Timothy Garton Ash: "O Ocidente perdeu credibilidade no Afeganistão"

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De  Sandor Zsiros
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O professor da Universidade de Oxford é convidado da Euronews em The Global Conversation e fala connosco sobre o Afeganistão e os governos populistas da Europa.

Timothy Garton Ash, historiador britânico, escritor e professor de estudos europeus em Oxford é o convidado de The Global Conversation, para falar dos temas do momento.

Afeganistão

Estamos em Bruxelas, na Casa da História Europeia. Pensa que a retirada caótica do Afeganistão vai ter uma página nos livros de história?

Penso que sim, porque o Presidente Joe Biden defendeu aquilo de que todos os europeus falam - autonomia estratégica e soberania europeia.Mas o curioso é que a maioria dos líderes europeus reagiu falando dos refugiados e do medo de uma nova crise migratória, em vez de dizerem que isto justifica uma maior autonomia estratégica.

Havia 2500 militares norte-americanos a estabilizar o Afeganistão, enquanto só a França e a Grã-Bretanha tinham dez mil tropas, mais uma força de reação rápida. Porque é que não houve uma conversa, a nível europeu,

Este fracasso significa que a missão de 20 anos da NATO foi em vão?

É uma derrota maciça e uma terrível traição a todas as pessoas a quem dissemos que podiam ter uma vida livre e igualitária, sobretudo as mulheres e as raparigas. É uma traição terrível. É uma derrota. E os terroristas estão a voltar. Isso tem de ser dito. Foram dois biliões de dólares pelo cano abaixo. É muito difícil ver vantagens nesta história.

Podemos continuar a exportar as nossas democracias ocidentais para outras regiões do mundo ou devemos parar de o fazer?

Não é de menosprezar o facto que toda uma geração de afegãos tenha crescido conhecendo a liberdade relativa, particularmente mais igualdade para as mulheres, possibilidades de educação e trabalho. Portanto, francamente, não estou preparado para dizer que não devemos fazer isso em certas circunstâncias. Mas é preciso saber optar.

Uma hipótese era termos ido para lá, apanhávamos aqueles realmente maus e tínhamos saído em 2003 ou 2004. Outra hipótese teria sido o longo curso, como acontece noutros lugares próximos de nós. E há fortes argumentos a favor desta hipótese. Se tivéssemos mantido cinco ou dez mil militares, haveria uma outra geração de mulheres afegãs que poderia ter tido uma vida muito melhor.

Pensa que o Ocidente perdeu credibilidade com esta questão?

Completamente. As embaixadas norte-americana, britânica, alemã e francesa estão fechadas. As embaixadas russa e chinesa ainda estão abertas. Preciso de dizer mais alguma coisa?

As embaixadas norte-americana, britânica, alemã e francesa (em Cabul) estão fechadas. As embaixadas russa e chinesa ainda estão abertas. Preciso de dizer mais alguma coisa?
Timothy Garton Ash
Professor de estudos europeus, Universidade de Oxford

A Europa e os populismos

Falemos de valores: Por que razão não há um entendimento comum na Europa sobre o próprio núcleo de valores da União Europeia?

Penso que a União Europeia, que colocou valores no artigo dois do seu tratado de base sem os definir claramente, definiu-os agora. Temos, portanto, valores da União Europeia que são violados, em massa, em países como a Hungria e a Polónia. E penso que precisamos de nos erguer por esses valores.

Como nos devemos erguer?

O problema é que Viktor Orbán quer sol na eira e chuva no nabal. Ganha eleições com palavras de ordem contra Bruxelas e fazendo campanha contra a União Europeia, mas ao mesmo tempo usa milhares de milhões de euros do contribuinte europeu. Por conseguinte, a chave para uma resposta eficaz é estabelecer uma ligação entre a Europa dos valores e a Europa do dinheiro. E foi isso que a União Europeia não conseguiu fazer até agora.

Viktor Orbán quer sol na eira e chuva no nabal. Ganha eleições com palavras de ordem contra Bruxelas e fazendo campanha contra a União Europeia, mas ao mesmo tempo usa milhares de milhões de euros do contribuinte europeu.
Timothy Garton Ash
Professor de estudos europeus, Universidade de Oxford

O que pensa? É razoável ligar os valores europeus ao dinheiro?

Claro que sim. Claro que é. É absolutamente ultrajante que haja um Estado-membro da União Europeia que, a meu ver, já não é uma democracia, que destruiu a liberdade dos meios de comunicação social, que não tem eleições justas, que tem eleições livres mas não justas, que expulsou a melhor universidade da Europa Central, que se entregou a uma propaganda xenófoba escandalosa, o que pode ser visto pelo tratamento de migrantes, e que continua a receber milhares de milhões de euros em fundos da UE. Isso é escandaloso.

Acha que o iliberalismo de Viktor Orban é uma ameaça real para a UE?

Sem dúvida. Ele é um dos mais importantes. É preciso recuar muito para encontrarmos um período em que um líder húngaro foi tão importante na história europeia. Estamos sentados na Casa de História Europeia. E isto porque ele se tornou o líder simbólico da outra Europa, a Europa conservadora antiliberal, nacionalista étnica, cristã, socialmente conservadora. Matteo Salvini, Marine Le Pen, Nigel Farage e Geert Wilders estão todos com ele. Portanto, ele não representa apenas um Estado-membro de média dimensão da União Europeia. Representa uma tendência muito importante em toda a União Europeia.

Milhões de eleitores dizem o mesmo que Viktor Orban. Ou seja, que devemos reclamar soberania de Bruxelas. Isso pode ser um bom argumento a favor deste movimento político. Bruxelas deve tomar uma atitude em relação a esta questão em particular?

Veja a estupidez honesta dos britânicos que disseram que queriam mais soberania e partiram… ou a esperteza desonesta da Hungria de Viktor Orbán, que fala em ter mais soberania, mas permanece na UE por causa de todos os benefícios. De certa forma, a estupidez dos britânicos em partir acaba por ser mais honesta.

Pensa que Angela Merkel terá também a sua própria página nos livros de história?

Com certeza. Este é o período mais extraordinário de liderança. Portanto, ela terá um capítulo inteiro, e não apenas uma página. Penso que o balanço será misto. Ela personifica a melhor Alemanha que já tivemos - cívica, moderada, liberal, feminina, em todos os sentidos positivos. Mas tem havido muitos pecados de omissão, a começar pela incapacidade de reagir de forma decisiva à crise da zona euro, reformas que não aconteceram, tanto no país como no estrangeiro, a falta de uma política externa europeia eficaz. Ainda assim, a zona euro não está totalmente assegurada, porque todos continuam a dizer que o fundo de recuperação é temporário. Portanto, há uma grande lista de coisas para fazer para sucessores de Merkel.

Angela Merkel terá direito a um capítulo inteiro e não apenas uma página na história da Europa.
Timothy Garton Ash
Professor de estudos europeus, Universidade de Oxford

Qual será o seu legado em termos de valores na União Europeia?

Essa é uma questão muito interessante porque, naturalmente, personifica de todas as formas possíveis, os valores positivos, liberais, liberais-conservadores, valores realmente europeus, incluindo a resposta inicial à crise dos refugiados. Por outro lado, se perguntarmos porque é que esses valores foram drasticamente corroídos na Hungria, então a personalidade política europeia e europeia mais responsável é Angela Merkel. Porque, na verdade, como chanceler alemã, tinha o poder de a impedir e não usou esse poder. Por isso, o balanço é misto.

Nome do jornalista • Ricardo Figueira

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