Há restaurantes a servir tubarão como se fosse espadarte

O aviso surgiu esta quarta-feira pela bióloga marinha Simone Niedermüller, do Fundo Mundial da Natureza (WWF, na sigla original): "Os tubarões estão a preencher o vazio deixado por outros peixes comestíveis".
(O presente artigo foi atualizado para corrigir a tradução do inglês "swordfish" de "peixe-espada" para espadarte)
Niedermüller foi entrevistada pelo jornal britânico The Guardian para um artigo sobre uma fraude em curso provocada pela pesca excessiva no Mediterrâneo e explicou porque o tubarão está a chegar à mesa de restaurantes, sobretudo espanhóis e italianos, como se fosse espadarte.
Antigamente, os pescadores que apanhassem tubarões aquando andavam à caça de atum ou espadarte voltavam a libertar os animais no mar. Agora, com a escassez das espécies mais nobres, os tubarões estão a ser vistos como oportunidade para compensar as perdas de negócio e a agravar o estatuto de espécie quase ameaçada de extinção.
Mais de metade dos tubarões-azuis no Mediterrâneo estavam já em 2016 ameaçados de extinção devido à sobrepesca da espécie, alertava outro relatório do WWF.
"O que normalmente devolveriam ao mar, muitos pescadores estão agora a trazer para a lota, a promover e a vender. Muitas vezes ilegalmente e sem as devidas etiquetas", afirmou Niedermüller, alertando que também as comunidades de tubarões estão por si mesmas a diminuir devido à escassez de presas no mar.
A fraude do espadarte mediterrânico
O tubarão é uma espécie descrita neste artigo do Guardian como uma espécie barata facilmente preparada na cozinha de uma forma que a torna irreconhecível e por isso com acesso regular às aos restaurantes, às bancas e às mesas europeias.
"Muitos consumidores estarão alheios ao que estão de facto a comer", lê-se no artigo, que cita também a diretora científica da MedSharks, uma organização não-governamental italiana e membro da União Internacional da Conservação da Natureza, na afirmação de que "muitas pessoas comem tubarão de forma consciente".
"Ás vezes acontece porque o nome comum de uma espécie pode ser enganador", acrescenta Simona Clò, sendo dado o exemplo do tubarão-azul, conhecido como "verdesca" em Itália ou "tintureira" em Portugal.
Outras vezes, a carne de tubarão é adicionada a pratos onde várias espécies são misturadas, como as caldeiradas ou sopas, e onde dificilmente é identificada.
"No pior dos cenários, a carne de tubarão é comercializada de forma fraudulenta como se fosse uma espécie de peixe mais cara. Um negócio lucrativo. Um quilo de tubarão-azul pode ser vendido a um euro. O espadarte pode valer 12 vezes mais", conclui-se no artigo.
O biólogo marinho Pierluigi Carbonara, que trabalha com os pescadores de Monopoli e a secção do WWF em Puglia, sublinha que "as margens de lucro são enormes" com a venda de tubarão.
"Não sou economista, mas até uma criança iria perceber porque é que acontece", concretiza o biólogo.
Um estudo de 2017 do Centro de Pesquisa Conjunto da União Europeia, citado no artigo, indicava que quase todas as reservas de peixe comercial no Mediterrânea estavam a ser excessivamente exploradas e alertava que nos 50 anos anteriores a região já tinha perdido cerca de um terço dos peixes.
Vizinhos ibéricos ameaçam tubarões
A pesca de tubarão-azul em Espanha quase duplicou entre 2012 e 2016. Em Portugal, há 12 anos já era notícia a captura anual de cerca de 12 mil toneladas de tubarão.
No ano passado, a Greenpeace apontou a mira aos barcos de pesca de Espanha e Portugal devido à pesca de tubarão, sobretudo no Atlântico Norte.
A organização calculava a captura anual de 25 mil tubarões-mako ou anequim, considerado o tubarão mais rápido do mundo e já em perigo.
Em 2019, a Comissão Internacional para a Conservação do Atum do Atlântico rejeitou uma proposta de "pesca zero" dirigida ao tubarão-mako, mas aprovou pela primeira vez limites à pesca do tubarão-azul.