Ativistas afirmam que os lobbies da indústria devem ser banidos das conversações para garantir um resultado significativo.
As conversações para garantir um Tratado Mundial sobre os Plásticos recomeçam em Genebra na próxima terça-feira, com os negociadores a esforçarem-se por sair de um impasse que impediu um acordo no ano passado.
Durante os próximos quinze dias, as delegações nacionais têm de chegar a um consenso unilateral sobre muitas questões críticas, a fim de criar um acordo internacional juridicamente vinculativo sobre a poluição por plásticos.
A segunda parte da quinta sessão do Comité de Negociação Intergovernamental (INC-5.2) segue-se ao fracasso das conversações em Bhusan, na Coreia do Sul, em dezembro do ano passado.
À medida que aumenta a sensibilização para a crise dos plásticos - e para as suas dimensões devastadoras em termos ambientais e de saúde - está a crescer o ímpeto para a criação de um tratado que corresponda à enormidade do desafio.
Na Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, realizada no mês passado, os ministros e representantes de mais de 95 países assinaram uma declaração apelidada de "Nice Wake-Up Call", que define o que é necessário para um resultado significativo. Segundo a declaração, é necessário adotar uma abordagem de ciclo de vida completo, com limites obrigatórios para a produção de plástico e a eliminação progressiva dos produtos químicos tóxicos.
E, no início desta semana, um grupo de mais de 60 cientistas de renome de todo o mundo instou os governos a chegarem a acordo em Genebra sobre uma ação ambiciosa e vinculativa.
"Não se trata apenas de um apelo à ação, trata-se do testemunho da comunidade científica", afirmou Steve Fletcher, diretor do Revolution Plastics Institute e editor-chefe da revista Cambridge Prisms: Plastics, na qual as cartas foram publicadas.
"Há décadas que vemos as provas a acumularem-se. Este tratado é um teste para saber se o mundo está preparado para governar os plásticos de uma forma que reflita a escala e a urgência da crise".
Um relatório separado da Greenpeace, também publicado esta semana, deixa claro que os líderes estão a enfrentar algumas forças antagónicas, sob a forma de lobbies da indústria e de falta de ambição dos países.
O que é que os cientistas dizem ser necessário para resolver a crise dos plásticos?
Os cientistas afirmam que o que está em jogo no INC-5.2 é muito importante. Esta é a melhor oportunidade do mundo para garantir um acordo vinculativo que combata a poluição por plásticos ao longo de todo o seu ciclo de vida.
Em vez disso, alguns dos principais países petrolíferos querem concentrar-se nos resíduos de plástico, argumentando que não há necessidade de limitar a produção se o produto final for abordado.
Mas as cartas abertas apresentam aos negociadores do tratado um guia baseado em provas que abrange toda a cadeia de abastecimento, com objetivos para limitar e reduzir a produção de plástico.
Querem que sejam criadas salvaguardas globais para proteger a saúde humana, uma vez que se descobriu que os nano e microplásticos se infiltram em todas as partes do corpo, desde o cérebro ao leite materno.
"Há provas claras e crescentes de que o plástico apresenta sérios riscos para a saúde humana. No entanto, a abordagem à proteção da saúde no tratado ainda está em aberto", afirma Cressida Bowyer, diretora-adjunta do Revolution Plastics Institute da Universidade de Portsmouth. O tratado deve abordar diretamente os impactos na saúde humana nas suas obrigações fundamentais, defende a esoecialista.
Alguns peritos defendem também a inclusão do comércio no acordo. Cerca de 99% dos plásticos são derivados de combustíveis fósseis, de acordo com o Centro para o Direito Ambiental Internacional (CIEL), e o plástico ganha forma à medida que é transportado por todo o mundo.
"Para ser eficaz, o tratado global sobre os plásticos deve abordar a arquitetura real da economia dos plásticos, em que o comércio é o tecido conjuntivo", afirma Maria Ivanova, da Northeastern University, nos EUA.
"O comércio deve ser reimaginado como uma ferramenta de transformação. Se o comércio é o tecido conjuntivo da crise dos plásticos, também deve fazer parte da cura".
E para conceber um projeto verdadeiramente "ambicioso do ponto de vista ambiental e estruturalmente sólido", nas palavras de Ivanova, o lobbying das empresas e o greenwashing devem ser mantidos afastados da supervisão científica independente.
As empresas de plástico estão a bloquear a ação?
De acordo com o CIEL, 220 lobistas de combustíveis fósseis participaram na quinta ronda de negociações do tratado em Busan, em dezembro passado. Isto fez com que os lobistas fossem a maior delegação nas conversações - mais do que a UE e os seus Estados-membros juntos, e superando em três para um os delegados da Coligação de Cientistas para um Tratado de Plásticos Eficaz.
Um novo relatório da Greenpeace UK revela como o Tratado Global sobre os Plásticos está ameaçado pelas táticas de algumas das maiores empresas petroquímicas do mundo.
Segundo o relatório, estas empresas têm vindo a exercer sistematicamente pressão contra os cortes na produção de plásticos, ao mesmo tempo que geram lucros maciços com o crescimento do negócio dos plásticos. O relatório afirma que, desde o início do processo do tratado em novembro de 2022, os gigantes petroquímicos Dow, ExxonMobil, BASF, Chevron Phillips, Shell, SABIC e INEOS enviaram 70 lobistas para as negociações.
A Greenpeace afirma que estes lobistas trabalharam para enfraquecer a ambição e desviar a atenção para soluções "falsas" como a reciclagem de produtos químicos.
Longe das salas de negociação, estas empresas estão a acelerar a produção. Desde o início das negociações do tratado, só sete empresas produziram plástico suficiente para encher 6,3 milhões de camiões de lixo, diz a Greenpeace, o que equivale a cinco camiões e meio por minuto.
"A nossa investigação mostra que aqueles que mais têm a perder com uma regulamentação significativa são os que mais trabalham para a obstruir", afirma Anna Diski, autora do relatório e ativista sénior para os plásticos da Greenpeace UK. "Não podemos permitir que as empresas que lucram com a poluição dos plásticos escrevam as regras, ou acabaremos por ter um tratado sem força.
"É altura de banir os lobistas das conversações e de os Estados-membros da ONU se manterem firmes e apoiarem um tratado forte".
"O consenso científico é claro", acrescenta Fletcher. "A única questão é se os governos vão responder. Este tratado poderá ser transformador, mas apenas se evitar as armadilhas dos compromissos voluntários e das soluções técnicas. Esta é a última oportunidade do mundo para agir com coragem".