Um processo histórico interposto por uma família de refugiados sírios contra a Frontex, a agência de controlo das fronteiras da União Europeia (UE), foi rejeitado pelo Tribunal Geral da UE, num duro golpe para os defensores dos direitos humanos.
O Tribunal Geral da UE, com sede no Luxemburgo, declarou que, uma vez que a Frontex não tem competência para avaliar pedidos de asilo, não pode ser responsabilizada por danos, num acórdão publicado na quarta-feira.
"São apenas os Estados-membros que têm competência para avaliar o mérito das decisões de regresso e para examinar os pedidos de proteção internacional", afirmaram os juízes.
A família síria, composta por um casal com quatro filhos, procurava obter uma indemnização após ter sido deportada da Grécia para a Turquia, em 2016.
A família tinha fugido da guerra civil na Síria e pediu asilo ao chegar à Grécia, mas foi deportada para a Turquia numa operação conjunta conduzida pela Frontex e pelas autoridades gregas.
A equipa jurídica que representa a família disse à Euronews que a decisão é "insatisfatória".
"Eles (a família) estão desapontados com o facto de a Frontex não ser responsabilizada pelo seu papel na expulsão ilegal de que são vítimas e pela forma como foram deportados", disse um advogado de direitos humanos da empresa holandesa Prakken d'Oliveira.
Os advogados da família consideram que o acórdão levanta questões fundamentais sobre o mandato e a responsabilidade da Frontex.
"O artigo 34.º do Regulamento da Frontex estipula que esta deve estabelecer "um mecanismo eficaz para controlar o respeito pelos direitos fundamentais em todas as actividades da Agência'", afirmaram.
"O acórdão não esclarece o que isto significa na prática. Continua a não ser claro de que forma a Frontex é obrigada a realizar a sua tarefa de controlo", acrescentaram os juristas que representam a família.
"Cabe agora às instituições políticas, especialmente à Comissão Europeia, clarificar o mandato da Frontex. Tem de clarificar a forma como a Frontex deve monitorizar o cumprimento dos direitos humanos", diz a equipa da Prakken d'Oliveira, confirmando que irá considerar outras medidas legais.
Os peritos em direitos humanos também manifestaram a sua preocupação relativamente ao acórdão.
Steve Peers, da Royal Holloway University London, sugeriu no X (antigo Twitter), que a decisão contradiz as disposições em matéria de direitos humanos previstas no regulamento da Frontex.
"É irrelevante o facto de a Frontex não decidir formalmente sobre os regressos ou os pedidos de asilo: a questão é saber se violou as suas obrigações de não contribuir para uma violação dos direitos humanos", escreveu Peers.
Em resposta à decisão do Tribunal Geral da UE, a Frontex disse que "os valiosos conhecimentos adquiridos com este caso permitem-nos melhorar continuamente os nossos procedimentos de regresso, garantindo que todos os indivíduos afetados são tratados com o máximo respeito".
A agência também disse que exige que os Estados-membros, neste caso a Grécia, confirmem que para as pessoas foram "emitidas decisões individuais de retorno executórias e que lhes foi concedida a oportunidade de procurar proteção internacional".
Quais eram as queixas?
A família, originária da cidade curda de Kobani pediu 136 mil euros de indemnização pelos custos materiais incorridos e pelos danos emocionais das alegadas violações dos direitos humanos sofridas às mãos da Frontex.
Durante o voo para a Turquia, os filhos da família - na altura com idades compreendidas entre um e sete anos - foram, alegadamente, separados dos pais. A equipa jurídica da família argumentou que o tratamento que lhes foi dado violava os direitos da criança consagrados na legislação da UE.
Após a sua chegada à cidade turca de Adana, a família foi detida e, quando foi libertada, não teve acesso a serviços básicos, como alojamento, água e saneamento. Desde então, instalaram-se no Iraque.
Um precedente judicial?
Os ativistas dos direitos humanos esperavam que criasse um precedente positivo para os requerentes de asilo a partir deste caso, que foi apresentado em 2021, cinco anos depois de a família síria ter sido deportada de avião para a Turquia a partir da ilha grega de Kos.
Esta foi a primeira vez em que a Frontex teve de enfrentar uma ação judicial por alegada "expulsão" de refugiados, uma acusação que tem sido repetidamente feita à agência.
A Frontex está, atualmente, a ser investigada pela Provedora de Justiça Europeia pelo seu papel no naufrágio mortal do navio Adriana, em julho passado, onde se estima que cerca de 750 migrantes tenham perdido a vida.
Desde então, o responsável pelos direitos fundamentais da agência deu a entender que a Frontex poderia suspender todas as atividades na Grécia, numa disputa sobre o papel da Guarda Costeira grega no incidente.
De acordo com a agência, há atualmente 518 oficiais permanentes da Frontex a trabalhar na Grécia (parte continental e ilhas), que também opera 11 barcos e 30 carros de patrulha.
A decisão do Tribunal Geral surge no meio de um aumento dos pedidos de asilo na UE, que colocou a migração no topo da agenda política. Novas estatísticas divulgadas, esta semana, revelam que foram apresentados 519 mil pedidos, no primeiro semestre de 2023. Tal representa um aumento de 30% em comparação com o mesmo período de 2022.