"Ninguém vai sair da Europa devido à Lei da Inteligência Artificial"

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De  Méabh Mc Mahoneuronews
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Thierry Breton acredita que a regulamentação do espaço digital europeu não irá assustar os gigantes do setor e considera que o futuro do turismo passa pela tecnologia

O futuro do turismo europeu passa pela tecnologia. O setor esteve reunido em Bruxelas para discutir o caminho a seguir e a euronews aproveitou para falar com o titular da pasta do Mercado Interno e do Turismo na Comissão Europeia. Thierry Breton explicou que ferramentas como a Análise de Dados ou a Inteligência Artificial são fundamentais para o turismo.

euronews:O sector do turismo e das viagens atravessa um momento importante, há muita coisa em jogo. Não quero que esta conversa se centre demasiado no passado, mas obviamente temos de falar da pandemia. Estava na linha da frente quando a Europa abriu as fronteiras. Há alguma lição que o sector deva retirar dessa situação?

Thierry Breton: É verdade que o ecossistema do turismo foi muito afetado pela pandemia, por isso reagimos muito, muito rapidamente. Penso que podemos orgulhar-nos do que fizemos a nível europeu, todos juntos, com este enorme pacote NextGenerationEU, pela primeira vez na nossa história.

E talvez com uma lição aprendida...

A lição aprendida foi que toda a gente compreendeu que grande parte do montante foi para o turismo. Toda a gente percebeu a importância do turismo para a Europa. Já o sabíamos...

Diz que a maior lição foi que somos melhores juntos e que trabalhámos juntos. Ainda acha que é esse o caso?

Pela primeira vez na história, decidimos a nossa visão, onde queremos que o turismo esteja até 2030. Trabalhámos nesse sentido, discutimos e foi aprovado pelos Estados-Membros. Portanto, estamos muito bem alinhados.

Qual é, na sua opinião, o maior desafio para o sector? Tornar-se ecológico?

Tornar-se ecológico, sim, é importante para todos e sei que o turismo desempenha um papel importante. Vejo uma grande vontade dos cidadãos de desfrutar de actividades turísticas. Quando olho para as reservas, claro que sabem melhor do que eu, a situação é muito positiva.

Vejo que os especialistas do sector estão a acenar com a cabeça, é bastante impressionante. Para mim, o maior desafio atualmente são provavelmente as competências e as pessoas. Receio que não tenhamos novos talentos suficientes para enfrentar estes desafios que teremos pela frente. Por isso, é realmente necessária uma reflexão profunda.

Fala de reflexão profunda mas haverá tempo para isso? Estamos a entrar em julho e agosto, quando o turismo atinge o seu pico…

Esse é provavelmente um dos grandes desafios que temos atualmente. E, claro, já o referiu, a transição ecológica. A transição digital é também algo extremamente importante, utilizar os dados da melhor forma. Estamos a trabalhar na análise de dados para o turismo, é extremamente importante e será concluído muito em breve.

Como é que isso vai mudar o turismo?

Dá-nos muita informação sobre o tipo de oferta em que nos podemos especializar. Significa também que podemos finalizar um produto que queremos para nós, o que é muito importante, algo totalmente novo, podemos personalizar a oferta. Mas também proporciona alguma segurança para os turistas, porque vai harmonizar, por exemplo, a forma como fazemos arrendamentos de curta duração. Harmoniza e dá segurança.

Esteve em São Francisco a discutir tecnologia. Que balanço faz e o que pensam dos planos europeus para regular a Inteligência Artificial?

Bem, não nos limitámos a regular a Inteligência Artificial, decidimos organizar o nosso espaço digital. Foi algo em que trabalhei arduamente desde o meu primeiro dia na Comissão. O nosso espaço digital não estava organizado de todo, alguns diziam mesmo que era o faroeste, especialmente nas redes sociais. E sabem o que isso significa, pode acontecer alguma tragédia, por isso decidimos organizá-lo.

Foi uma viagem e tanto, mas fizemo-lo com a lei da Governação de Dados, com a lei dos Serviços Digitais, para organizar as redes sociais, com a lei do Mercado Digital, para que haja concorrência leal, com a Lei dos Dados, que é muito importante, claro, também para o turismo. É importante ter regras, é importante para a inovação ter regras também. Somos o primeiro continente a ter estas regras.

A Inteligência Artificial também faz parte do projeto. Trabalhámos durante os últimos três anos nesta matéria. Agora, esta Lei da Inteligência Artificial... a posição foi adoptada pelo Conselho e pelo Parlamento. Por isso, iniciámos as primeiras discussões trilaterais há uma semana, trata-se de um regulamento baseado no risco e era importante para mim explicar tudo isto.

Somos o maior continente do mundo livre em termos digitais, maior do que os EUA, o que é muito importante e nos traz, naturalmente, responsabilidades. A minha função é explicar aos interessados que todos são bem-vindos, somos um continente aberto, mas estas são as nossas regras e agora estas regras serão a lei. Ajudo estas empresas, não só dos EUA, mas também europeias e asiáticas, a compreender exatamente quais são as nossas leis e como se devem preparar.

