Filhos de presos políticos pedem ao TPI que investigue governo da Tunísia

O líder do partido Ennahdha, Rached Ghannouchi, chega a uma esquadra de polícia em Tunes, terça-feira, 21 de fevereiro de 2023.
O líder do partido Ennahdha, Rached Ghannouchi, chega a uma esquadra de polícia em Tunes, terça-feira, 21 de fevereiro de 2023. Direitos de autor Copyright 2023 The Associated Press. All rights reserved
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De  Mared Gwyn Jones
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Artigo publicado originalmente em inglês

Os filhos de quatro opositores detidos na Tunísia pediram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) que abra uma investigação sobre a perseguição política e as violações dos direitos humanos alegadamente cometidas pelo governo do presidente Kais Saied.

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Numa comunicação ao tribunal de Haia, os familiares acusam Saied e os membros do seu governo de violarem os direitos humanos em campanhas direcionadas contra líderes e partidos da oposição, tunisinos negros e migrantes, juízes, sindicatos, jornalistas e a sociedade civil.

"Os crimes que têm de ser investigados são dois", disse o advogado das famílias aos jornalistas, na quinta-feira, depois de ter apresentado formalmente a queixa: "Os crimes contra as pessoas que são escolhidas por serem opositores dos atuais governos e, em segundo lugar, os migrantes negros e os tunisinos negros que são alvo de uma onda de repressão brutal".

A queixa chama, ainda, a atenção da comunidade internacional para o aumento da repressão e a erosão da democracia na Tunísia desde a consolidação do poder por Saied, no  golpe de 2021.

Pelo menos 41 dos críticos mais proeminentes do governo foram detidos numa repressão à dissidência, despertando receios de um regresso à autocracia no país do Norte de África, que já foi considerado a única democracia a emergir da primavera Árabe

A Tunísia tem sido criticada por cometer abusos contra os migrantes negros, muitos dos quais foram forçados a regressar a regiões desérticas na fronteira entre a Tunísia e a Líbia, sem comida nem água. Saied, em particular, foi condenado pelas suas declarações racistas, acusando os migrantes negros subsarianos de conspiração para "alterar a composição da paisagem demográfica da Tunísia".

"Autoritarismo brutal"

Os membros da família que apresentaram o processo são os filhos e filhas de Ghazi Chaouachi, fundador do partido Corrente Democrática; Chaima Issa, membro da coligação da oposição Frente de Salvação Nacional; e Said Ferjani e Rached Ghannouchi, dois proeminentes líderes do Ennahda, o partido democrático islâmico autodefinido.

"A liberdade não é dada, mas ganha-se com luta e firmeza", disse Elyes Chaouachi, filho de Ghazi Chaouachi.

Em declarações proferidas em Haia, os familiares afirmaram que os detidos foram têm estado sujeitos a condições horríveis.

Said Ferjani, 69 anos, já tinha sido torturado durante o regime do presidente Zine El Abidine Ben Ali, antes de fugir para Londres, onde viveu no exílio durante mais de duas décadas. Regressou ao país após a Revolução Tunisina, em 2011.

A sua filha, Kaouther Ferjani, disse à Euronews que o pai partilha uma cela com 120 pessoas, o dobro da capacidade, e que a maioria são fumadores inveterados.

"O meu pai está constantemente a entrar e a sair do hospital com infeções respiratórias. Nem sempre recebe tratamento médico e a forma como ele e os outros prisioneiros são tratados depende do capricho do guarda prisional", explicou Ferjani.

No início desta semana, três dos prisioneiros, incluindo o pai de Ferjani, anunciaram que iriam entrar em greve de fome em protesto contra o uso da detenção arbitrária.

"Estamos muito, muito preocupados com o bem-estar do meu pai, especialmente agora que ele começou a greve de fome, sabendo que ele não está bem, sabendo que agora tem um problema cardíaco e doenças", disse Ferjani.

Rached Ghannouchi, 82 anos, co-fundou o partido Ennahda e foi presidente do parlamento até Saied fechar a câmara, em 2021. Está em prisão preventiva pelo que a sua filha, Yusra Ghannouchi, descreveu como "acusações politicamente motivadas".

