Os números agora divulgados pelo Portal da Violência Doméstica, relativos aos meses de abril a junho, mostram-se que a violência doméstica, sobretudo contra mulheres, não abrandou. A Euronews falou com o autor de um livro que investiga o tema a fundo.
Só na primeira metade deste ano, 13 pessoas morreram em Portugal como consequência da violência doméstica, entre elas 11 mulheres. Os dados são do Portal da Violência Doméstica, da responsabilidade da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), que publicou agora os números referentes aos meses de abril a junho.
Segundo o documento, durante esses três meses foram mortas seis pessoas (cinco mulheres e um homem). A PSP e a GNR registaram 7713 ocorrências, mais 657 do que no trimestre anterior, segundo os dados divulgados na segunda-feira.
Um total de 5939 pessoas estavam a receber teleassistência, mais 81 do que nos três meses anteriores. A Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica (RNAVVD) acolheu 1401 pessoas - 733 mulheres, 643 crianças e 25 homens.
Durante este trimestre, as prisões portuguesas tinham 1461 pessoas detidas por crimes relacionados com violência doméstica, das quais 395 em prisão preventiva e 1066 a cumprir pena efetiva.
Já no que diz respeito às 1225 pessoas com outras medidas de coação, 922 destas estavam a usar uma pulseira eletrónica. Ainda segundo o mesmo portal, há 2924 alegados agressores que estão a ser acompanhados por programas específicos. Destes, 230 estão em meio prisional.
Medo de falar é menor
O fenómeno da violência doméstica ganhou mediatismo em Portugal nos últimos tempos, com casos que fizeram manchete como o de José Castelo Branco e Betty Grafstein, ou o do bombeiro da Madeira cuja violenta agressão à mulher, à frente do filho de nove anos, foi gravada por uma câmara de vigilância. O suspeito, de 35 anos, está em prisão preventiva. O caso, ocorrido há um mês, gerou indignação por o alegado agressor ter sido, numa primeira fase, meramente identificado pela polícia e só no dia seguinte detido.
Embora o número de casos conhecidos tenha vindo a aumentar, sobretudo devido ao aumento das denúncias, há um grande número de histórias de violência doméstica que ainda fica por denunciar. No entanto, "as pessoas têm cada vez menos medo de falar", conta à Euronews Paulo Jorge Pereira, autor do livro "Murro no Estômago", publicado em 2020, trabalho de investigação sobre a violência doméstica em Portugal.
"Há mais denúncias porque há mais facilidade e mais vias para que essas denúncias sejam feitas", diz. Além da CIG, existem entidades como a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) ou a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta, que existe desde 1976 e é a associação mais antiga em Portugal a defender e acompanhar as mulheres vítimas de violência doméstica.
Além disso, Paulo Jorge Pereira destaca o facto de, desde há 25 anos, a lei portuguesa consagrar a violência doméstica como crime público, o que significa que a denúncia tanto pode ser feita pela vítima como por qualquer outra pessoa: "Há um esforço em várias áreas, incluindo também no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que aumentou", acrescenta Paulo Pereira.
No entanto, isso não significa que haja uma grande mudança nas mentalidades: "As mentalidades evoluem muito lentamente", diz. "Por exemplo, quando vou a escolas falar sobre o tema da violência no namoro, noto ainda uma grande resistência, por parte de alguns grupos de adolescentes, quando falo de coisas como o controlo de mensagens e redes sociais", diz ainda Paulo Pereira, que destaca o crescimento do fenómeno do discurso misógino, amplificado pelas redes sociais, um discurso que "aumentou, sobretudo, nos casos em que é dirigido a mulheres em posições relevantes".
Se as mulheres constituem a esmagadora maioria das vítimas de violência doméstica, esta atinge também muito as crianças e fala-se, cada vez mais, da violência contra homens adultos, embora esta seja claramente minoritária. Das 13 vítimas mortais registadas entre janeiro e junho, duas eram homens adultos: "Esta violência tanto pode ser exercida por mulheres como por outro homem, por exemplo, no contexto de relações entre pessoas do mesmo sexo", explica Paulo Pereira.
Os homens continuam a constituir o grosso dos agressores. No caso dos 13 homicídios registados este ano pela CIG, António Fogaça, deste organismo, confirmou à Euronews que os perpetradores são todos de sexo masculino.