevante. A Venezuela tornou-se um ator totalmente marginal, embora tenha o potencial para se tornar o centro energético das Américas. É isso que vai acontecer com o nosso governo, porque a Venezuela é hoje o país que ocupa o último lugar em termos de Estado de direito no mundo, segundo o World Justice Project. Então, quem é que vai investir? As empresas europeias que têm códigos de transparência de práticas anticorrupção? Sabem que ao entrar num país como a Venezuela, aliando-se ao regime de Maduro, têm um problema sério com a sua imagem, com o seu cuidado e com práticas que são obviamente contrárias aos seus princípios. Por isso, atualmente, a Venezuela tem uma contribuição mínima para o mercado mundial da energia.

Mural em Caracas ilustrando a produção petrolífera
Mural em Caracas ilustrando a produção petrolíferaMatias Delacroix/AP

O Parlamento Europeu votou uma resolução não-vinculativa que declara que praticamente reconhece Edmundo González Urrutia como o verdadeiro vencedor das eleições na Venezuela, mas o resultado é bastante controverso porque há 309 votos a favor, 201 contra e 12 abstenções. Entre os 201 votos contra encontram-se os socialistas, que são uma força política democrática na Europa, enquanto as 12 abstenções são de liberais. Como é que se explica isto? A Europa não está interessada na Venezuela?

O que aconteceu hoje é histórico, muito importante para a nossa luta e envia-nos uma mensagem de que a Europa está connosco, porque se virmos isto um pouco abaixo da superfície das discussões ideológicas que existem em todo o mundo, percebemos que a resolução foi votada por todos os grupos, incluindo os socialistas. A Europa reconhece que Maduro não ganhou. Penso que é um passo muito importante, o que aconteceu hoje. Quero agradecer a todos os eurodeputados e aos povos da Europa, porque isto vai muito para além dos governos. A Venezuela é uma causa global para todos os que amam a democracia e a liberdade.

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A Europa reconhece que Maduro não venceu.
María Corina Machado
Líder da oposição na Venezuela

O Governo espanhol desempenha um papel importante a nível europeu no que se refere ao caso da Venezuela...

O caso da Venezuela é tão crítico para a segurança do hemisfério ocidental e tão dramático a nível humano. Como já referi, mais de 8 milhões de venezuelanos tiveram de fugir do país e muitos outros milhões terão de o fazer, se esta tragédia continuar. Há muitos países europeus que historicamente não assumem a liderança da América Latina e que, neste caso, o fizeram. É o caso de França, dos Países Baixos, de Itália e da Alemanha. Estes países compreendem a prioridade do Ocidente atualmente, que é a resolução pacífica do conflito venezuelano o mais rapidamente possível. Penso que o governo espanhol deve ir muito mais longe, porque sabe qual é a verdade, tal como outros países europeus, e reconhecer Edmundo González como presidente eleito. É uma mensagem muito importante, não só para os venezuelanos, mas também para Maduro.

Pedro Sánchez com o candidato presidencial venezuelano Edmundo González
Pedro Sánchez com o candidato presidencial venezuelano Edmundo GonzálezFernando Calvo/AP

Com uma certa surpresa, é preciso dizer. Os Estados Unidos, noutra época, teriam reagido de forma diferente na América Latina. Como explica isto? Não é uma ausência total, mas é, digamos, uma falta de ação decisiva por parte dos Estados Unidos naquilo que sempre fez parte da sua esfera de interesses políticos, tradicionalmente, desde o tempo da doutrina Monroe.

É claro que não é fácil enfrentar o regime da Venezuela. Não se trata de uma ditadura convencional. Se fosse, acreditem, já teria acabado há muito tempo. Trata-se de uma estrutura criminosa que tem muitos interesses. Este regime abriu as portas à Rússia, ao Irão, à Síria, aos grupos terroristas islâmicos. Estão aliados aos cartéis do tráfico de droga, às redes internacionais de crime organizado.

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Penso que o governo espanhol deve ir muito mais longe, porque sabe qual é a verdade, tal como outros países europeus, e reconhecer Edmundo González como presidente eleito.
María Corina Machado
Líder da oposição na Venezuela

É por isso que hoje vemos como até países ou governos da região que eram ideologicamente aliados de Maduro no passado também estão a trabalhar hoje e a contribuir para uma transição democrática, como no caso do presidente Lula do Brasil ou do presidente Petro da Colômbia, ou do próprio presidente do Chile, que teve uma posição muito firme, muito valiosa.

