Musica foi espreitar os bastidores da Metropolitan Opera de Nova Iorque e ver os preparativos para a estreia desta ópera composta pelo músico de jazz Terence Blanchard.
A inovadora ópera "Champion", apresentada pela primeira vez na Metropolitan Opera de Nova Iorque, foi a primeira composta pelo famoso trompetista e compositor de jazz Terence Blanchard.
Na segunda parte da nossa viagem com o elenco e a equipa de "Champion", Musica segue o emocionante processo de ensaio até à noite de estreia, dando uma vista de olhos aos bastidores e descobrindo o que é necessário para encenar uma obra-prima moderna.
Caos controlado: Preparar a estreia
Começou a contagem decrescente final. Faltam duas semanas para a estreia de "Champion: Uma Ópera em Jazz".
A orquestra está a ensaiar, mas o que se vê é apenas a ponta do icebergue. A Metropolitan Opera é como um enorme transatlântico que nunca para.
"Temos, literalmente, um palco que está a ser utilizado 24 horas por dia, porque depois desta manhã tivemos um ensaio para 'Champion'. Esta noite temos uma atuação de 'O cavaleiro da rosa'. Durante a noite, um grupo noturno transformará o cenário de novo em 'Champion' para podermos retomar o ensaio amanhã de manhã", explicou Peter Gelb, Diretor-Geral da Metropolitan Opera de Nova Iorque. "É ininterrupto e é assim que gostamos. É um caos controlado", disse Gelb à Musica.
Terence Blanchard fez história em 2021 como o primeiro compositor negro a ter a sua obra apresentada na Metropolitan Opera.
"Estar aqui é surreal para mim. Sou um músico de jazz. Não é a minha rotina diária", explicou. "Este sítio tem tanta história. E sente-se isso nas paredes. Há muitas pessoas fantásticas a trabalhar aqui, que já cá estão há anos e que sabem o que estão a fazer."
Muitos artesãos e artistas estão a trabalhar para um objetivo: encenar o drama convincente de Emile Griffith - a verdadeira história de um dos maiores pugilistas de todos os tempos.
Ryan Speedo Green é um baixo-barítono que interpreta o papel de Emile Griffith na produção.
"Interpreto o Emile que ainda é inocente, com grandes sonhos e grandes esperanças", conta. "No decorrer da ópera, vemos essas esperanças tornarem-se menos esperanças e mais a realidade. E ele tem não só de lidar com o facto de não ser sexualmente o que pensava ser, mas também de chegar a um ponto em que se apercebe que a sociedade não aceita quem ele é e isso esmaga-o."
Emile Griffith veio para Nova Iorque na década de 1950. A sua carreira no boxe disparou e tornou-se campeão mundial de pesos-médios.
Mas teve dificuldades em lidar com a sua bissexualidade num desporto masculino. Em 1962, o seu adversário Benny "Kid" Paret sussurra-lhe insultos homofóbicos. Emile Griffith põe-no em coma e ele morre pouco depois. A culpa assombrou-o para o resto da sua vida.
Movimento e música entrelaçam-se
Para musicar esta história emocionante, o compositor funde diferentes géneros musicais - desde o gospel e o calipso até à ópera tradicional, ao samba e ao jazz.
A improvisação é um elemento-chave nesta ópera.
"Penso que o desafio aqui é algo que resulta do facto de não estarmos habituados a ter um quarteto de jazz no fosso, mas temos esta bateria de uma forma que, assim que começamos o número, o baterista torna-se uma espécie de maestro", disse o maestro Kensho Watanabe.
"Há uma interação maravilhosa que posso ter com o baterista para negociar um pouco os tempos", acrescentou.
"Sendo um músico de jazz, nunca toquei a mesma música da mesma forma. Não é isso que fazemos", disse Terence Blanchard. "Por isso, dou-lhes muita liberdade porque se trata de se exprimirem e de encontrarem a vibração que melhor conta a história naquele momento."
Os enormes números de dança dão um sabor especial a esta ópera inovadora. Mas representam outro desafio para o elenco, que é posto à prova numa aula de movimento.
"Estava muito entusiasmada por trabalhar com os atores nos seus diferentes movimentos e estava muito inspirada pelo ritmo que Terence compôs", admitiu a coreógrafa Camille A. Brown.
"Queria fazer algo que incorporasse movimentos de boxe e aquecimento, mas que tivesse um ritmo. Por isso, fizemos flexões, demos murros, um pouco de tudo."
"Estou a aperceber-me de que não sou apenas um cantor de ópera, mas tenho o coração de um bailarino", disse Ryan Speedo Green à Musica. "Sinto que estou realmente a trilhar novos caminhos como artista, entrando no meu corpo. Este espetáculo, especificamente 'Champion', mostra que nós, enquanto cantores de ópera, temos mais do que apenas vozes."
Direção de cena: A arte de manter a cabeça fria
Enquanto os ensaios estão em pleno andamento, são dados os últimos retoques nos figurinos. Mas as tensões estão a aumentar e tudo acontece sob o olhar atento das diretoras de cena, que coordenam um enorme grupo de pessoas.
"É preciso ter calma. É preciso ser capaz de lidar com crises e manter toda a gente calma", diz Christy Langan, que, juntamente com a sua colega Yasmine Kiss, trabalha como diretora de cena.
"A Yasmine está lá fora a dar sinal para tudo o que funciona com carris, tudo o que voa, os sinais, a automação, tudo o que se move. Para o processo artístico, ela está lá fora com o diretor na casa", explica Langan. "Eu estou no palco a comunicar com ela e certifico-me de que todas as pessoas estão lá, todas as mudanças de roupa, todos os adereços estão prontos. Portanto, entre nós as duas, gerimos tudo."
"Para mim, o maior desafio é o facto de ser uma ópera completamente nova. E temos um compositor vivo que está sentado a dois lugares de mim na casa", disse à Musica a colega diretora de cena Yasmin Kiss.
"Por isso, musicalmente, é necessário um pouco mais de esforço para conhecer a peça e compreender a linguagem musical, porque a linguagem musical moderna pode ser muito diferente de fazer um Mozart histórico ou algo do género", acrescenta.
Mudar o rosto da ópera
Finalmente, é a noite de estreia e a magia acontece. A cortina sobe para quase 4 mil pessoas que assistem a esta nova produção de "Champion".
Esta obra também faz parte da visão da Met para o futuro. A companhia está a tentar mudar a face da ópera com novas obras acessíveis e histórias com as quais as pessoas se possam identificar.
"O objetivo é trazer as pessoas para a sala, para que possam experimentar a ópera", explicou o compositor Terence Blanchard. "Houve um senhor que me disse: 'Meu, se isto é ópera, eu vou'. E isso surpreendeu-me porque, basicamente, ele estava a dizer-me que se tinha visto em palco. Viu uma história que conhecia, algo que pode relacionar com a sua vida."
"Poderíamos certamente envidar esforços para tornar a ópera mais acessível e mais relevante para um público mais vasto e mais jovem, e temos de o fazer", afirmou Peter Gelb. "E é também por isso que vamos apresentar, ao longo das próximas cinco temporadas, 17 estreias na Met, o que constitui um número sem paralelo de novos trabalhos, provavelmente em toda a história da Metropolitan Opera, em todos os seus 140 anos."
"Com esta ópera, 'Champion', tenho a oportunidade de quebrar os preconceitos dos espetadores de ópera. Quando os fãs da ópera vêm ver o espetáculo, vão experimentar e ver coisas que normalmente não veem", conclui Ryan Speedo Green.