Em maio, foi também condenado a um ano de prisão pelo tribunal antiterrorismo da Tunísia, devido a comentários públicos que fez num funeral, onde elogiou o falecido como um "homem corajoso" que não temia "um governante ou tirano".

Não existe independência do poder judicial na Tunísia. Há uma enorme pressão sobre os juízes para que se submetam às ordens do executivo e o poder judicial está a ser utilizado como uma ferramenta para eliminar a oposição. É por isso que estamos a procurar justiça.
Yusra Ghannouchi
Filha de Rached Ghannouchi, opositor político preso na Tunísia

Em declarações à Euronews, Yusra Ghannouchi disse que a greve de fome é um "último recurso" para os defensores da democracia.

"Não conseguem obter qualquer justiça no atual sistema tunisino, que é controlado pelo presidente", explicou.

"Não existe independência do poder judicial na Tunísia. Há uma enorme pressão sobre os juízes para que se submetam às ordens do executivo e o poder judicial está a ser utilizado como uma ferramenta para eliminar a oposição. É por isso que estamos a procurar justiça", acrescentou.

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A "aprovação tácita" da Europa

As duas mulheres já apresentaram um caso semelhante ao Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos em Arusha, na Tanzânia, e apelaram à União Europeia, ao Reino Unido e aos Estados Unidos para que sancionassem o governo de Saied.

Mambros do Parlamento Europeu salientaram, igualmente, a ausência de condenação por parte do Ocidente às violações dos direitos humanos amplamente documentadas pelo regime.

"A Europa é responsável por não ter condenado o golpe de Estado, por ter dado a sua aprovação tácita ao que tem acontecido com Kais Saied. A Europa é responsável pela situação em que nos encontramos atualmente, em termos de repressão da oposição e do aumento das violações contra os refugiados", afirmou Yusra Ghannouchi.

"Por isso, precisamos que a Europa prove o seu compromisso com os valores da democracia, da liberdade e dos direitos humanos, em vez de recompensar quem está a violar profundamente os direitos humanos e a agravar a situação económica na Tunísia", acrescentou.

Elyes Chaouachi criticou o recente memorando de entendimento assinado entre a UE e o governo, com a presença em Tunis da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, e do primeiro-ministro neerlandês, Mark Rutte.

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O memorando prevê, entre outras dotações financeiras, 105 milhões de euros em fundos da UE para reforçar os controlos fronteiriços e impedir a partida de navios de migrantes, a maioria dos quais chega às costas italianas.

"Mark Rutte continua a seguir o Presidente Saied para defender os seus interesses anti-migração, em vez de defender a democracia, a justiça e os direitos humanos", afirmou Chaouachi.

"Antes acreditava que os governos europeus estavam comprometidos com os direitos humanos, mas hoje um contrato anti-imigração ou um acordo com um presidente autoritário da Tunísia está a ser prioritário em relação à defesa dos direitos humanos e das condições dos prisioneiros", acrescentou.

Crimes "merecem" a atenção do TPI

A Tunísia foi primeiro Estado do Norte de África a tornar-se membro do Tribunal Penal Internacional, em 2011, quando as revoltas pró-democracia inspiraram a Revolução Tunisina.

O caso contra o atual governo foi apresentado ao abrigo do artigo 15.º do Estatuto de Roma do tribunal, que permite que o procurador investigue por "iniciativa própria", contornando a necessidade de obter um pedido de um Estado-membro ou do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

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A jurisdição do tribunal limita-se a crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio, tal como definidos no estatuto.

O advogado da equipa reconheceu que seria "difícil" garantir que o TPI iniciasse a investigação. No entanto, as queixas apresentadas ao abrigo do artigo 15º já foram investigadas pelo Procurador no passado, nomeadamente no que se refere às violações dos direitos humanos em Myanmar (antiga Birmânia).

"Estamos a apelar ao procurador do TPI para que, pelo menos, visite a Tunísia, a fim de enviar um sinal muito claro de que estes graves crimes contra a humanidade, sobre os quais o tribunal tem jurisdição, não devem ser tolerados", disse o advogado.

"Deveria ser uma prioridade para o procurador do TPI voltar a sua atenção para esta questão. Se o ignorarmos, isso apenas encorajará o regime a continuar as suas violações", concluiu.

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