Em caso de colapso dos mercados financeiros, podem ser perdidos biliões de dólares. Especialistas de todo o mundo, incluindo os bancos centrais, estão a alertar para os riscos. Mas quais são os sinais a ter em conta?
Estima-se que meio bilião de dólares tenha sido eliminado dos mercados financeiros esta semana, com algumas das maiores empresas tecnológicas, incluindo a Nvidia, a Microsoft e a Palantir Technologies, a sofrerem uma queda temporária, mas considerável, do preço das suas ações na terça-feira. Pode ter sido apenas uma correção de curta duração, mas os especialistas alertam para os sinais crescentes de um colapso do mercado financeiro, que poderia custar várias vezes esse montante.
Com a crescente dependência da tecnologia e da IA, os críticos argumentam que apostar nestes lucros é um risco, sublinhando que o futuro permanece incerto.
O banco central de Singapura juntou-se a um coro global de avisos do FMI, do presidente da Fed, Jerome Powell, e de Andrew Bailey sobre a sobrevalorização das ações.
A Autoridade Monetária de Singapura afirmou, na quarta-feira, que essa tendência é alimentada pelo "otimismo na capacidade da IA de gerar retornos futuros suficientes", o que pode desencadear correções acentuadas no mercado de ações em geral.
A Goldman Sachs e a Morgan Stanley preveem um declínio de 10-20% nas ações nos próximos um a dois anos, disseram os seus CEO na Cimeira de Investimento dos Líderes Financeiros Globais em Hong Kong, segundo a CNBC.
Os especialistas entrevistados pela Euronews Business também concordam que uma correção considerável pode estar a caminho.
Na pior das hipóteses, um crash do mercado poderia eliminar biliões de dólares dos mercados financeiros.
Segundo Mathieu Savary, estratega-chefe europeu da BCA Research, as grandes empresas tecnológicas, incluindo a Nvidia e a Alphabet, provocariam uma queda de 4,4 biliões de dólares (3,8 biliões de euros) se perdessem apenas 20% do valor das suas ações.
"Se caírem 50%, estamos a falar de uma perda de 11 biliões de dólares (9,6 biliões de euros)", afirmou.
Corrida à IA: bolha ou boom?
Este ano, o mercado bolsista dos EUA contrariou as expectativas. O S&P 500 subiu quase 20% nos últimos 12 meses, apesar das tensões geopolíticas e da incerteza comercial global impulsionada pelas políticas tarifárias de Washington. Os ganhos foram mais fortes no setor da tecnologia, impulsionados pelo otimismo quanto aos lucros futuros da IA.
Embora as Big Tech continuem a dar resultados, com investimentos multimilionários em IA e a construção massiva de infraestruturas agora rotineiras, estão a crescer as preocupações com o abrandamento da economia dos EUA, agravadas pela escassez de dados durante a paralisação do governo. Quando novos números forem divulgados, estes poderão abalar os investidores.
O entusiasmo com a IA é mais evidente nos extraordinários ganhos das ações da Nvidia e na sua valorização crescente. A empresa é fundamental para a revolução tecnológica, uma vez que as suas unidades de processamento gráfico (GPU) são essenciais para a computação de IA.
As ações da Nvidia subiram mais de 3000% desde o início de 2020, tornando-a, recentemente, a empresa pública mais valiosa do mundo. Só entre julho e outubro, ganhou 1 bilião de dólares (870 mil milhões de euros) em capitalização de mercado - aproximadamente igual ao PIB anual da Suíça. As suas ações são negociadas a cerca de 45 vezes os lucros previstos para o ano fiscal em curso.
Derren Nathan, diretor de pesquisa de ações da Hargreaves Lansdown, afirmou: "Grande parte desse crescimento é respaldado por um progresso financeiro real e, apesar do enorme aumento nominal no valor, as avaliações relativas não parecem exageradas".
Os analistas debatem se o mercado atual reflete a bolha das "dot-com" de 2000. Nathan observa que muitas das empresas tecnológicas que faliram nessa altura nunca chegaram a ser rentáveis, ao contrário das gigantes de hoje, que geram receitas e lucros sólidos, com uma forte procura dos seus produtos.
Ben Barringer, diretor global de investigação tecnológica da Quilter Cheviot, acrescentou: "Com os governos a investirem fortemente em infraestruturas de IA e com cortes prováveis nas taxas de juro no horizonte, o setor tem bases sólidas. É um mercado caro, mas não necessariamente uma bolha gritante. O impulso é difícil de sustentar e nem todas as empresas irão prosperar."
A BCA Research considera que se está a formar uma bolha, embora não esteja prevista a sua explosão imediata. Mathieu Savary, estratega-chefe para a Europa, afirma que, historicamente, estas bolhas atingem o seu pico quando as empresas começam a depender de financiamento externo para grandes projetos.
Segundo Savary, os investimentos em ativos para crescimento futuro, ou despesas de capital, em percentagem do fluxo de caixa operacional, aumentaram de 35% para 70% no caso das empresas de hiperescala. Estas são empresas tecnológicas, como a Microsoft, a Google e a Meta, que operam enormes redes de computação em nuvem.
"É provável que a percentagem dos lucros operacionais ultrapasse os 100% antes de atingirmos o pico", acrescentou Savary. Isto significa que, em breve, as empresas poderão estar a investir mais do que ganham com as suas operações.
Exemplos recentes de grandes empresas tecnológicas que recorreram a financiamento externo para este tipo de iniciativas incluem o projeto Hyperion da Meta com a Blue Owl Capital e a emissão de obrigações no valor de três mil milhões de euros da Alphabet para a expansão da IA e da cloud.
Embora o crescimento do investimento em IA seja difícil de sustentar, Barringer, da Quilter, disse à Euronews: "Se o CapEx [despesas de capital, na sigla em inglês] começar a moderar-se no final deste ano, os mercados poderão começar a ficar nervosos".
Outros fatores a ter em conta incluem o retorno do capital investido e o aumento dos rendimentos e das pressões inflacionistas, o que poderá sinalizar um custo de capital mais elevado e uma bolha a aproximar-se do fim.
"Mas ainda não chegámos a esse ponto", afirma Savary.
Outras preocupações e como se proteger contra a turbulência do mercado
Mesmo quando as empresas tecnológicas aproveitam a onda da IA, as expectativas inflacionadas em relação aos lucros futuros podem ser difíceis de satisfazer.
"O principal problema dos céticos pode não ser com o potencial da IA em si, mas sim com as avaliações que os investidores estão a pagar por esse potencial e com a rapidez com que esperam que ele se materialize", afirmou Russ Mould, diretor de investimentos da AJ Bell.
Um relatório recente da BCA reflete as razões crescentes para questionar a narrativa da IA, mas a tecnologia "continua a ser uma força potente", afirmou o grupo.
Se o otimismo dos investidores abrandar, "uma correção acentuada na tecnologia poderá ainda ter efeitos em cascata nos mercados mais amplos, dado o peso dominante do setor nos índices globais", destacou Barringer. Acrescentou que outras regiões e classes de ativos, como as obrigações e commodities, seriam menos diretamente afetadas e poderiam proporcionar um equilíbrio importante durante uma recessão.
De acordo com Emma Wall, estratega-chefe de investimentos da Hargreaves Lansdown, "os investidores devem aproveitar esta oportunidade para cristalizar ganhos impressionantes e diversificar as suas carteiras de modo a incluir uma gama de setores, geografias e classes de ativos - adicionando resiliência às carteiras. A subida do preço do ouro está a dar mais um sinal de alerta, um aviso de que esta recuperação não vai durar".