A Comissão Europeia confirmou a transferência de 60 milhões de euros de apoio orçamental para o Governo tunisino, apesar de o Presidente Kais Saied ter afirmado publicamente que rejeita o dinheiro da "caridade".
O desembolso faz parte de um envelope financeiro de 127 milhões de euros anunciado no mês passado, com base no memorando de entendimento assinado entre a União Europeia e a Tunísia, em meados de julho.
Os fundos estão divididos em duas vertentes: 60 milhões de euros para apoiar a economia em dificuldades da Tunísia e cerca de 67 milhões de euros para reforçar a gestão das fronteiras e impedir a partida de navios de imigrantes.
Saied, que é conhecido por fazer comentários controversos, rejeitou a oferta, terça-feira, dizendo que era "irrisória" e contrária ao memorando.
"A Tunísia, que aceita a cooperação, não aceita nada que se assemelhe a caridade ou favor, porque o nosso país e o nosso povo não querem simpatia e não a aceitam quando não é respeitada", afirmou Saied, de acordo com um comunicado de imprensa da presidência.
"Consequentemente, a Tunísia recusa o que foi anunciado nos últimos dias pela UE", acrescentou.
As declarações contundentes foram amplamente divulgadas pelos meios de comunicação social e causaram surpresa em Bruxelas, onde o memorando com a Tunísia foi apresentado como um modelo para futuros acordos com países vizinhos para conter os fluxos migratórios.
Na quarta-feira, a Comissão Europeia tentou esclarecer as coisas e confirmou que 60 milhões de euros de apoio orçamental tinham sido pagos à Tunísia sem qualquer indicação de recusa ou reembolso.
"Podemos confirmar que, no início desta semana, a Comissão processou efetivamente o pagamento de 60 milhões de euros em subvenções ao Tesouro tunisino, na sequência de um pedido apresentado pelo Governo tunisino a 31 de agosto", afirmou Ana Pisonero, porta-voz da Comissão Europeia para a Vizinhança e o Alargamento.
O pedido efetuado pelo governo tunisino centrava-se exclusivamente nos 60 milhões de euros que foram posteriormente transferidos, explicou a porta-voz. O dinheiro, no entanto, não provém dos fundos prometidos no âmbito do memorando, mas de um plano previamente aprovado para a recuperação pós-coronavírus.
Comissão Europeia reafirma ajuda
"Tomámos nota do comunicado da presidência tunisina. Penso que compreenderão obviamente que a UE conduz as suas relações com os parceiros através de contactos directos e é exatamente isso que estamos a fazer", disse Pisonero aos jornalistas.
Relativamente aos 67 milhões de euros destinados à gestão da migração, o porta-voz disse que 13 milhões de euros e 8 milhões de euros foram contratados com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), respetivamente, para ajudar no "regresso voluntário" dos migrantes aos seus países de origem.
"Não há prazo. Estamos a tentar trabalhar o mais rapidamente possível no terreno para cumprir todos os pontos e todos os setores abrangidos pelo memorando. É claro que isto é feito em estreita cooperação com as autoridades tunisinas", disse Pisonero.
A polémica em torno dos comentários de Saied é o mais recente revés no que tem sido até agora uma difícil implementação do memorando de entendimento, que tem apenas quatro meses.
Desde a sua assinatura, o acordo tem sido alvo de intensas críticas por parte do Parlamento Europeu e de organizações humanitárias, que alertaram para os abusos alegadamente cometidos pelas autoridades tunisinas contra os migrantes subsarianos, incluindo casos de expulsões coletivas para a fronteira com a Líbia.
No mês passado, a Provedoria de Justiça Europeia pediu formalmente esclarecimentos sobre o memorando e a inclusão, ou não, de salvaguardas adicionais para garantir o pleno respeito dos direitos humanos.
Saied tem sido fortemente condenado pelas suas opiniões racistas sobre os negros africanos, que descreveu como fazendo parte de um "plano criminoso para alterar a composição da paisagem demográfica da Tunísia". Saied foi ainda mais criticado depois de ter recusado a entradaa cinco deputados do Parlamento Europeu e, semanas mais tarde, ter adiado uma visita oficial de uma delegação da Comissão Europeia.