Por isso, sinto que o concerto dos países ocidentais tem de entender que este é o momento de aumentar os custos de permanência no poder para Maduro. Só quando o custo de se manter no poder pela força for maior do que o custo de aceitar uma transição negociada é que Maduro aceitará os termos de uma negociação, que é o que estamos a propor. Mas o ponto aqui, e eu quero transmitir isto muito claramente, é: a cada dia que passa, Maduro está mais fraco e mais isolado.

Qual é o papel político específico que pode ser desempenhado pela Europa? Para além de uma resolução que disse ser extremamente importante, mas que não deixa de ser uma resolução não vinculativa...

A Europa pode fazer muitas coisas a nível político, financeiro e de comunicação. O que aconteceria se três, quatro ou cinco milhões de venezuelanos abandonassem o país neste momento? Muitos iriam para a Europa, para Itália, para Portugal, para Espanha. Esta não é uma questão de esquerda ou de direita, é uma questão de liberdade versus opressão, é uma questão de corrupção versus justiça e é uma questão de violação brutal dos direitos humanos versus respeito pelos mesmos. Penso que a Europa deve abordar uma política de ações individuais restritivas contra os violadores dos direitos humanos, de forma a que o custo da repressão aumente para aqueles que são agora obrigados a perseguir ou a reprimir, que sabem que isso teria um custo enorme para eles ou para as suas famílias. E, claro, fechar as fontes de financiamento criminoso que o regime obtém através do ouro, dos minerais, da prostituição e do tráfico de droga. A Europa pode fazer muito nesse domínio.

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Pescadores num porto de expedição de crude
Pescadores num porto de expedição de crudeRodrigo Abd/AP

A Europa tem responsabilidades específicas? O que é que a Europa tem a ver com este tipo de produção ilegal ou de comércio ilegal?

Sem dúvida. Muitos países da Europa acabam por ter o seu sistema financeiro utilizado para esconder recursos provenientes da corrupção ou do crime.

Quais são esses países?

São vários. Eu prefiro, neste caso, não os mencionar

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Há cartéis da máfia siciliana que atuam na Venezuela?

Há esquemas financeiros que foram utilizados pelo regime. Em muitos casos, eles (alguns membros do regime) até têm propriedades nos países europeus, propriedades imobiliárias, em várias cidades da Europa. Eles sabem-no. Portanto, penso que este é um momento em que é preciso compreender que estes recursos estão a ser utilizados por Maduro para a repressão, para a violação dos direitos humanos.

O petróleo pode trazer muitos benefícios para um país. No entanto, a história diz-nos que pode criar muitos problemas a alguns países como a Venezuela, vulgarmente conhecidos como petroestados. Apesar dos problemas inerentes ao regime desde o tempo de Chávez, a Venezuela foi também afetada por contradições mais antigas e não resolvidas relacionadas com a economia do petróleo. O que é que se pode fazer para resolver estes problemas quando o regime acabar?

Se o Estado o controla o petróleo para se tornar poderoso e subjugar a sociedade, isso é, evidentemente, condenável. Mas se for usado como um mecanismo para tornar a sociedade mais competitiva, para que haja investimentos, para que a Venezuela possa ser também um país inserido na transição energética e que promova empresas e o emprego, isso vai gerar serviços da mais alta qualidade para os venezuelanos. No entanto, em vez de ser apenas uma solução para o conflito energético mundial, uma espécie de bênção, vimos que nas mãos do chavismo foi uma desgraça para o país, para a Venezuela e para a região.

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Mas nós vamos transformar a Venezuela. Ouçam-me com atenção: vamos estar no centro energético das Américas. O petróleo será utilizado para gerar uma riqueza baseada no conhecimento, no trabalho e na inclusão de toda a sociedade. Uma sociedade produtiva, trabalhadora, com valores, com respeito à dignidade. E isso só pode vir da liberdade.

Por isso é que eu estava a perguntar: Onde está o petróleo?

Essa é uma das lições que aprendemos e é uma lição muito poderosa. A riqueza não está no petróleo. Essa é a grande lição dos venezuelanos. Nós vamos aproveitar o petróleo para transformar a Venezuela numa nação próspera, para onde regressam os nossos filhos, que nos une a nós, venezuelanos. Teremos os nossos filhos de volta.

É uma lição que pode ser alargada, que pode ser alargada a outras grandes potências petrolíferas?

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Sem dúvida. E uma lição sobre o valor da democracia e da liberdade. É preciso cuidar dela todos os dias. Pensámos que era algo que já tínhamos herdado. Quando a perdemos, custa muito recuperá-la. Mas a liberdade é então valorizada como nunca antes. Tal como o amor à família e a possibilidade de viver no nosso país com dignidade.

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