Não teme que estejam desactualizadas quando se tornarem lei?

Não, porque é um sistema horizontal, baseado no risco... Por isso, não pode estar desatualizado, pode sempre ser introduzido algo de novo. Tudo o que fazemos no domínio digital é horizontal e pode ser introduzido um novo detalhe se virmos que algo de novo acontece.

A tecnologia pode evoluir e podemos deparar-nos com novos riscos. É claro que não queremos regulamentar tudo, mas se virmos que há um risco que cria essa necessidade e que não conseguimos prever agora, poderemos sempre criar uma nova regulamentação específica.

Portanto, temos as regras definidas e o seu trabalho será o de as fazer cumprir.

Sim

Isso também será um desafio...

Bem, já sou o responsável pelo mercado interno. É uma boa pergunta, porque não os concebemos como instrumentos de concorrência, mas sim como instrumentos do mercado interno e eu já sou o responsável pelo mercado interno. Não se pode fazer tudo e é claro que o mercado interno é grande.

É uma força tremenda da Europa. Mas é claro que não se pode fazer tudo, não podemos importar qualquer coisa. Se importamos brinquedos, há regras para assegurar que esses brinquedos não são perigosos para as crianças e é preciso garantir que as regras são cumpridas.

Por isso, já tenho de garantir o cumprimento das regras do mercado interno. Estas regras no espaço digital são construídas com base em previsões. Para poder beneficiar do maior mercado digital do mundo, é necessário seguir algumas regras para entrar.

E as empresas que se sentem ameaçadas por estas regras e que estão a ameaçar sair da Europa devido à legislação?

Não há ninguém porque é o maior mercado digital do mundo, ninguém se pode dar a esse luxo. É uma vez e meia maior do que o mercado nos EUA, ninguém pode ficar de fora. E todos são bem vindos.

Talvez se esteja a referir a Sam Altman, o diretor executivo da OpenAI, mas ele disse-me que foi mal interpretado. Alterou o seu tweet e disse: "Adoro o regulamento e vamos segui-lo, incluindo a marca de água”. É normal. Já fui diretor executivo e nunca diria que não quero entrar num mercado porque é demasiado difícil seguir as regras. Regras são regras.

Os políticos estão aqui para criar regras que garantam a segurança, quando o consideramos importante, para o modo de vida dos nossos cidadãos, independentemente do local onde vivam, e as empresas estão aqui para seguir as regras. E fá-lo-ão, não se preocupem. Ninguém vai embora. Ninguém.

E, já agora, também é bom para a inovação. Quando era diretor executivo, trabalhei em mais de cem países e, claro, tínhamos regras diferentes. E sempre disse aos meus empregados que temos de ser bons cidadãos em todos os países do planeta e não mudar as regras ou dizer a um governo que tem más regras e precisa de as mudar. É preciso ser um bom cidadão, incluindo quando se é diretor executivo. Sei que estão a pensar como eu, porque todos os directores executivos pensam da mesma maneira.

No sector do turismo e das viagens, qual o papel que a Inteligência Artificial pode desempenhar no seu futuro? Que mensagem tem para eles, tendo em conta que a maioria são pequenas e médias empresas?

É uma questão muito, muito importante. Quando falamos de Inteligência Artificial, falamos basicamente de três coisas: dados, algoritmos e poder de processamento. É por isso que queremos ter um espaço de dados para o turismo, para nos certificarmos de que nos organizamos bem. A quem pertencem estes dados? Como organizar este espaço? É extremamente importante e é por isso que queremos finalizar este espaço de dados para o turismo.

A utilização destes dados será uma vantagem fantástica para todos, e especialmente para a indústria do turismo. Numa segunda fase teremos o desenvolvimento de algoritmos específicos para o turismo.

Isso será trabalho para as entidades do turismo mas também para outras empresas de serviços. Depois é preciso poder de processamento. Na Europa, com o EuroHPC, desenvolvemos a maior infraestrutura do mundo de Computação de Alto Desempenho para supercomputadores. Permitirá às grandes e pequenas empresas ter acesso a este poder de computação para desenvolver algoritmos e processar informação relacionada com esses algoritmos desenvolvidos para o turismo para criar actividades específicas.

A Europa é e será um local fantástico para inventar novas aplicações de Inteligência Artificial, especialmente para o turismo. Somos o principal destino turístico do planeta e, por isso, somos quem gera a maior quantidade de dados no sector a nível mundial. É muito importante desenvolver novas aplicações com estas regras que criámos. É muito importante.

Como diretor executivo, posso dizer-lhe que é extremamente importante saber que as regras se mantêm, mas que agora temos finalmente visibilidade. Relativamente às Pequenas e Médias Empresas, tem toda a razão. As PMEs são extremamente importantes para o ecossistema do turismo.

Temos de ver como podemos ajudar, na transição digital e na utilização destas novas ferramentas. Estamos a trabalhar agora num pacote dedicado às Pequenas e Médias Empresas, penso que será apresentado no próximo outono. Abrangerá uma série de questões que as PMEs têm no sector do turismo, por exemplo, atrasos de pagamentos ou a redução dos encargos administrativos.

