O projeto de lei sobre o fim da vida regressa ao processo legislativo depois de ter sido interrompido pela dissolução do parlamento levada a cabo pelo presidente francês Emmanuel Macron no ano passado.
Os deputados franceses reavivaram um dos debates mais polémicos do país sobre a eutanásia.
Os deputados começaram a analisar dois projetos de lei na segunda-feira, centrados no reforço dos cuidados paliativos e na legalização da morte assistida para adultos com mais de 18 anos com doenças incuráveis, avançadas ou terminais.
O objetivo é permitir que os doentes recebam ou administrem uma substância letal, por si próprios ou com assistência médica.
A legislação proposta, que permitiria o acesso a substâncias letais em condições estritas, suscitou um debate aceso em todas as linhas políticas.
No entanto, a legislação estipula que apenas os doentes capazes de exprimir livre e claramente o seu desejo informado de pôr termo à sua vida serão elegíveis.
Isto significa que os doentes com Alzheimer ou que estejam em coma irreversível não podem ser considerados elegíveis para o ato.
Para além do requisito de que o pedido do doente seja feito de forma livre e informada, a legislação estipula que o doente deve sofrer de dores físicas ou psicológicas que não possam ser aliviadas por tratamento.
Divergências políticas profundas
Com o apoio dos deputados pró-Macron e de grande parte da esquerda, o projeto de lei enfrenta uma forte oposição dos parlamentares conservadores e da extrema-direita, que defendem que os recursos deveriam ser canalizados para a melhoria dos cuidados paliativos.
O deputado centrista Olivier Falorni defendeu apaixonadamente o direito a morrer: "Não há nada mais belo do que a vida, mas por vezes há algo pior do que a morte. Sim, há algo ainda pior do que a morte, quando a vida se tornou numa agonia inexorável", disse Falorni no parlamento, na segunda-feira à noite.
Philippe Juvin, deputado conservador e anestesista, mostrou-se muito preocupado com os potenciais perigos da legalização do ato de morte assistida.
"Nenhum país foi tão longe, tanto no que diz respeito ao âmbito, à natureza expedita, à fraqueza do controlo, como à pressão que isto irá exercer sobre os mais vulneráveis. O que os prestadores de cuidados e os doentes precisam é de tempo para cuidar, aliviar e apoiar", afirmou Juvin.
Crise dos cuidados paliativos
Enquanto o debate se desenrolava, centenas de manifestantes reuniram-se no exterior da Assembleia Nacional.
Vestindo batas médicas azuis e deitados no chão para representar um "hospital ao ar livre", os manifestantes, liderados pela associação pró-vida Alliance Vita, exigiam um maior investimento nos cuidados paliativos e não a legalização da eutanásia.
Foram espalhados no local cartazes com mensagens como: "Queremos cuidados paliativos", "Não à eutanásia" e "Apoiem os mais vulneráveis".
Um dos principais argumentos contra o projeto de lei é o facto de a França ter uma grande lacuna na prestação de cuidados paliativos de qualidade.
De acordo com estimativas da Cour des Comptes (a instituição suprema de auditoria francesa), quase metade das pessoas que poderiam beneficiar de cuidados paliativos não os recebem. Isto representa cerca de 180.000 doentes por ano.
Este problema é particularmente alarmante no contexto dos cuidados domiciliários e dos lares de idosos, onde os profissionais de saúde estão frequentemente mal equipados para gerir os cuidados em fim de vida.
Tugdual Derville, presidente da organização pró-vida Alliance Vita, tem-se manifestado abertamente contra o projeto de lei, sublinhando que o sistema de saúde tem de ser reformado antes de se pensar sequer na morte assistida.
"Precisamos de reparar o sistema de saúde, precisamos de tornar os cuidados de saúde acessíveis aos franceses, em especial o alívio da dor e os cuidados paliativos, e precisamos de manter a proteção conferida pela proibição de matar entre os prestadores de cuidados e as pessoas de quem se cuida", disse Derville num protesto realizado em frente à Assembleia Nacional.
Muitos opositores do projeto de lei argumentam que a falta de cuidados paliativos adequados é a causa principal do sofrimento de muitos doentes e do seu desejo de pôr termo à vida.
Séverine, uma manifestante e opositora feroz do projeto de lei, acredita que foi exatamente isso que aconteceu à sua tia.
"A minha tia estava a sofrer psicologicamente... Não conseguia viver sozinha, por isso foi enviada para um lar de idosos. Não havia lá ninguém. O médico de clínica geral vinha uma vez de 2 em 2 meses... Não havia ninguém para aliviar o seu sofrimento psicológico. Por isso ela tentou pôr termo à vida. Ela queria morrer porque não havia solução para o seu sofrimento", explicou Séverine numa entrevista à Euronews.
A votação final dos dois projetos de lei está prevista para 27 de maio. Numa situação rara, os partidos políticos decidiram não impor disciplina voto devido ao caráter pessoal da proposta. Isto significa que os deputados votarão com base nas suas próprias convicções.