Os países da UE que não implementarem o Pacto sobre Migração e Asilo, aprovado por escassa margem pelo Parlamento Europeu, na quarta-feira, poderão ser alvo de ações judiciais, alertou Ylva Johansson, comissária europeia para os Assuntos Internos, em entrevista à euronews.
"Todos os Estados-Membros têm de o implementar e aplicar. Se não o fizerem, a Comissão agirá e recorrerá, se necessário, a procedimentos de infração. Mas devo dizer que estou bastante convicta de que os Estados-membros irão implementar o Pacto muito rapidamente", disse a comissária, na entrevista, quinta-feira, em Bruxelas.
Após quase quatro anos de negociações lentas e meticulosas, os eurodeputados aprovaram o novo pacto numa votação, na quarta-feira, em sessão plenária, e este terá de ser aprovado por maioria qualificada dos governos dos 27 Estados-membros, possívelmente antes do fim do mês.
O objetivo é ter regras coletivas para gerir a receção e relocalização de requerentes de asilo, aumentando a solidariedade entre os Estados-membros.
No ano passado, a UE recebeu 1,14 milhões de pedidos de proteção internacional, um máximo de sete anos, e registou 380 mil travessias irregulares das fronteiras, metade das quais através da rota central do Mar Mediterrâneo.
No entanto, o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, foi dos primeiros a repudiar o pacto, manifestando-se fortemente contra a revisão, classificando-a de "inaceitável" e atacando o sistema proposto de "solidariedade obrigatória".
De acordo com este sistema, os Estados-membros terão três opções para gerir os fluxos migratórios:
- aceitar um certo número de requerentes de asilo vindos de outros Estados-membros onde obtiveram direito de permanência (recolocação)
- pagar 20 mil euros por cada requerente de asilo que não queira acolher (estimativa do que paga um Estado, por ano, para manter uma pessoa durante o processamento do pedido)
- financiar suporte operacional
A Comissão Europeia pretende fazer 30 mil realocações por ano, mas insiste que o sistema não forçará nenhum país a aceitar refugiados, desde que estes contribuam através de qualquer uma das outras duas opções.
Oposição de leste
"Protegeremos a Polónia contra o mecanismo de recolocação", disse Tusk numa conferência de imprensa em Varsóvia.
O líder polaco (de centro-direita, eleito em dezembro passado) prometeu liderar um governo pró-europeu e pôr fim a oito anos de governo eurocético do partido Lei e Justiça (PiS).
Donald Tusk é visto como um aliado próximo da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, mas a sua firme rejeição do pacto veio arrefecer um pouco a reforma, que a própria Ursula von der Leyen considerou "histórica" e uma "grande conquista para a Europa".
A Hungria, outro conhecido crítico do Pacto, também manifestou a sua censura.
"É uma pena que, nove anos depois do pico da crise migratória, o Parlamento tenha apresentado uma solução que, no fundo, constitui uma grave violação da soberania dos Estados nacionais", declarou Zoltán Kovács, porta-voz internacional do Governo húngaro, durante um briefing com jornalistas, em Bruxelas.
"O Pacto não vai fornecer uma solução viável para nenhum Estado-membro", acrescentou.
Kovács insistiu que o seu país iria "falar bem alto contra" o Pacto, argumentando que este não tem em conta a experiência húngara e está "condenado ao fracasso".
Mas quando lhe perguntaram se o governo iria desrespeitar abertamente as regras e arriscar-se a ser alvo de um processo por infração, o porta-voz foi mais cauteloso e disse que o seu Governo ainda tem de analisar a "redação exacta" da revisão.
Na fase que antecedeu a votação no Parlamento, a reforma suscitou a oposição da direita e da esquerda. Algumas vozes progressistas consideraram que o Pacto cedeu à pressão das forças de extrema-direita e colocou em risco os direitos humanos dos requerentes de asilo.
Eurodeputados de extrema-direita, incluindo eleitos pelo partido Reagrupamento Nacional (França), também votaram contra partes do pacto, argumentando que as suas disposições não vão suficientemente longe na proteção das fronteiras.
A aprovação do pacto chega na "véspera" das eleições europeias, que se realizam de 6 a 9 de junho, e nas quais a migração é um dos temas mais importantes para os eleitores.
Uma recente sondagem da Ipsos para a Euronews revelou que apenas 16% dos cidadãos da UE apoiam a política de migração do bloco, enquanto mais de metade (51%) se opõe a ela.
"Difícil" cooperação com alguns países de trânsito
Um outro aspeto crítico da política de migração da UE é a sua "dimensão externa", um termo amplo utilizado para designar os acordos com países terceiros destinados a travar a partida de migrantes irregulares para a Europa.
Bruxelas já celebrou acordos com a Tunísia, a Mauritânia e o Egipto, nos quais o dinheiro da UE é injetado nas economias dos países em troca de medidas específicas para diminuir os fluxos migratórios e combater os traficantes de seres humanos.
Os acordos foram criticados pelos eurodeputados e pelos defensores dos direitos humanos por não reconhecerem as provas crescentes de violações dos direitos humanos, nomeadamente por parte das autoridades tunisinas.
Apesar de não ter um acordo formal com a Líbia, a UE também gastou cerca de 59 milhões de euros para reforçar os mecanismos de gestão das fronteiras das autoridades líbias, desde 2017, apesar das provas de expulsões ilegais e do tratamento abusivo dos migrantes subsarianos nos centros de detenção líbios.
"A cooperação com a Líbia é difícil", reconheceu Johansson na entrevista à Euronews, "e estamos a ter opiniões fortes, por exemplo, no que diz respeito aos centros de detenção (...) alguns deles têm condições realmente inaceitáveis".
A UE está a trabalhar em estreita colaboração com a União Africana e as Nações Unidas para resgatar refugiados da Líbia para países mais seguros, ao abrigo do chamado "mecanismo de trânsito de emergência".
O bloco também continua a "apoiar" a guarda costeira líbia nas suas operações de busca e salvamento, "para que as pessoas não percam a vida no Mediterrâneo", acrescentou Johansson.
No ano passado, um relatório da ONU concluiu que a guarda costeira líbia - que recebeu apoio da UE - tinha cometido crimes de lesa-humanidade, incluindo a escravatura sexual de mulheres, detenções arbitrárias, assassinatos, tortura, violação, escravatura e desaparecimento forçado.