O conflito entre Israel e Hamas está a afetar a saúde mental dos alunos, no Reino Unido.
A euronews falou com Amy*, professora numa escola, em Londres. Como em muitas outras escolas britânicas, a maioria dos alunos da escola onde trabalha é de origem muçulmana ou árabe.
Nas últimas semanas, muitos alunos exprimiram solidariedade em relação à Palestina, no contexto da guerra entre Israel e o Hamas.
Desde que a violência eclodiu, a 7 de outubro, os alunos mais novos desenharam frequentemente a bandeira palestiniana, rabiscaram-na nos livros ou colocaram pins com a bandeira palestiniana nos uniformes. De acordo com a professora, estes atos são "expressões infantis de solidariedade".
"Estão muito perturbados e preocupados com a Palestina", disse à euronews a professora britânica.
De acordo com Amy, inicialmente, a escola deixava os alunos expressarem o seu apoio às populações de Gaza e da Cisjordânia. Mas, depois, começou a reprimir esses atos, invocando a violação da política de uniformes, e ameaçando castigar os alunos que não respeitassem as regras. Os funcionários também foram proibidos de usar o pin da Palestina.
"Há uma duplicidade de critérios", afirma a professora, lembrando que os alunos foram encorajados a apoiar a Ucrânia quando a Rússia invadiu o país em fevereiro de 2022 e que os funcionários continuam a ser autorizados a exibir símbolos e sinais de outras causas políticas, como os direitos LGBT+ ou o movimento Black Lives Matter.
"É algo apresentado como imparcial, mas na realidade é profundamente ideológico", considera Amy.
Neutralidade ou parcialidade?
De acordo com as regras governamentais, as escolas do Reino Unido são legalmente obrigadas a proibir a promoção de pontos de vista políticos partidários e devem tomar medidas para garantir a apresentação equilibrada de pontos de vista opostos sobre questões políticas quando estes são levados ao conhecimento dos alunos.
Em conselhos emitidos às escolas em outubro, a Secretária da Educação, Gillian Keegan, escreveu: "Sabemos que os jovens podem ter um forte interesse pessoal nestas questões, o que pode levar a uma atividade política (...) As escolas e os colégios devem garantir que qualquer expressão política é conduzida com sensibilidade, o que significa que não é perturbadora e não cria uma atmosfera de intimidação ou medo para os seus colegas e funcionários".
Amy afirma que as regras de imparcialidade estão "a ser utilizadas para silenciar a crise palestiniana e impedir os alunos de terem uma opinião sobre o genocídio que está a acontecer em Gaza".
Um recorde de mortes
O ataque mortal do Hamas ao sul de Israel desencadeou o atual conflito, matando 1400 pessoas e fazendo várias centenas de reféns. De acordo com a ONU, 2022 foi o ano mais mortífero de que há registo para os palestinianos, mas 2023 já estava destinado a ultrapassar esse recorde, mesmo antes de Israel ter começado a bombardear Gaza sem tréguas. A retaliação israelita matou pelo menos 11 500 pessoas até agora, na sua maioria mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.
De acordo com a professora britânica, a política da escola em relação à guerra entre Israel e o Hamas surge no contexto de uma "despolitização" mais alargada dos professores e de uma mudança, no sentido de se concentrarem no comportamento, em vez de provocarem o pensamento crítico.
"Devíamos ter conversas diferentes sobre temas relacionados com o conflito, sobre a forma de ver as críticas a Israel como não sendo anti-semitas, a existência de ativistas da paz judeus em Israel e a compreensão dos crimes de guerra. Não há muito espaço para as crianças pensarem e serem curiosas", disse a responsável à Euronews.
Amy acrescentou que se sente "nervosa com a repressão que a comunidade escolar pode enfrentar à medida que a situação [em Israel e Gaza] evolui".
As coisas podem ficar um pouco agitadas
A professora afirma que muitos alunos estão a a insurgir-se contra as políticas da escola, que estão a tornar-se num "ponto de rebelião".
"As coisas podem tornar-se um pouco agitadas. Os miúdos estão a ser repreendidos por coisas que antes não eram repreendidas. Sentem que é uma injustiça."
Nervosismo entre os alunos judeus
O derramamento de sangue provocou também uma série de problemas para as escolas e alunos judeus britânicos.
David Meyer, Diretor Executivo da Parceria para as Escolas Judaicas, disse à Euronews que um "desafio significativo" era o "nervosismo e desconforto" entre os alunos judeus, especialmente os que frequentam escolas não judaicas.
"A enormidade do ataque que teve lugar em Israel, o choque do que aconteceu, fez com que qualquer judeu em todo o mundo se sentisse inseguro", disse o responsável. "E houve também um tsunami de antissemitismo".
Os crimes de ódio contra judeus em Londres aumentaram 1 350%, segundo a polícia metropolitana em outubro. As ofensas islamofóbicas na capital britânica aumentaram 140%.
Tanto as comunidades judaicas como as muçulmanas já se queixaram anteriormente de se sentirem desprotegidas pelas autoridades.
"Muito, muito complexo"
O bem-estar dos estudantes está em risco, afirmou Meyer, porque as crianças foram expostas a imagens "absolutamente horríveis" do "ataque terrorista" do Hamas.
"Estamos muito preocupados com o impacto na saúde mental das crianças. Algumas estão constantemente a pensar nos reféns, a preocupar-se com eles. Estamos a tentar ajudar as crianças a compreender como compartimentar as coisas nas suas vidas, para que não estejam constantemente nesta zona negra da depressão".
Cerca de 240 pessoas foram feitas reféns pelo Hamas e levadas para Gaza quando este atacou o sul de Israel no início de outubro, segundo as autoridades israelitas. Algumas foram libertadas, enquanto o grupo militante palestiniano afirma que várias outras foram mortas em ataques aéreos israelitas. O destino dos restantes é desconhecido.
Face ao que classifica de onda de "ignorância" e "desinformação" em torno do conflito, Meyer afirmou ser vital educar os estudantes, especialmente sobre os "perigos das redes sociais". É "vital garantir que as crianças recebam uma educação devidamente informada e equilibrada para que compreendam realmente o que se está a passar". A "história de Israel" e as "diferentes narrativas" e "perspectivas" são "muito, muito complexas". É saudável poder educar as crianças para que compreendam a diferença entre ter conversas abertas e honestas, discordâncias e disparidades de pontos de vista, e reconhecer isso".
Meyer vê como um obstáculo o facto de as escolas em Inglaterra estarem a bloquear as aulas sobre o Médio Oriente, nomeadamente sobre a história do conflito israelo-palestiniano.
Em novembro, o jornal Observer referiu que menos de 2% dos alunos de história do GCSE em Inglaterra estudaram um módulo sobre o Médio Oriente em 2020 e os especialistas estimam que apenas 27 escolas em Inglaterra o ensinam atualmente.
O jornal afirma que as escolas estão preocupadas com a "má publicidade" ou receiam ser acusadas de parcialidade.
"É absolutamente verdade que os alunos têm de aprender diferentes narrativas para poderem questioná-las e encontrar soluções sensatas", acrescentou Meyer.
*O nome da professora foi alterado porque não estava autorizada a falar diretamente com os meios de comunicação social e receava as repercussões da sua entidade patronal.