Qual é a sua opinião sobre os arrendamentos de curta duração? Como podem ser mais bem geridos?

Discutimos isso no início da entrevista, fazem parte da nova forma de fazer turismo. Por isso, nas zonas rurais pode ser uma oferta muito boa. Não quero dizer que é bom ou mau. É um fenómeno que se está a desenvolver e precisamos de o acompanhar. Precisamos de nos certificar de que podemos ter qualidade, e é por isso que vamos criar um regulamento específico, estamos a finalizá-lo, para os arrendamentos de curta duração.

Estará finalizado até final deste ano e será disponibilizado para o sector. Trará mais visibilidade ao sector, mais segurança para os utilizadores e a possibilidade de desenvolvimento recorrendo aos dados existentes. É um fenómeno que existe, que temos de ter em consideração, e que o melhor a fazer é organizá-lo um pouco com recurso a análise de dados.

O que tem a dizer sobre a situação geopolítica na Europa, bastante volátil nos dias que correm? O sector está muito preocupado com o impacto da guerra na Ucrânia e das sanções. O que lhes diria a este respeito?

Bem, é o nosso mundo. Não só não o podemos mudar, como sabemos que estas tensões desempenham e desempenharão um papel importante e o turismo não fica imune. Vemos isso com a Rússia e também um pouco com a China, um país muito grande e importante em termos de turismo. Esperamos que tudo volte ao normal com a China, houve uma redução do número de turistas, mas são bem vindos, claro. É uma coisa que precisamos de ter em consideração.

Somos o primeiro destino global de turismo do mundo, e sabemos que, para os nossos 450 milhões de habitantes, a Europa continua a oferecer muitas possibilidades no domínio do turismo, que talvez ainda não estejam totalmente exploradas. Isso também é positivo, mas não queremos fechar tudo e funcionar apenas entre nós. Mas temos esta guerra, que está a mudar muitas coisas.

Dissemos claramente na Comissão e na Europa que nos organizamos para apoiar a Ucrânia tanto quanto possível e que o fazemos a pensar no longo prazo. É claro que podemos ter boas notícias, mas vimos no passado que é sempre difícil prever o que vai acontecer com o nosso grande vizinho. É por isso que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para continuar a apoiar a Ucrânia contra esta terrível agressão.

A Europa perdeu muitos turistas russos, uma quebra de 90%...

Sim, é verdade que a Rússia é um país grande, com mais de 143 milhões de habitantes, mas não é o maior país do mundo em termos de população. É dez vezes mais pequeno do que a China ou a Índia, por isso temos muitas outras possibilidades. Quando Vladimir Putin decidiu começar esta terrível agressão contra a Ucrânia, tivemos de reagir.

Acha que podemos ser ecológicos, atingir os objectivos ambiciosos e manter a competitividade?

Temos de o fazer. Temos de o fazer. Não há opções. Não temos opções. É verdade que se trata de um desafio, mas seremos verdes, não há outra opção. Esse é o objetivo da nossa geração e da geração vindoura. Teremos de o fazer. Mas não é restringindo os nossos movimentos ou o nosso consumo que nos tornamos realmente verdes. Claro que temos de nos certificar de que conseguimos poupar energia, mas é com inovação, tecnologia e ciência que o faremos. Trata-se de uma transição enorme, de certa forma uma revolução.

De volta ao presente, estamos no verão... dentro de poucas semanas, toda a gente neste continente estará em movimento. A Europa está preparada? Aeroportos e infra-estruturas, está tudo pronto?

Sim, penso que sim. Toda a gente está entusiasmada, toda a gente está à espera. Acho que estamos prontos. Quando vi a previsão, fiquei espantado, mas são muito boas notícias. Por isso, temos de estar preparados.

Incluindo, já agora, o talento necessário… volto a dizer que se tenho, não diria uma preocupação mas um foco de atenção, é a capacidade para contratar as pessoas que precisamos para servir a indústria do turismo.

Então não veremos nas notícias imagens de longas filas nos aeroportos, greves dos controladores aéreos, pessoas sem conseguir alugar carro, quartos de hotel cheios...

Mas também temos imagens de passeios no campo com os filhos, viagens à praia. Podemos ver as duas faces da moeda, e a que descrevi é mais importante. Há sempre o receio que isso possa acontecer mas sei que todos estão a trabalhar arduamente para o evitar.

Só uma última pergunta. Para onde vai e em que pensa nas férias?

Normalmente faço o mesmo todos os Verões. Durante uma semana passear numa zona de França de que gosto, que é totalmente desértica, que é a Creuse. Estão-se a rir mas é verdade…não encontro lá ninguém a não ser vacas.

Adoro. E pode desligar o telemóvel e desconectar-se…

E tenho muitas ideias quando estou a caminhar, mas preciso de caminhar. Depois de cinco, seis, sete horas, as ideias começam a surgir. É isso que faço todos os dias.

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