Russell Banks: "Assistimos à emergência do medo do outro"

Os seus livros costumam abordar contextos de marginalidade, dominados pela droga, o alcoolismo e a violência. Russell Banks é um galardoado escritor americano também conhecido pelo ativismo político e pelo olhar crítico que lança sobre a realidade dos dois lados do Atlântico. Entrevista da jornalista Lesley Alexander.
Donald Trump é amoral, implacável e ignorante.
Lesley Alexander, euronews: O que é que o atrai no lado mais obscuro da vida e nas personagens que se encontram à margem? Que lado seu é que isso nos mostra?
Russell Banks: Antes de mais, não considero que a minha escrita retrate as minorias ou os elementos obscuros da sociedade – retrata, sim, a maioria. A maior parte das pessoas tem um lado obscuro e esse lado pode acabar por controlar a vida de uma forma inacreditável. É verdade que tenho uma visão algo sombria do mundo. Costumo dizer que o mal acaba sempre por ganhar. Acho que é inevitável.
euronews: De que forma é que isso está ligado à sua infância? Li que enfrentou um contexto familiar muito difícil quando era criança…
RB: Diria que sim. Estamos a falar dos anos 40 e 50. A minha vida familiar foi muito dominada pelo alcoolismo e pelo abandono. O meu pai deixou-nos quando eu tinha 12 anos. Eu era o mais velho de quatro filhos. Crescemos no meio da pobreza com uma mãe que ficou sozinha… Muito cedo, comecei a sentir-me marginalizado. E, quando olhava à minha volta, identificava-me com outros que também se sentiam marginalizados, fosse pela cor da pele, fosse pelo género, fosse pela orientação sexual ou pela posição no seio da sociedade. Portanto, o processo de identificação nunca foi difícil para mim.
euronews: A escrita é uma forma de terapia ou isso é simplificar demasiado as coisas?
RB: Sim, porque se era uma terapia, então não funcionou!
euronews: Nada?
RB: Nada. Para mim, é um método rigoroso de disciplinar a minha atenção e a minha vida. Quando escrevo, sou mais inteligente do que quando não escrevo. E sou mais sincero do que quando não escrevo. E, provavelmente, sou um ser humano mais generoso.
euronews: A liberdade de expressão é algo que para si é crucial. Esteve em Paris em janeiro de 2015, logo a seguir aos ataques ao Charlie Hebdo. O que é que mais o marcou nessa altura?
RB: Aquilo foi um crime horrendo contra toda a Humanidade. Senti exatamente aquilo que senti em Nova Iorque. Eu estava lá no 11 de setembro, vi as torres colapsarem. Em Paris, foi uma experiência muito idêntica, ver e participar naquela corrente emocional coletiva de luto, raiva e medo.
euronews: Relativamente ao sentimento de medo: sei que queria muito vir até Lyon participar no fórum literário, mas parece haver agora entre os americanos um certo receio de vir à Europa por causa das ameaças à segurança…
RB: Isso é absurdo…
euronews: Não hesitou em vir?
RB: Claro que não… É uma ansiedade infundada, em termos estatísticos. Se tivermos medo, o terrorismo ganha. Eu recuso-me a ficar em casa por causa disso.
Biografia: Russell Banks
- Nascido a 28 de março de 1940 em Newton, Massachusetts, EUA
- Autor de novelas, contos e poesia
- Distinguido com inúmeros prémios e finalista do Pulitzer por duas vezes
- Obra traduzida em 20 línguas. Entre os títulos mais conhecidos estão “Confrontação” e “O Futuro Radioso”
- Casou 4 vezes. A atual mulher é a poetisa Chase Twichell
euronews: O que é certo é que vivemos um período político muito agitado em ambos os lados do Atlântico: o populismo e o nacionalismo estão a crescer, por exemplo. Como é que olha para o que está a acontecer na Áustria, em França, no Reino Unido e nos Estados Unidos, com o avanço de Donald Trump?
RB: Nos Estados Unidos, tanto na esquerda com o Bernie Sanders, como na direita com o Donald Trump, estamos a assistir à emergência do medo, do medo do outro, do medo daqueles cuja língua ou a pele ou a religião são diferentes da maioria. Há também uma ansiedade económica. Pela primeira vez nos Estados Unidos, as pessoas estão a começar a ter noção de que a economia é, basicamente, controlada por 1% da população.
euronews: Subscreveu uma petição online chamada “StopHateDumpTrump”, juntamente com dezenas de milhares de americanos anónimos e de figuras como Jane Fonda, Danny Glover…
RB: Os suspeitos do costume…
euronews: Considera perigoso ter Trump como presidente? Acha possível ele ganhar as eleições?
RB: Primeiro, acho que há uma possibilidade muito forte. Segundo, acho que seria muito perigoso. Ele é completamente louco, sofre de um distúrbio narcísico profundo. E depois é um manipulador exímio e domina a linguagem televisiva. É alguém de amoral, implacável e ignorante.
euronews: Não poupa adjetivos…
euronews: A ideia de ter Trump a controlar os militares, as relações externas e a economia dos Estados Unidos, para mim, é um pesadelo.
euronews: Do outro lado, temos Bernie Sanders. Encontrei um artigo que o senhor escreveu nos anos 80…
RB: Em 1986.
euronews: Na altura, ele era autarca numa pequena cidade. Passou algum tempo com ele e descreveu-o de uma forma que antecipava aquilo que ele é hoje…
RB: Ele não mudou nem um bocadinho.
euronews: Viu nele um futuro presidente?
RB: Não, de todo.
euronews: Apoia a sua candidatura?
RB: Sim, votei nele na Flórida. Votei nele nas primárias. E mandei um cheque de 25 dólares para a campanha. Assim posso ser um dos milhões de contribuidores de que ele tanto gosta de se gabar.
euronews: Terminemos regressando à escrita. Está a acabar um novo projeto, um livro diferente de todos os outros. Trata-se do quê exatamente?
RB: Uma das coisas que nunca fiz até agora foi escrever sobre mim. É uma espécie de livro de memórias. É um homem de 76 anos a tentar lançar um olhar sobre o que ficou para trás. Na verdade, é sobre um período específico da vida, o casamento. Eu fui casado quatro vezes. Divorciei-me três. Portanto, é uma tentativa de entender o que é que aconteceu. Como é que eu fui capaz de fazer isso a mim e aos outros?
euronews: E a primeira frase do livro vai tornar-se um clássico…
RB: A primeira frase explica mais ou menos o tema do livro. A primeira frase é: “Um homem que casou quatro vezes tem muitas explicações a dar…”